A estranha demissão de um repórter da Folha

O jornalista Diego Bargas foi demitido da Folha de S. Paulo depois de publicar uma reportagem crítica ao filme lançado pelo humorista Danilo Gentili…

Um humorista lança filme de comédia e concede entrevista a um jornalista, que publica crítica negativa à produção cinematográfica. Descontente com o conteúdo veiculado, o comediante expõe o entrevistador, divulga o vídeo da conversa, chama o profissional de “petista” e resgata postagens, despertando a ira de milhões de fãs. Em meio aos ataques virtuais, o comunicador informa que perdeu o emprego e recebe o apoio de entidades da classe, enquanto a publicação para o qual trabalhava seguiu omissa por mais de dois dias.

Assim pode ser resumida a história que tem como protagonistas Danilo Gentili, apresentador do SBT que lançou na última semana o filme “Como se tornar o pior aluno da escola”, e Diego Bargas, profissional que atuava desde o começo do ano como repórter de cultura da Folha de S. Paulo. Isso mesmo: atuava. Horas depois de ter o seu texto e sua conduta criticados pelo humorista, o jornalista relatou ter sido demitido do impresso paulistano. Tudo isso ocorreu na sexta-feira, 13, fazendo com que o caso repercutisse nas redes sociais ao decorrer do último fim de semana.

No domingo, 15, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) divulgaram nota em conjunto. As duas entidades se colocaram ao lado do repórter demitido e criticaram as posturas adotadas pelo humorista Danilo Gentili e pela direção da Folha. Segundo a análise das entidades, Diego Bargas foi “intimidado e perseguido”. As instituições afirmam que Danilo Gentili resolveu “massacrar o jornalista em rede social, mostrando sua intolerância à atividade jornalística, e manipular o episódio para tentar melhorar o resultado comercial de seu produto”.

O jornalista Diego Bargas foi demitido da Folha de S. Paulo no dia em que publicou reportagem com tom crítico ao filme lançado por Danilo Gentili (Imagem; Arquivo pessoal/Facebook)

Entenda todo o caso…

A reportagem crítica de Diego Bargas
Comédia idealizada e roteirizada por Danilo Gentili, “Como se tornar o pior aluno da escola” estreou no cinema na quinta-feira, 12, justamente o Dia das Crianças. Diego Bargas foi escalado pela Folha para entrevistar o humorista e Fabrício Bittar, diretor da produção. O conteúdo fruto da conversa e da análise do jornalista a respeito da produção foi publicado. O texto em questão ressalta que a “comédia juvenil ri de bullying e pedofilia“. No trecho destacado como “Controverso”, a reportagem alega que o apresentador do SBT “preferiu não responder” ao ser indagado sobre o fato de fazer piadas com pedofilia.

Detalhe: ao fim do texto assinado por Bargas há o anúncio da promoção da Livraria da Folha, que distribui ingresso para o filme na compra do livro homônimo

Reportagem é acompanhada de link para a promoção da Livraria da Folha com o livro e filmes idealizados por Danilo Gentili (Imagem: Reprodução/Folha.com)

O ataque virtual promovido por Danilo Gentili
Com a reportagem assinada por Diego Bargas no ar, Danilo Gentili recorreu ao Facebook, rede social onde conta com mais de 13 milhões de seguidores, para rebater o teor da crítica e atacar o jornalista. Para isso, publicou o vídeo da entrevista e divulgou sete tópicos. Em um dos pontos elencados, o humorista se atentou ao fato de o texto chancelado pela Folha sinalizar que ele “preferiu não responder” ao questionamento sobre pedofilia (o vídeo mostra que somente o diretor Fabrício Bittar fala sobre o tema pedofilia; depois de pergunta sobre psicopata, Gentili afirma que na próxima produção, ligará para o repórter prestar consultoria e dizer o que pode e o que não pode ser transformado em piada).

Gentili, entretanto, não se limitou a eventuais falhas da matéria. Ele fez questão de definir o comunicador como “militante político” e “torcedor do PT” – relembrando posts do jornalista para embasar tal argumentação. Em questão de horas, seguidores do comediante e páginas de grupos como o MBL disseminaram o ataque virtual contra o repórter.

Diego Bargas, também via Facebook, avisou que tinha sido demitido da Folha de S. Paulo. Alegou que o motivo da saída foi justamente a “confusão com o Gentili”. “Não posso entrar em detalhes sobre isso, mas é tudo muito nebuloso”, afirmou o jornalista, que até o momento não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem do Portal Comunique-se. Sobre a acusação de militar em prol do Partido dos Trabalhadores, ele enfatizou não ser “nada disso” e destacou que os haters usaram cinco postagens “ridículas, irrelevantes” em que elogia políticos como Lula, Dilma e Haddad (todos filiados ao PT).

Diego Bargas anunciou sua demissão da Folha de S. Paulo (Imagem: Reprodução/Facebook)

Fenaj e sindicato criticam a Folha de S. Paulo
A demissão do repórter em meio a ataques sobre sua eventual preferência política fez com que Fenaj e o sindicato dos jornalistas de São Paulo criticassem a decisão tomada pela direção do jornal. Para as entidades, a própria publicação foi contra os valores da liberdade de imprensa. “A Folha de S. Paulo, ao tomar tal atitude, demonstra não ter o mínimo compromisso com princípios como a liberdade de imprensa, de expressão e com a pluralidade, dos quais a empresa se reclama em suas campanhas de marketing”, endossam as instituições jornalísticas.

O que o posicionamento da Folha diz (e o que não diz)
Depois de passar o fim de semana em silêncio, a Folha de S. Paulo fala sobre o caso envolvendo Danilo Gentili e Diego Bargas na edição que circula nesta segunda-feira, 16. O jornal informa que o repórter foi atacado pelo humorista e seguidores e usou trechos das postagens veiculadas. O veículo confirmou o desligamento do profissional de seu quadro de colaboradores. O motivo? Supostamente “ter desrespeitado orientação reiterada sobre comportamento nas redes sociais”.

Outro detalhe: Diego Bargas começou a trabalhar na Folha no começo deste ano e uma das postagens elogiosas a integrantes do PT foi feita antes de ele se tornar colaborador da empresa (e mesmo assim foi contratado). Outras foram divulgadas ao longo de 2017 (e mesmo assim ele não foi dispensado nas ocasiões). A direção do jornal, contudo, não falou sobre isso.

A direção do veículo não detalhou porque a demissão ocorreu – coincidentemente – após as críticas promovidas por Danilo Gentili. “O jornal ofereceu assistência jurídica ao repórter para se defender de ameaças e ilegalidades nas redes sociais”, afirma, por fim, a nota do impresso. Antes de o veículo se posicionar por meio de suas páginas, a reportagem do Portal Comunique-se enviou perguntas diretamente ao editor-executivo da Folha de S. Paulo, Sérgio Dávila. Até o início da tarde desta segunda-feira, 16, os questionamentos, enviados ao fim da noite da última sexta, não foram respondidos.

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Correções – às 22h59 de 16/10/2017 = o Portal Comunique-se informou anteriormente que Danilo Gentili falou sobre piada com pedofilia, sendo que, na verdade, quem falou sobre o tema foi o diretor Fabrício Bittar. A reportagem também informou, de forma equivocada, que a maioria das postagens de Diego Bargas em prol de políticos do PT foi feita antes de sua contratação pela Folha – na realidade, apenas uma foi antes de 2017. As duas informações foram corrigidas no texto

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Anderson Scardoelli

Jornalista "nativo digital" e especializado em SEO. Natural de São Caetano do Sul (SP) e criado em Sapopemba, distrito da zona lesta da capital paulista. Formado em jornalismo pela Universidade Nove de Julho (Uninove) e com especialização em jornalismo digital pela ESPM. Trabalhou de forma ininterrupta no Grupo Comunique-se durante 11 anos, período em que foi de estagiário de pesquisa a editor sênior. Em maio de 2020, deixou a empresa para ser repórter do site da Revista Oeste. Após dez meses fora, voltou ao Comunique-se como editor-chefe, cargo que ocupou até abril de 2022.

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