Jornal Pessoal: crowdfunding busca salvar a publicação de Lúcio Flávio Pinto

Publicado em 25.jan.2017, no site do Knight Center. Escrito por Alessandra Monnerat

Por quase 30 anos, Lúcio Flávio Pinto tem sido o único repórter e editor de um jornal diferente dos demais e independente, que investiga e fiscaliza de perto os poderosos no Pará e no resto da região amazônica brasileira. Suas reportagens fizeram dele um jornalista renomado e premiado ao redor do mundo, mas também atraíram ameaças e agressões.

Para ajudar a confrontar os atuais problemas financeiros da publicação quinzenal, um colega jornalista lançou uma campanha de crowdfunding (financiamento coletivo) para tentar garantir o futuro do Jornal Pessoal.

“Quando fiz o Jornal Pessoal, eu tinha 21 anos de profissão, 18 dos quais em O Estado de S. Paulo, passara por algumas das principais publicações brasileiras, formara um imenso rol de fontes, viajara pelo país e pelo mundo. Era o meu capital, que gasto até hoje. (…) Mas ainda quero fazer mais. Nunca deixei de ser o foca de reportagem. Vou morrer assim”, disse Lúcio Flávio Pinto ao Centro Knight.

Nadando na contracorrente da imprensa do Pará, o Jornal Pessoal hoje luta para manter suas portas abertas. Os custos de produção, de R$ 5.840 por mês, não são cobertos pelas vendas em banca, única fonte de renda do veículo além de doações. Cada jornal custa R$ 5 e a vendas flutuam abaixo de 1,1 mil, de uma tiragem de 2 mil exemplares.

A circulação é a única fonte de renda porque Lúcio Flávio nunca aceitou publicidade e continua convencido de que isto garante a independência do seu jornal.

“Pretendo levar o jornal até o seu fim com essa diretriz editorial: não aceitando ​publicidade. Na origem do Jornal Pessoal, foi um protesto contra o atrelamento ideológico, político e comercial da verba de publicidade. Prometi a mim mesmo que desafiaria a regra de que jornal não sobrevive sem a receita publicitária. E tenho respondido ao desafio, apesar de tudo”, disse ele.

Para manter a publicação viva, o também jornalista Lucas Figueiredo organizou a campanha de crowdfunding no site Kickante com o pedido: “Salve o Jornal Pessoal, voz e fiscal da Amazônia”. A meta é atingir R$ 160 mil, para financiar dois anos de produção da publicação escrita e editada por Lúcio Flávio, um dos mais prestigiados jornalistas do país.

As contribuições variam entre R$ 10 e R$ 8 mil, e garantem recompensas como exemplares do jornal e livros escritos por Lúcio Flávio. A cinco dias do fim da campanha, pelo menos 220 apoiadores levantaram mais de R$ 28 mil – ou 17% da meta.

Não é a primeira vez que um grupo de pessoas se junta para socorrer o Jornal Pessoal. Em outubro, uma ‘vaquinha’ virtual arrecadou quase R$ 15 mil, com contribuições de 68 pessoas. Segundo Lúcio Flávio, é um pequeno fôlego para fazer chegar aos 30 anos “um jornal semanal impresso em papel, sem publicidade, sem atrativos gráficos”. Ele é o único pauteiro, repórter e editor da publicação.

Para Lúcio Flávio, a meta de arrecadar R$ 160 mil e a tranquilidade de financiar dois anos de produção é ambiciosa demais. Mas Figueiredo, que atuou como repórter da Folha de S.Paulo e colaborador da rádio BBC de Londres, aposta no modelo de financiamento coletivo. De olho no aumento de doações para projetos como o ProPublica nos Estados Unidos após a eleição de Donald Trump, o jornalista acredita que o público necessita ainda mais de informação independente em tempos “nebulosos”.

“Imagine o Brasil, com a crise política, econômica e institucional que vivemos. Imagine a Amazônia, maior fronteira de recursos naturais do planeta, que recebe uma cobertura pífia por parte da imprensa tradicional. Quanto vale para o país e para o planeta termos um veículo independente que pratica jornalismo em profundidade, que não tem receio de denunciar os predadores da região? R$ 5,8 mil por mês não é nada em relação ao valor da informação que o Jornal Pessoal nos fornece”, garantiu ele ao Centro Knight.

Figueiredo explica que a campanha de financiamento foi pensada como uma medida emergencial para garantir a sobrevivência do que ele chama de jornal-besouro, “que não deveria voar, mas voa”.

“Lúcio Flávio não retira dinheiro do jornal, ao contrário, ele gasta. Nos últimos anos, ele acumulou uma dívida significativa em seu cartão de crédito pessoal a fim de não deixar o Jornal Pessoal morrer. E ele ainda tem de bancar do próprio bolso os custos de seus inúmeros processos na Justiça, fruto de denúncias do Jornal Pessoal contra membros do Executivo, do Legislativo e do Judiciário e contra grandes corporações”, afirmou.

Os processos judiciais são um capítulo à parte na história de Lúcio Flávio e do Jornal Pessoal. Atualmente, o jornalista soma sob seu nome 34 ações – quatro ainda em curso. Ele chegou a ser condenado a pagar R$ 400 mil a Romulo Maiorana Júnior por danos morais e materiais pela reportagem “O Rei da Quitanda”, de 2005. Maiorana é executivo das Organizações Romulo Maiorana, braço da gigante Rede Globo no Pará e detentora do Jornal e da TV Liberal, os maiores meios de comunicação da região.

Além das ameaças jurídicas, Lúcio Flávio coleciona ameaças de morte e já foi agredido verbal e fisicamente.

“Eu fechei e reabri duas vezes o jornal”, conta Lúcio Flávio. “Estava cansado, queria uma alternativa de vida e de trabalho menos sacrificante, além de ter passado por certo desânimo sobre a importância do jornal. Mas recuei do propósito. Senti o vazio informativo, até como consumidor de jornalismo”.

Lúcio Flávio já fez pazes com o possível fechamento do jornal. No entanto, ainda não sabe o que o aguarda além disso. “De verdade, o day after me assusta. Mas não me intimida. Virei um outsider e não conseguirei mais me livrar essa condição. Nela, o que ainda poderei fazer? Não sei”.

Foi por causa de um de seus processos que Lúcio Flávio não pôde ir à Nova York em 2005 receber o Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa do Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ). O mesmo motivo o impossibilitou de ser reconhecido com o Colombe d’Oro per la Pace na Itália, em 1997. Além desses, o jornalista já ganhou quatro prêmios Esso, o prêmio Vladmir Herzog, o reconhecimento do Abraji e da Fenaj. Em 2014, o Repórteres sem Fronteiras (RSF) o considerou um dos 100 Heróis da Informação, o único brasileiro a ser selecionado.

Com 51 anos de carreira, a pauta de Lúcio Flávio continua aberta a todas as questões, principalmente a informações que não aparecem na grande imprensa e a críticas sistemáticas à ação das elites. Há mais de dois anos, ele se dedica a um blog onde escreve apenas textos sobre os fatos, sem imagens, sem vídeos e ainda respondendo comentários dos leitores.

Após uma trajetória de luta diária para se manter vivo e fora da cadeia, Lúcio Flávio sinaliza para os jovens jornalistas: vale a pena. Principalmente para quem, como ele descreve, “tem vocação jornalística, tem curiosidade inesgotável, se preocupa com o coletivo, rastreia as manifestações do interesse público, gosta de ler de tudo, sente necessidade atávica de escrever e partilhar suas informações, querendo sempre saber mais e do melhor”.

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Abraji

Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Criada em 2002 por um grupo de jornalistas brasileiros interessados em trocar experiências, informações e dicas sobre reportagem, principalmente sobre reportagens investigativas. É mantida pelos próprios jornalistas e não tem fins lucrativos.

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