Jornalista se torna réu por causa de reportagem sobre terrorismo

O jornalista Felipe Oliveira se tornou réu por crime de promoção do terrorismo, após se infiltrar em grupos acusados de serem ligados à organização extremista ISIS, também conhecida como Estado Islâmico. Em fevereiro de 2018, o juiz Marcos Josegrei da Silva, da 14ª Vara Federal de Curitiba, aceitou denúncia do Ministério Público Federal (MPF) no Paraná, segundo a qual Oliveira “ultrapassou o limite do tolerável e promoveu a organização terrorista Estado Islâmico” em mensagens ao grupo.

Em 2016, Oliveira entrou em um fórum virtual usando um codinome para apurar os métodos de recrutamento de jovens pelo ISIS na Europa. Depois, passou a se comunicar com integrantes de grupos brasileiros simpatizantes da organização terrorista, como um interessado em se juntar a eles. A apuração rendeu reportagens para a Folha de S.Paulo e para o Fantástico, veiculadas em março e julho de 2016, respectivamente.

Os participantes dos grupos brasileiros foram identificados e detidos pela Polícia Federal na Operação Hashtag, iniciada na mesma época.

O procurador da República Rafael Brum Miron, que assina a denúncia contra o jornalista, considera que Oliveira encorajou o crime por meio de suas mensagens. “O objetivo dele talvez não fosse promover o terrorismo, mas por diversos momentos ele incentivou o ilícito”, afirmou. “O limite em uma investigação desse tipo é não incidir no crime que se está apurando”, disse Miron.

De acordo com a denúncia do MPF, Oliveira “deveria levar os fatos em apreço [a existência de grupos terroristas] ao conhecimento da Polícia Federal assim que soubesse do cometimento de crimes”.

O jornalista afirma que, desde o início da apuração, manteve contato com a Polícia Federal e repassou informações e conteúdos que recebia por meio dos grupos. “Entrei no grupo em uma quinta-feira e, no sábado, informei à PF o que estava fazendo”, disse Oliveira. “Cumpri meu dever de repórter investigativo. Não houve nenhuma outra intenção que não fosse a de divulgar às autoridades e ao público a existência dessas organizações”, declarou.

A defesa do jornalista reitera que “antes mesmo de a matéria ir ao ar, todo o material coletado junto aos usuários extremistas foi repassado aos agentes da Polícia Federal”. A própria PF menciona o fato no inquérito: “(…) o jornalista Felipe de Oliveira (…) se apresentou na Superintendência Regional da Polícia Federal no Estado do Rio de Janeiro (SR/PF/RJ) e, espontaneamente, prestou declarações e apresentou seu smartphone à Polícia Judiciária”.

Os advogados do jornalista, Beno Brandão e Gabriela Campos, lembram ainda que, antes mesmo de ser deflagrada a Operação Hashtag, Oliveira já havia publicado reportagens com base em informações coletadas a partir de sua infiltração em grupos de seguidores do Estado Islâmico.

Na conclusão do inquérito, o delegado da PF Guilherme Torres afirma que Oliveira “não teve a postura esperada de um jornalista, a qual deveria ser somente a apuração dos fatos e, em havendo crime, informar à autoridade competente”.

Torres afirma que o indiciamento de Oliveira “não significa tolher a liberdade de imprensa”, e que “a investigação jornalística não pode servir de salvo-conduto para a prática de delitos”.

O jornalista diz confiar que o Judiciário compreenderá que ele apenas cumpriu seu papel profissional e o inocentará.

A Abraji considera que a atividade jornalística de Oliveira não deve ser confundida com crime. Apelamos ao juiz federal Marcos Josegrei da Silva para que use a compreensão e o respeito que certamente tem pelo trabalho da imprensa para declarar Felipe de Oliveira inocente.

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Abraji

Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Criada em 2002 por um grupo de jornalistas brasileiros interessados em trocar experiências, informações e dicas sobre reportagem, principalmente sobre reportagens investigativas. É mantida pelos próprios jornalistas e não tem fins lucrativos.

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