Setembro de 2016. Nesse mês, o jornalista João Pedro Paes Leme resolveu encerrar um ciclo profissional e, assim, pediu demissão da Rede Globo de Televisão, empresa que naquele momento desempenhava a função de diretor-executivo do núcleo de esportes. Naquele momento, ele deixava para trás a mídia televisiva e o status de global para empreender no mercado da comunicação — e influência — digital.
A decisão de encerrar o ciclo na Rede Globo e, consequentemente, de mais de duas décadas dedicadas à chamada mídia tradicional, foi tomada por JP, conforme o jornalista-empreendedor é carinhosamente chamado pelos amigos e colegas de trabalho, por ele ter percebido anos antes a “revolução de conteúdo audiovisual” que se iniciava por meio de produtores de conteúdo que tinham vez no YouTube, plataforma que dava seus primeiros passos no Brasil.
O olhar para a revolução digital no país fez com que JP empreendesse no setor. E com parceria com um dos maiores youtubers do Brasil até hoje: Felipe Neto. Desde 2019, eles dois e Marcus Vinícius Freire são os sócios responsáveis pelo comando da Play9 — empresa que se posiciona como estúdio de criação e formatos digitais e que, atualmente, atende mais de 250 marcas e tem figuras como Tino Marcos, Fátima Bernardes e Gabriela Prioli em seu portfólio de criadores de conteúdo.
Como CEO da Play9, João Pedro Paes Leme fala em entrevista exclusiva ao Portal Comunique-se sobre o seu trabalho como empreendedor digital e alerta sobre personalidades que pensam em se tornar influenciadoras no online. “Muitas pessoas saem da televisão e acham que a migração do público será imediata para o YouTube. É um enorme engano”, comenta.
Na entrevista, JP refaz seus passos na comunicação, que foi de estagiário do Jornal do Brasil a sócio de Felipe Neto — e com direito a mais de 20 anos como funcionário da Rede Globo, onde foi de editor de texto a um dos principais executivos da área de esportes.
O curso de jornalismo só surgiu em sua vida após cursar alguns semestres de biologia com o desejo de se tornar um entomólogo (especialista em insetos). Em nenhum momento da adolescência você se imaginava como jornalista?
Eu sempre adorei ler e escrever. Inclusive, quando era criança, fazia jornaizinhos com máquina de escrever e colagens de fotos nos espaços do papel que eu deixava vazios. Então, acho que sempre houve um desejo desde cedo, mas como tive um professor de biologia incrível, aquilo acabou me fisgando. E todo mundo sabe como é cruel aquela escolha do que fazer na vida ainda como adolescente. Eu fiz vestibular aos 16 anos. Seria muito difícil acertar de primeira.
Início da década de 1990. O então estudante João Pedro começou a estagiar no Jornal do Brasil. Nos tempos de faculdade, o seu sonho era trilhar carreira na mídia impressa? Por quê?
Havia um quê de romantismo na profissão de jornalista: textos incríveis, histórias reais, análises, artigos. Tudo isso me interessava muito e me apaixonava porque, além de estimulante, estar num grande jornal parecia o suprassumo da atividade jornalística. E era, de fato, na época. Além disso, meu bisavô, Alceu Amoroso Lima, tinha sido um colunista muito respeitado do Jornal do Brasil — bastante combativo na época da ditadura. Isso trazia uma memória afetiva muito poderosa para mim. Além dele, meu tio, Roberto Porto, trabalhou no JB como editor-executivo, e meu pai, Nelson Paes Leme, eventualmente escrevia artigos para a página de opinião. Acho que isso tudo deve ter exercido uma influência inconsciente em mim quando decidi fazer a prova de estágio para lá.
No JB, você foi de estagiário a repórter contratado e, em pouco tempo, começou a se destacar na editoria de esportes, com direito a cobrir Fórmula 1 e Jogos Pan-Americanos. A quais fatores você atribui esse reconhecimento logo no começo da carreira?
Acredito que dois fatores foram muito importantes: meu interesse muito grande por temas de cultura geral e política internacional, além do fato de falar alguns idiomas (inglês, francês, espanhol e arranhar italiano).
Depois da saída do JB, veio o convite do departamento de esportes da Rede Globo de Televisão. Como surgiu a proposta por parte da emissora e como foi trabalhar inicialmente como editor de texto e, posteriormente, ganhar as primeiras oportunidades à frente das câmeras, como repórter?
Confesso que foi uma surpresa muito grande aparecer no vídeo. Quando a Globo me chamou para trabalhar, era uma época em que a televisão tinha passado a buscar muitos profissionais de jornal impresso, como uma forma de trazer uma visão, talvez, de mais consistência de apuração e desenvoltura com o texto escrito. Foi o período em que o Evandro Carlos de Andrade tinha saído do jornal O Globo para assumir a direção do jornalismo da TV Globo. Esse fenômeno se repetiu na Central Globo de Esportes, na época chamada Divesp, por ser ainda uma divisão de Esportes dentro da então Central Globo de Jornalismo (CGJ).
Eu me achava tímido, mas descobri que não era. E acabei me apaixonando por contar histórias no mundo audiovisual — João Pedro Paes Leme
Quem me convidou para trabalhar foi o Emanuel Mello Mattos de Castro, que acompanhava bastante meus textos no JB e gostava do meu jeito de escrever. O Emanuel é um sujeito genial e estava em busca de uma grande transformação dentro do Esporte nessa época, junto com o Luiz Fernando Lima, que, 20 anos antes, curiosamente tinha passado pelo JB também. Posso dizer que eles me enganaram. Mas não pense besteira… risos. Foi uma boa armadilha: contratado para ser editor de texto, acabei passando apenas uns dois meses na função e logo depois me mandaram para fazer uns testes na rua como repórter. Eu me achava tímido, mas descobri que não era. E acabei me apaixonando por contar histórias no mundo audiovisual. Talvez o fato de ser apaixonado por cinema e televisão tenha me ajudado também a descobrir rapidamente o tipo de narrativa que me deixaria à vontade diante das
câmeras.
Depois de ainda atuar como repórter especial no Brasil e correspondente em Paris, eis que veio a chance de ocupar cargos de liderança. Como chefe de redação, o que a bagagem internacional e o tempo de reportagem colaborou para, dali em diante, trilhar uma trajetória de sucesso como executivo? Quais foram os principais desafios e conquistas?
Migrar de frente das câmeras para os bastidores foi um aprendizado. Nos primeiros dois anos, dos dez que passei como executivo, ainda tinha muita vontade de contar algumas histórias como repórter. Mas era também apaixonante criar e executar bons projetos de conteúdo, vendo serem realizados por outras pessoas que eu admirava — e admiro — tanto. Como diretor-executivo na Central Globo de Esportes, havia um desafio permanente de conciliar a organização e o planejamento das coberturas normais e recorrentes com o planejamento dos grandes eventos. Muita gente acha que Copa e Olimpíadas são eventos pensados de forma blocada. Quando um termina você começa a pensar no outro. Mas não é bem assim. Muitas vezes, enquanto se está organizando o primeiro, já há várias reuniões sobre o segundo, mesmo sabendo que há dois anos de diferença entre os dois.
Portanto, o maior desafio sempre foi conciliar o dia a dia, com os megaeventos, e dentro deles, conciliar o planejamento da Copa e das Olimpíadas. Não há dúvida de que, nesse aspecto, o maior desafio da minha carreira foi quando entrou ainda mais um ingrediente nessa receita já tão explosiva. A Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 foram realizadas no Brasil. Dá para imaginar o grau de insanidade no trabalho para preparar esses dois eventos em sequência, né? Foram super desafiadores. Mais de 2.000 pessoas trabalhando na Globo e afiliadas, direta ou indiretamente, em cada um deles. Mas, no fim das contas, fizemos uma cobertura espetacular e, inclusive, ganhamos prêmios internacionais por isso. Valeu todo o sacrifício.
Sem entrar em valores, mas, como diretor-executivo, é de se imaginar que o seu salário nos últimos anos na Globo era, no mínimo, interessante. Por que você deixou esse trabalho de lado e resolveu deixar a emissora para se dedicar a projetos na internet?
Eu estava inquieto demais e desconfortável com a velocidade das transformações dentro da TV. Não da Globo, em si, mas da plataforma “televisão”. Não conseguia ver como encontrar narrativas que conectassem as pessoas de uma forma interativa. Também comecei a achar o tipo de discurso muito longe da autenticidade da vida real. E, por outro lado, via como o digital se encaixava no que fazia sentido para mim. Não foi fácil tomar a decisão de pedir demissão e ficar sem contracheque pela primeira vez depois de 24 anos (20 na Globo e 4 no JB). Minha analista me ajudou muito. Conversamos mais de um ano até eu ter certeza (e coragem) de bater o martelo.
No meio de negócios no ambiente digital, como, quando e por que surgiu a parceria com Felipe Neto, que, em 2016, já era um dos maiores youtubers do Brasil e do mundo?
Conheci o Felipe em 2011, quando passei a dar muita atenção ao YouTube e perceber que havia uma revolução de conteúdo audiovisual vindo ali. Naquela época, o YouTube tinha seis anos desde a fundação e apenas um ano no Brasil. Havia um grupo de talentos explodindo naquele início: Felipe Neto, Kéfera, Cauê Moura e outros. Eu via tudo que meus filhos estavam vendo na época e aquilo passou a me interessar muito. Quando vi o Felipe pela primeira vez no vídeo, aquilo me chamou muito a atenção. Muito mesmo. Era bem fora da curva.
Convidei o Felipe [Neto] para fazer um quadro no ‘Esporte Espetacular’ (…) Mal sabia que viraríamos sócios — João Pedro Paes Leme
Então, como sempre gostei de ousar e inovar quando contava minhas histórias, também passei a fazer isso como executivo na Globo. E convidei o Felipe para fazer um quadro no ‘Esporte Espetacular’, todos os domingos. Chamava-se ‘Sem Noção’. Eram esquetes que misturavam humor e esporte. E assim foi por um ano, em 2012, até que no fim da temporada ele me chamou, disse que tinha sido uma ótima experiência, mas que ia sair para abrir uma produtora chamada Parafernalha. “Com ‘L H’ pra ficar diferente”, ele me disse. Eu ri e desejei boa sorte. Mal sabia que viraríamos sócios menos de cinco anos depois…
Hoje em dia, como se dá a relação profissional com o Felipe Neto? Como a sua experiência como repórter e executivo de TV ajuda nos negócios e nas produções audiovisuais? Por outro lado, como a ação dele como um nativo digital colabora para o seu desenvolvimento profissional?
Sempre penso como foi importante esse reencontro com o Felipe. E acho que para nós dois. Foi muito bom estar bem perto do Felipe para ver aquele universo do digital “raiz” que me inspirava. Foi fundamental entender as entranhas do YouTube com ele e depois isso me deu tranquilidade para pensar outras plataformas digitais do ponto de vista de criação e distribuição de conteúdo. Tenho certeza de que devo também ter ajudado o Felipe a amadurecer e respeitar mais os caminhos da profissionalização dessa indústria. E ele não precisou se engessar para isso. Acho mesmo que foi um encontro de almas. Hoje em dia, nos falamos diariamente (90% por WhatsApp, meio preferido dele) e temos reuniões de sócios do board da Play9 também. No organograma eu sou o CEO e ele é o CVO, chief visionary officer).
Na mídia impressa e na televisão, tornou-se rotineiro notícias de demissões, enxugamento das redações. Na Play9, empresa em que você tem Felipe Neto e Marcus Vinícius Freire como sócios, mostra estar em processo de expansão. Como explicar essa migração do mercado de trabalho de comunicação, da mídia tradicional para a internet?
Acredito que haja uns dois ou três fenômenos que expliquem esse fato. O primeiro é a migração da verba publicitária dos meios tradicionais para os digitais. Em 2022, será o primeiro ano que o digital receberá mais dinheiro que a televisão, um movimento que já aconteceu há cinco anos nos Estados Unidos. O segundo motivo é a demanda reprimida que já existia e que vem se acelerando com a entrada dos millennials e no mercado consumidor com poder real de compra. E o terceiro, um tanto óbvio e já extensamente discutido, foi a aceleração trazida pela pandemia, quando muitas relações comerciais passaram a ser realizadas dentro do ambiente digital. Com isso, o conteúdo foi junto e aí veio esse boom.
Como um jornalista que tem se dedicado ao empreendedorismo digital: quais as dicas para um colega de imprensa que, por exemplo, foi demitido de algum veículo de comunicação e pensa em criar um canal no YouTube?
Vejo que muita gente pensa no YouTube como soluções para todos os problemas de quem quer apostar numa narrativa audiovisual no digital. Mas não é bem assim. O YouTube é uma plataforma incrível. Eu, particularmente, sou apaixonado por ela porque democratizou de fato o acesso aos vídeos na internet. No entanto, criar uma base de fãs engajados no YouTube é um movimento gradual e que exige paciência. Muitas pessoas saem da televisão e acham que a migração do público será imediata para o YouTube. É um enorme engano.
Raramente, pessoas com discursos generalistas que não sejam nativas digitais, terão sucesso no YouTube — João Pedro Paes Leme
Primeiro, o importante é encontrar um caminho. Raramente, pessoas com discursos generalistas que não sejam nativas digitais, terão sucesso no YouTube. Não digo que seja impossível, mas é improvável, já que a plataforma já criou seus próprios ídolos e estrelas. Portanto, eles são quase como um mainstream do digital. Quando alguém vem de outra plataforma, seja ela rádio, jornal ou TV, o melhor a se fazer é escolher um nicho e se tornar um ótimo especialista ali. Há uma chance muito maior de seu conteúdo ser percebido assim, e, eventualmente, até conseguir furar esta bolha mais tarde. Já o contrário, não acho uma estratégia inteligente.
Quem te acompanha pelo LinkedIn percebe que, de tempos em tempos, você publica artigos sobre conteúdo, internet e afins. Há algum desejo de voltar a atuar na chamada imprensa tradicional? Por quê?
Eu gosto de escrever sobre a indústria da comunicação, como um todo. Gosto de analisar como a comunicação contemporânea subverteu algumas verdades absolutas, ao mesmo tempo que se mantém fiel a algumas premissas que ainda funcionam e só mudaram de formato. Meu interesse em fazer essas análises é por perceber que a própria Play9 nasceu baseada em uma teoria que resolvi escrever.
Percebi uma lacuna grande no mercado gerada pela falta de compreensão do quão importante seria o protagonismo dos criadores de conteúdo (influenciadores) e das marcas. Os dois, tanto influenciadores como marcas anunciantes, tinham tudo para se tornar mídia, eles próprios. Foi esta a aposta que fez a Play9 nascer e vem fazendo com que ela cresça, por ter antecipado vários cenários de mudança a partir dessa premissa. Hoje, se eu tivesse alguma atuação na imprensa tradicional, seria como articulista de algum veículo que se interessasse por esses temas. Mas,
infelizmente, não creio que eu tenha tempo para isso…
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