O Jornalismo patrocinado está, pouco a pouco, comendo pelas beiradas a transparência e a independência editorial da imprensa brasileira e, ao que parece, se constitui em um processo irreversível.
Ele representa uma tendência nefasta da mídia, no Brasil e no exterior, de produzir matérias (notícias, reportagens) sob encomenda, sem explicitar essa condição, na tentativa de burlar a vigilância da audiência (leitores, radiouvintes, telespectadores e internautas).
Na prática, ele constitui uma maneira refinada de produzir fake news porque estas reportagens, veiculadas por jornais, revistas, emissoras de rádio e TV, portais ou blogs, são fruto de um “acerto editorial”, sem compromisso com a realidade dos fatos. Elas têm como objetivo fazer propaganda de produtos, serviços, marcas e criar uma imagem favorável para organizações e governos.
Empresas envolvidas em escândalos (construtoras, empresas agroquímicas, tabaqueiras, mineradoras) valem-se destas “matérias pagas” para disseminar junto aos públicos estratégicos e à sociedade de maneira geral versões que lhes interessam, invariavelmente sonegando ou deturpando as informações.
A Vale, por exemplo, para citar um caso emblemático, propaga o seu compromisso com a sustentabilidade e a responsabilidade social, ao mesmo tempo que comete, recorrentemente, crimes ambientais que têm provocado centenas de mortes (como os casos das tragédias de Mariana e Brumadinho) e destruído rios e comunidades inteiras.
As agroquímicas fazem um lobby agressivo, com a cumplicidade de governos, para continuar despejando veneno que contamina o solo, o ar, a água e os alimentos que chegam à nossa mesa. Governos promovem a desinformação em tempos de pandemia, mas se valem de veículos “chapa branca” para alardear a competência (???) de suas ações, num momento em que assistimos, estarrecidos, à morte de centenas de milhares de brasileiros.
É forçoso admitir que as intenções subjacentes à prática do jornalismo patrocinado não são novas no jornalismo brasileiro. As matérias pagas (o famoso “jabá”), fazem parte do dia a dia de veículos sem ética alguma, que se apresentam como balcões de negócios”, dispostos a divulgar qualquer coisa em troca de dinheiro e favores de empresas e órgãos governamentais. Mas o jornalismo patrocinado tem uma característica singular: ele surge como uma iniciativa da própria imprensa, que monta núcleos de produção para atender às demandas de clientes que anseiam por divulgação favorável.
O jornalismo patrocinado é o vírus nefasto que contamina a cobertura jornalística em nosso país e sua prática precisa ser denunciada por profissionais (jornalistas ou não) que defendem a ética da atividade jornalística e repudiam a tentativa de enganar os cidadãos com informações falsas e/ou imprecisas.
Combater o jornalismo patrocinado é dever de todos aqueles que estão comprometidos com a liberdade de expressão, a cidadania e o debate democrático de ideias e opiniões. É preciso dizer um sonoro ‘Não’ ao jornalismo que dá as costas para a sociedade em favor de lobbies, interesses espúrios e empresas ou governos socialmente irresponsáveis.
* Wilson Bueno é diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa e consultor na área de Comunicação Corporativa/ Jornalismo Especializado
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