A insistência é tanta que parece ter gerado um aforismo pessimista: “o jornalismo está em crise”. Será mesmo? E por quais razões o jornalismo alcançou tal estágio de crise? Bem, minha perspectiva vai de encontro aos apocalípticos que veem nesta atividade um caminho sem volta e, por isso, a expressão “jornalismo em transformação” mostra-se mais condizente com o atual cenário que envolve este setor. Seja em crise ou em transformação, a indústria jornalística está colocada num contexto que alguns autores, como o Chris Anderson, Clay Shirky e Emily Bell denominam de “jornalismo pós-industrial”, contexto que alterou desde o empacotamento da notícia, aos processos de produção e consumo de notícias. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), única instituição da América Latina a abrigar um doutorado específico em Jornalismo, com sede em Florianópolis, e atenta às transformações da atividade, pesquisadores adotam olhares para a mesma direção, denominando de “jornalismo que está por vir” (Eduardo Meditsch) e “jornalismo de novo tipo” (Samuel Lima e Jacques Mick).
Este conjunto de circunstâncias não coloca o jornalismo em crise, embora não exima a reflexão pertinente sobre o papel das corporações e do público na atualidade. Na era da exacerbação de informações, fake news e pós-verdade, o jornalismo entra em cena para propor uma curadoria, uma organização em meio à distopia informativa, sustentado por seus notórios pilares da apuração, ética, pluralidade e relevância social. O contexto pós-industrial impõe tarefa grandiosa para esta atividade, atendendo à demanda crescente desta audiência afogada por informações diversas, muitas delas, camufladas e embrulhadas com os elementos clássicos de apresentação jornalística. Ou seja, uma sociedade colocada num campo informacional amplo, porém mal informadas ou induzidas à má informação.
O jornalismo segue com capacidade para além da necessidade de informações que influenciam sobre as pessoas ou de sua natureza social em contribuir com aperfeiçoamento das instituições democráticas. Agrega-se o seu caráter fortemente didático, como forma de conhecimento, reconhecendo a sua “relativa autonomia” e “indiscutível grandeza”, como apontou o professor gaúcho Adelmo Genro Filho, em sua obra “O Segredo da Pirâmide”.
Os últimos dias foram marcados por publicações no jornal Folha de S. Paulo acerca de dois episódios que podem servir de exemplos para este que costumo designar de “jornalismo de nova era”. A coluna do ombudsman, assinada por Paula Cesarino Costa (28/7), sinalizou para mudanças nos comportamentos e na conjuntura que envolvem o setor e que estariam “alterando o pessimismo sobre o futuro da notícia”. Tal pessimismo, de certo modo tem sentido, ante às quedas constantes nas tiragens das versões impressas dos jornais no Brasil e em todo mundo, demissões de jornalistas, fechamento de jornais, etc. Uma incredulidade que afigura condenar o jornalismo ao ocaso interminável do submundo das necessidades humanas, advinda da ideia de que a preocupação dos pessimistas não se voltava ao jornalismo, mas ao suporte – neste caso, ao papel. Tentar salvar o papel, em meio ao crescente aumento da audiência conectada, assemelha-se a enxugar gelo e a um desafio minúsculo frente ao campo amplamente aberto.
Voltando à coluna do ombudsman, a notícia de que os leitores exclusivos do site do The New York Times já ultrapassaram 2 milhões e que no Financial Times, a receita com assinaturas digitais (jornais digitais são as versões tais quais como se vê no papel, em formato transposto para os dispositivos) superou a de assinaturas do jornal em papel, aponta para este caminho. Revela que os leitores estariam dispostos a pagamento por produtos que oferecessem uma alternativa em meio à confusão de vozes da internet onde pipocam certezas e minguam reflexões e aprofundamento. O cenário internacional que se descortina se repete neste Brasil em crise, em que o número de assinantes digitais já é superior ao dos que assinam a versão impressa da citada Folha. Anúncio de página inteira publicada na edição de segunda-feira, 21 de agosto, enaltece a sua base de 167 mil assinaturas digitais (não entram aqui visitantes do site, page views e seguidores nas redes sociais). Um pequeno passo (ou um ponto de virada?) que assinala para maior investimento em reportagens, análises, didatismo, curadoria, novos formatos e, (por que não?) em trabalhos maravilhosos como os de fact-checking.
O segundo episódio revelador de um jornalismo vivo e em transformação está na reportagem intitulada “Receita com assinatura digital do ‘NYT’ supera a com publicidade impressa” (28/7). As assinaturas digitais do The New York Times atingiram US$ 83 milhões no segundo trimestre e superou pela primeira vez o faturamento com publicidade em mídia impressa (US$ 77 milhões). O NYT é incansável em testar e explorar formatos (como o bem sucedido The Daily e as grandes reportagens multimídia), uma referência no setor, e de ampliar a capacidade de análises na versão impressa (opa, agora é “digital”!), o que vem resultando em faturamento positivo. No entanto, ainda é preciso equacionar tudo isso, a chamada “reestruturação” (que parece eufemismo para demissões) à tal compensação.
Porém, refletindo um pouco sobre o jornalismo e seus ciclos, a partir do pensamento de Paulo Freire, vem à tona a sua ideia de buscar a convicção de que a mudança é possível, dá sinais otimistas e que o jornalismo, em sua essência, é permeada de muitas possibilidades. Não o olhar determinado de uma tal “crise” inalterável e tendente a piorar. Que sentido teria a vida em apenas enaltecer certezas, sem poder agir sobre elas? O mesmo que propaga a crise no jornalismo, que o constata como tal, também pode ser o sujeito da mudança. Seja o jornalista, um profissional que não está imune a esta transformação e desloca-se também para os desafios de uma atividade profissional autônoma em si mesma. Seja as empresas de comunicação, que veem horizontes num clima aparente de vicissitudes. Sejam as escolas de jornalismo, cujas Diretrizes Curriculares alteradas se adaptam a este cenário que apresenta-se desafiador.
Portanto, nos colocar na categoria de apenas “constatar” algo ou uma crise, é tarefa fácil. O esforço está na mudança, na ação engajada baseada na grandeza da utopia paulofreiriana. Como ele afirmou: “Minha constatação não me leva à impotência” ou parafraseando-o em outra colocação, “o jornalismo não é. O jornalismo está sendo”.
*William Robson Cordeiro. Jornalista, mestre em Estudos da Mídia e doutorando em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É pesquisador do Núcleo de Estudos e Produção Hipermídia Aplicados ao Jornalismo (NEPHIJOR/CNPQ).
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