Opinião

O jornalismo está fazendo o melhor para ajudar a resolver a crise do clima? Especialistas acham que não

Em novembro do ano passado, a conferência do clima da ONU, em Glasgow, colocou a mudança climática como pauta prioritária na mídia internacional.  

A cúpula global fez o tema sair de programas especializados e páginas de ciência para ocupar espaços nobres dos telejornais, manchetes dos jornais e conversas nas redes sociais. 

Nem parece que isso aconteceu há pouco mais de seis meses. É certo que o mundo foi “atropelado” por uma guerra em plena Europa, com perdas humanas e enorme impacto geopolítico. 

Mas será que somente o conflito na Ucrânia é responsável pelos efeitos do aquecimento global terem ficado meio esquecidos?

Uma pesquisa feita pela consultoria Akas e apresentada no encontro anual da WAN-Ifra, a Associação Mundial de Jornais, indica que não. 

Segundo os autores, Luba Kassova e Richard Addy, o jornalismo não está se preocupando em inserir a mudança climática em pautas sobre outros assuntos, uma das recomendações dos especialistas. 

Isso até acontece em situações pontuais, como neste momento em que vários países da Europa vivem uma onda de calor. Cientistas e meteorologistas têm aparecido na mídia falando sobre a possibilidade de que esses episódios se tornem mais frequentes. 

Mas fora desses esses extremos, a tendência tem sido deixar o tema em segundo plano. 

Uma análise da AKAS com base nas notícias de janeiro de 2021 a fevereiro de 2022 disponíveis no banco de dados global GDELT revelou que matérias sobre desemprego, covid e corrupção raramente associam as mudanças climáticas a essas questões, quando em muitos casos a ligação existe. 

Por outro lado, as reportagens sobre clima não exploram suficientemente a relação de eventos climáticos com pobreza, desigualdade e corrupção política ou empresarial, segundo os pesquisadores. 

O resultado desse tratamento é a perda de oportunidade de mobilizar a sociedade para fazer a sua parte ou cobrar de empresas e políticos que façam as deles para limitar o aumento da temperatura do planeta em 1,5ºC até 2100. 

Em seu estudo, a Akas também entrevistou gente comum em vários países. E constatou uma taxa extremamente baixa de citações espontâneas do clima como uma das preocupações pessoais. 

Isso ocorreu mesmo em locais onde os efeitos das mudanças climáticas são severos, e que não têm problemas sociais tão acentuados como outras nações. Apenas 3% dos consultados nos EUA, 8% no Canadá, 10% no Reino Unido e 12% na Austrália disseram-se preocupados com a crise ambiental.

O comportamento coincide com um histórico de pouca atenção da mídia às mudanças climáticas. 

Os pesquisadores examinaram registros no GDELT de mais de 750 milhões de notícias em todo o mundo desde 2017.  

E descobriram o que chamaram de “uma gota no oceano”.

Nos últimos cinco anos, notícias fazendo referência às mudanças climáticas constituíram menos de 2% da cobertura geral da mídia. 

O desafio do jornalismo não é apenas inserir a mudança climática no noticiário, mas também fazer isso de uma forma que engaje o público e não o afaste do tema. 

Pesquisas do Google encomendadas pela AKAS no Reino Unido, EUA, Canadá, Austrália e Nigéria entre outubro de 2021 e janeiro de 2022 revelaram que tristeza é a emoção mais sentida em relação às mudanças climáticas e à cobertura da imprensa sobre o assunto. É mais comum do que medo, raiva ou esperança.

A pesquisa anual Digital News Report do Instituto Reuters apontou este ano que pessoas de países mais polarizados politicamente tendem a se informar menos sobre o clima

A coalizão global de veículos de imprensa Covering Climate Now, dedicada a ampliar e aperfeiçoar a cobertura da imprensa sobre o aquecimento global, bate sempre numa tecla importante: a do jornalismo de soluções. 

Em artigos, guias e treinamentos, a CCNow recomenda aos jornalistas a abertura de espaços dedicados ao clima e a associação de eventos climáticos extremos ou histórias sobre pobreza com o aquecimento global. Mas reforça que é preciso apresentar soluções, mostrar que é possível reverter o atual quadro. 

A mídia tem nas mãos o poder de estimular o público, as autoridades e as corporações a mudarem de atitude e orientarem seus esforços para a mudança. 

Desde que eles percebam que há luz no fim do túnel e não se acomodem diante de um inimigo percebido como impossível de combater. Ou que nem percebam o perigo do inimigo oculto no meio de outras notícias.

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Luciana Gurgel

Luciana Gurgel (@lcnqgur) é jornalista, brasileira, radicada em Londres, membro da Foreign Press Association London e Editora-Chefe do MediaTalks, site de notícias internacionais sobre jornalismo e comunicação parceiro de conteúdo UOL.

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