Luís Boaventura(*)
A sensação de que algo estava errado me aconteceu logo ao acordar no dia seguinte as eleições norte-americanas. E me levou a confirmação de que para muita gente que não está no horário brasileiro de verão, as notícias acontecem (ou chegam para o telespectador) com uma hora de atraso.
No dia 9 de novembro, acordei espontaneamente pouco antes das cinco da manhã, provavelmente pela expectativa de saber o resultado das eleições que vinha acompanhando, tanto que ao dormir deixei a TV ligada no canal da CNN. E logo quando acordo a tarja estava estampada na tela “Breaking News: Donald Trump elected U.S. President”. Depois de ver isso foi uma sequencia de confusões mentais até que eu conseguisse entender tudo o que acontecia.
Primeiro descubro que meu inglês não chega automático quando acordo e não estava entendendo o debate entre os comentaristas e o apresentador. Mudei para a Globo News que – ao vivo – também comentava a eleição do candidato republicano. Confirmado o que vi na CNN, vamos para boa e velha TV aberta, já que temos um telejornal a partir das cinco (percebam que tudo isso que descrevi foi muito rápido). Peguei o ‘Hora 1’ ainda na escalada e já adianto que foram 15 minutos falando na expectativa do final das contagens de votos.
Sim, o primeiro telejornal em rede nacional da principal emissora de TV aberta brasileira às 5h14 da manhã estava com uma conversa entre Monalisa Perrone e Sandra Coutinho (a apresentadora no estúdio da emissora em Nova York) dizendo, entre outras coisas, que nem as emissoras de TV americanas, nem seus sites diziam ainda que Trump estava eleito, que estavam todos com muita cautela.
Mas antes das cinco, quando eu acordei, antes mesmo do ‘Hora 1’ começar, eu já sabia que Trump estava eleito. E eu pensava que cautela é essa da Globo se aquela altura, até o discurso do republicano eu já tinha visto, por quem eles esperavam para confirmar a informação?
Ainda às 5h30 da manhã a notícia no ‘Hora 1’ era a de que “o possível resultado da eleição americana, dando como Donald Trump possível presidente dos Estados Unidos, esse possível resultado já derrubou as bolsas na Ásia”. E o tempo todo a Monalisa Perrone repetia que aquela se tratava de uma edição especial com prioridade total aos correspondentes internacionais.
Somente às 5:34, Sanda Coutinho volta e diz “Novidade! Fechada a eleição norte-americana. Donald Trump eleito com 48% dos votos”. E às 5h48 é que o ‘Hora 1’ começa a exibir o presidente eleito chegando para discursar, aquele discurso que eu já tinha visto antes mesmo do ‘Hora 1’ começar.
A este momento da leitura você se pergunta o que aconteceu? Eu tenho a resposta: tudo tinha acontecido – ao vivo – uma hora antes, mas foi gravado e reexibido para os 68.946.404 moradores de 16 Estados onde não há horário brasileiro de verão. É que com o horário de verão, a TV Globo têm toda sua grade de programação de rede (transmitida a partir do Rio, São Paulo) repetida uma hora depois. Ou seja, 33,72% da população do território nacional passa a ver as notícias com uma hora de atraso durante 127 dias, entre 16 de outubro de 2016 e 19 de fevereiro de 2017.
A exceção, na TV Globo, é o ‘Jornal Nacional’, alguns jogos de futebol e a programação do domingo na sua totalidade. Com isso, se consegue que não haja alteração na programação dos telejornais locais.
Levando-se em consideração que a TV está em 97,2% dos domicílios brasileiros, de acordo com pesquisa de 2013 do IBGE, enquanto a mesma pesquisa aponta que só 48% dos domicílios brasileiros tem acesso à internet, podemos ter certeza do que antes era só um achismo: para quem não faz uso da internet ao mesmo tempo em que assiste televisão, as notícias chegam com uma hora de atraso. E muitas vezes nem se percebe isso.
O problema é que isso acontece enquanto a televisão passa por um processo de instabilidade causada por mudanças tecnológicas em que a audiência não admite mais saber de um fato depois, consome conteúdo televisivo por demanda e trava uma batalha pela instantaneidade com a internet.
Estamos vivendo a era da “Cultura de Convergência” (conceituada por Henry Jenkins) e a TV não pode se dar ao luxo de estar atrasada. Por isso, mais do que informar ao telespectador sobre o que ele já soube pela internet, o telejornalismo ao vivo precisará ser realmente interativo. Deverá desdobrar o acontecimento já noticiado e reportar as implicações da notícia no cotidiano do seu público.
Cada vez mais a audiência procura conteúdo em tempo real e esse deve ser o desafio tecnológico e de conteúdo que as emissoras enfrentam diariamente: precisar ser instantânea como a internet, para não perder espaço para as novas mídias.
(*) Jornalista, Mestre em Extensão Rural e Desenvolvimento Local. É também Professor das disciplinas de Telejornalismo do curso de Comunicação do Centro Universitário Maurício de Nassau, no Recife. Entre 2006 e 2014 trabalhou como repórter, produtor, chefe de reportagem e editor na TV Asa Branca e editor de texto na TV Globo Nordeste. Em Agosto deste ano ele lançou o livro ABTV: Fazendo História.
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