O financiamento recorrente – por meio de assinaturas e doações – tem sido uma das fontes de receita adotadas por iniciativas de jornalismo digital. De acordo com a plataforma Catarse de financiamento coletivo, aproximadamente R$150 mil arrecadados pelo site são destinados a projetos jornalísticos.
A Gênero e Número, plataforma que aborda questões de gênero a partir de dados, passou dois meses planejando sua campanha de financiamento através do Catarse. De acordo com a diretora Giulliana Bianconi, a campanha lançada em 07.fev.2019 será importante não só para a receita da plataforma, mas também para o relacionamento com o público. “Entendemos que poucas receitas podem ser tão seguras quanto aquela que vem de uma audiência cativa, que valoriza o que você entrega para a sociedade”, comenta.
A professora doutora Elizabeth Saad, da Universidade de São Paulo, afirma que o sucesso dos financiamentos recorrentes está na relação de proximidade estabelecida com a audiência, com transparência e entrega de resultados. A especialista ressalta, no entanto, que esse modelo de negócios só faz sentido para propostas inovadoras. “Se for para financiar coisas que já estão na alçada da mídia tradicional, não tem sentido.”
Saad afirma que a produção de conteúdo de interesse social é importante para alavancar esse tipo de financiamento, que tem crescido. “A tendência de novos negócios jornalísticos de nicho adotarem essas campanhas é cada vez maior”, comenta.
A Ponte Jornalismo aposta em sua abordagem social nas campanhas de financiamento que realiza desde 2017, para custear sua operação e a remuneração dos jornalistas. A mais recente, chamada “Construa a Ponte”, tem como meta a arrecadação de R$16 mil, para que todos os jornalistas sejam remunerados pelo seu trabalho. A campanha “Construa Ponte” atingiu recentemente a primeira meta e possibilitou o custeio de despesas administrativas.
“Eu avalio que [o financiamento] é uma linda vitória”, comenta Fausto Salvadori, jornalista da Ponte. “Num momento de crise econômica e desemprego elevado, é um alento saber que tantas pessoas se sensibilizaram para garantir a continuidade de um projeto que trata de direitos humanos e que é voltado principalmente para denunciar os crimes do Estado praticados contra a população mais vulnerável do país.”
Apoiadores do veículo recebem como contrapartida itens como livros, camisetas ou imagens feitas pela Ponte. “As pessoas gostam de receber objetos, não pelo que valem, mas pelo que simbolizam em termos de envolvimento com a gente e nosso projeto”, argumenta Salvadori.
Os brindes também são, por enquanto, uma das formas de financiamento por meio do público da Agência Mural. Anderson Meneses, coordenador executivo da Mural, comenta que os itens foram pensados como uma forma de financiamento e divulgação. “Quando uma pessoa anda com uma camiseta nossa ou leva um bloco de notas em uma reunião, acaba divulgando a marca da Agência Mural em outros lugares”, afirma. Saad aponta que iniciativas que optarem pela utilização de brindes como contrapartida devem associá-los à missão do veículo.
A Mural se prepara para lançar uma campanha de financiamento recorrente pelo Catarse após o Carnaval. Por meio de assinaturas, a Agência planeja financiar sua operação e continuar sua produção de conteúdo sobre as regiões periféricas de São Paulo.
O planejamento da campanha foi feito a partir de conversas com doadores e experiências de outras iniciativas jornalísticas. Segundo Meneses, as assinaturas serão focadas no oferecimento de experiências e não mais brindes físicos. Os assinantes poderão escolher entre dois valores mensais de contribuição e ganharão acesso a eventos – como palestras ou passeios promovidos pelo TurisMural – grupos de editores da agência e newsletters, de acordo com a opção escolhida.
Segundo Giulliana Bianconi, um dos pontos negativos no financiamento recorrente é a impossibilidade de saber, por exemplo, se a receita obtida hoje será mantida no futuro, o que dificulta o planejamento a médio e longo prazo dos veículos. “Mas, acredito que essa dificuldade possa ser amenizada quando atingirmos uma meta e passarmos a trabalhar para manter a base de assinantes do financiamento”, diz a diretora da Gênero e Número.
“O único ponto negativo que consigo ver é que os valores de um financiamento recorrente não são tão altos”, pontua Salvadori, da Ponte. “Isso faz com que não seja uma modalidade tão interessante para quem queira começar um projeto do zero, eu imagino.”
Saad não vê pontos negativos no financiamento recorrente, mas afirma que ele não é adequado para todos os veículos. Segundo a especialista, é necessário oferecer algo novo à audiência, mantendo a transparência do que é produzido e dos resultados obtidos a partir do dinheiro que foi arrecadado.
Além do Catarse, outras plataformas oferecem ferramentas para financiamento recorrente. A Apoia.se abriga diversas campanhas de financiamento de jornalismo, como a do coletivo de podcasts Central 3. A Benfeitoria foi escolhida pela revista AzMina para viabilizar a produção de conteúdo online voltado para o público feminino.
Por Natália Silva.
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