Documento da FNDC aponta que abusos contra a mídia e o exercício da livre-expressão foram cometidos no Brasil depois da posse do novo presidente, agravando um quadro que já era comprometedor
O Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações (FNDC) existe desde 1990 e agrega pelo menos 500 entidades ligadas ao debate da mídia brasileira. Sua fundação remete à criação da Constituição de 1988, depois do fim da ditadura militar. Por este motivo, é fundamental ouvir essa entidade para entender o que se passa no governo Michel Temer.
Um relatório da FNDC publicado neste mês de outubro mostra que violações contra a imprensa e a liberdade de expressão ocorreram em pouco mais de um ano de governo Temer. A entidade contabilizou 70 casos divididos em sete categorias:
- Violações contra jornalistas, comunicadores sociais e meios de comunicação;
- Censura a manifestações artísticas;
- Cerceamento a servidores públicos;
- Repressão a protestos, manifestações, movimentos sociais e organizações políticas;
- Repressão e censura nas escolas;
- Censura nas redes sociais;
- Desmonte da comunicação pública.
Parte do que é relatado pelo FNDC não é uma novidade e já acontecia no governo Dilma Rousseff. Violações contra jornalistas, repressão a protestos e censura nas escolas ocorreram de 2013 para frente, afetando movimentos pela redução de passagens e São Paulo até as ocupações de secundaristas. A novidade, agora contabilizada e criticada no levantamento, é o desmonte da comunicação pública, culminando na censura em redes sociais e cerceamento dos direitos de expressão de servidores públicos.
Já a repressão de manifestações artísticas ganharam força recentemente com o caso do Museu de Arte Moderna (MAM) e outros protestos que envolveram a classe ao longo deste ano. “O conjunto das violações comprova que práticas de cerceamento à liberdade de expressão que, já ocorriam no Brasil (…), encontraram um ambiente propício para se multiplicar após a chegada de Michel Temer ao poder, por meio de um golpe parlamentar-jurídico-midiático, que resultou na multiplicação de protestos”, diz o FNDC em nota.
O relatório completo se chama “Calar Jamais” e pode ser lido neste link.
Caso da EBC
Maior braço midiático do governo, agregando a Agência Brasil e a TV Brasil, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) sofreu um desmonte entre 2016 e 2017. Com a nomeação de Laerte Rimoli para sua presidência, a entidade interrompeu a gestão do jornalista Ricardo Melo que teria quatro anos de duração. Conhecido por postagens antipetistas e críticas à respeito da ex-presidente Dilma, Rimoli foi diretor de comunicação da Câmara dos Deputados a pedido do próprio Eduardo Cunha.
A briga política entre os dois jornalistas também se dá porque a gestão Laerte Rimoli dissolveu instâncias internas da EBC que garantiam sua relevância como veículo de comunicação público. Diminuindo a influência do grupo midiático do governo, Michel Temer aumentou o investimento em publicidade na grande mídia, especialmente os grupos Globo, Abril, Folha e Estado, uma prática que estava sendo alterada por Dilma Rousseff.
Devido às pressões, Rimoli pretende deixar a presidência da EBC, conforme informa a coluna Radar da revista Veja. Ele pretende se mudar para o Canadá com a família.
Os ministros Moreira Franco e Marcio Freitas, da Secretaria de Comunicação (Secom) de Temer, já buscam nomes para a substitui-lo.
Estudantes feridos e MST
O levantamento do FNDC também aponta um aumento substancial da violência policial. “Casos como o do jovem pernambucano Edvaldo Alves, morto em decorrência de um tiro de bala de borracha enquanto protestava justamente contra a violência, ou do estudante universitário Mateus Ferreira da Silva, que teve traumatismo craniano após ser atingido com um golpe na cabeça durante manifestação em Goiânia, deixaram de ser raridade”, diz o órgão no informativo.
Abusos das autoridades também chegam nos movimentos sociais e na greve geral que tomou o país em 2017. Afirma o FNDC sobre sua pesquisa: “a publicação também traz o registro da invasão da Escola Florestan Fernandes, do MST, pela polícia; da condução coercitiva do blogueiro Eduardo Guimarães; e do flerte de Temer com a suspensão dos direitos constitucionais, por meio do decreto presidencial de 24 de maio passado, que declarou Estado de Defesa e autorizou a ação das Forças Armadas para garantir a ‘ordem’ no país”.
Embora seja um órgão mais focado nas pesquisas sobre a mídia brasileira, o levantamento do FNDC é um bom termômetro de que os abusos do governo Michel Temer vão além do limite do aceitável. E a violência contra grupos sociais vinculados com a esquerda interrompem um ciclo de diversidade comunicacional que existiu até os governos do PT.
O Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações pretende levar o relatório para autoridades nacionais e organismos internacionais de defesa de direitos humanos. A ideia da iniciativa é responsabilizar o Estado brasileiro nas cortes internacionais por suas violações.
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Texto publicado originalmente na plataforma Storia. Colaborou Renato Bazan, produtor e jornalista da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil)