Opinião

Jornalistas que vivem em Barcelona analisam situação da Catalunha

Diretamente de Barcelona, os jornalistas brasileiros Mirian Dutra e Marcelo Bechler analisam a luta da Catalunha pela independência da Espanha

O povo da Catalunha quer deixar de fazer parte da Espanha para formar um Estado independente. Ao menos é o que mostra o resultado do referendo realizado no último domingo, 1º de outubro. Noventa por cento das pessoas que conseguiram votar foram de “sim”, opção favorável à independência total da região em que se encontra a cidade de Barcelona.

A situação catalã foi notícia em nível mundial antes, durante e depois do referendo. Isso por causa da disputa – e falta de diálogo – entre as autoridades locais e o governo central espanhol, baseado em Madri. O presidente do governo da Espanha, Mariano Rajoy, não reconheceu a consulta popular e, para o dia da votação, mandou policiais para a Catalunha – a fim de impedir a votação. Apesar de na constituição constar que nenhum território deva se separar do país, o presidente catalão, Carles Puigdemont, prosseguiu com o referendo. Ao fim de domingo, mais de 760 pessoas ficaram feridas em confrontos, informa a Agência Brasil.

Com a proposta de falar de jornalistas e jornalismo, o Portal Comunique-se foi atrás de saber a visão de amigos da comunicação a respeito da situação da Catalunha. Para isso, a reportagem conversou com dois profissionais brasileiros que vivem na província que se vê na luta para se tornar independente da Espanha. Os contatados foram Mirian Dutra, ex-correspondente da TV Globo na Europa e atual colaboradora do site de Luiz Andreoli, e Marcelo Bechler, do Esporte Interativo. Os dois moram na maior e mais famosa cidade da região: Barcelona.

Repressão por parte de policiais da força nacional marcou o dia do plebiscito (Imagem: Marta Perez/ EFE)

Mirian Dutra e Marcelo Bechler têm análises similares em alguns pontos, como a já mencionada falta de diálogo.  A ex-correspondente da TV Globo vê que, mesmo com os erros evidentes cometidos pelos dois lados, os agentes políticos envolvidos na história acreditam que usaram as táticas corretas. O dono do microfone do Esporte Interativo na região garante que o governo catalão alegava que tentava conversar, mas que “o governo espanhol nunca se mostrou aberto a isso”.

A falta de diálogo e a postura anti-plebiscito por parte do governo de Madri resultou na amplificação do número de catalães que não querem mais fazer parte da Espanha, acreditam os jornalistas brasileiros. Marcelo Bechler ressalta que nenhuma pesquisa – ou enquete – chegou ao patamar de 90% dos votos favoráveis à independência (porcentagem registrada na votação). Mirian Dutra pontua que as ações comandadas pela trupe de Mariano Rajoy fará com que o povo da Catalunha passe a carregar as marcas de vítimas e reprimidos. “Eles há anos vêm remoendo o passado”, conta.

O trabalho da imprensa nos últimos dias também foi analisado pela dupla entrevistada. Apesar da confusão, Mirian Dutra entende que os órgãos de mídia locais e do restante do país têm atuado pela defesa de um país unido. O que não resulta em qualidade, comenta. “A imprensa está atônita e confusa. Explico: os maiores meios de comunicação daqui têm em seus quadros catalães. São apresentadores, jornalistas. E eles, como trabalham para toda a Espanha, talvez tenham saído desta vorágine que tomou conta da Catalunha”.

No fim de semana, manifestantes se colocaram contra o plebiscito (Imagem: Agência Lusa/Direitos Reservados)

Marcelo Bechler afirma que as empresas de comunicação se posicionaram, o que foi “bastante visível” – mesmo que não tentassem deixar isso de forma pública. “Até o jornal El País mostrava isso ficando do lado do governo espanhol”, diz em relação à marca que tem filial (com site de notícias) no Brasil. Para o correspondente do Esporte Interativo, tal postura fez com que catalães fossem atrás de conteúdos estrangeiros. “[Eles] têm argumentado que a mídia internacional trata o tema com mais imparcialidade. Olham a imprensa inglesa, francesa e alemã e que abordam o referendo de forma mais justa”.

Confira, abaixo, as íntegras das entrevistas com Mirian Dutra e Marcelo Bechler (os dois responderam aos mesmos seis questionamentos):

Mirian Dutra – colaboradora do site do jornalista Luiz Andreoli | Mora na Catalunha desde 1997

O governo e a Justiça de Madri consideraram o referendo ilegal. O governo catalão, por sua vez, insistiu na realização do referendo. Faltou poder de diálogo dos dois lados?
Faltou tudo. O governo central achou que com uma ordem judicial iria conseguir parar o referendo. Deu mais gás. O governo local (Generalitat) humilhou o Estado. Eles jogaram por um confronto. Confronto em imagens, que sempre chocam mais que palavras. E cada um acha que sua tática foi certa. Todos nós ficamos chocados.

Mirian Dutra, jornalista que mora há 20 anos em Barcelona (Imagem: Arquivo Pessoal)

A repressão por parte de autoridades do governo central espanhol contra o referendo pode aumentar o sentimento em prol da independência do povo catalão?
Com certeza. Se eles há anos vêm remoendo o passado, agora vão carregar no título: “somos vítimas! Somos reprimidos!”.

Caso conquiste a independência, a Catalunha pode impulsionar outros movimentos separatistas na Espanha?
Já está movimentando. Vale lembrar que os bascos utilizaram armas, mataram reivindicando a independência. Aberta uma brecha com a Catalunha, a Espanha tem seu território completamente ameaçado por movimentos separatistas. Bascos, galegos…

Independentemente do referendo, visão de jornalista que mora em Barcelona: a maioria dos catalães se considera espanhóis?
Hoje eu não saberia te responder. Quando vim morar aqui em 1997, achava que existia certa dor pelo passado, mas, talvez ingenuamente, não via nenhum movimento separatista. E criei meus filhos aqui.

“Aberta uma brecha com a Catalunha, a Espanha tem seu território completamente ameaçado por movimentos separatistas. Bascos, galegos…”

Como tem sido o trabalho da imprensa de Madri, Barcelona e outras cidades da Espanha?
A imprensa está atônita e confusa. Explico: os maiores meios de comunicação daqui têm em seus quadros catalães. São apresentadores, jornalistas. E eles, como trabalham para toda a Espanha, talvez tenham saído desta vorágine que tomou conta da Catalunha. Vejo a imprensa espanhola trabalhando por um país unido.

Você concorda que a Catalunha deve conquistar o direito de ser uma nação independente?
Se a Catalunha quer ser uma nação de verdade, deve fazer um processo limpo, não manipulando. Primeiro, fazendo uma consulta, depois colocando mais deputados no parlamento para mudar a constituição e não fazer uma declaração unilateral de independência ou convocar um referendo ilegal. Desde o barco com o PiuPiu alojando a guarda civil até a urnas compradas por 1 euro nos chinos, tudo parece um filme para comer com pipocas!

Marcelo Bechler – correspondente dos canais Esporte Interativo | Mora na Catalunha desde janeiro de 2015

O governo e a Justiça de Madri consideraram o referendo ilegal. O governo catalão, por sua vez, insistiu na realização do referendo. Faltou poder de diálogo dos dois lados?
O governo catalão alega que há anos tenta toda forma de diálogo, mas o governo espanhol nunca se mostrou aberto a isso. Eles queriam votar e as leis não permitiam. Pediram então para mudar as leis e não mudaram. Agora se apoiam em leis internacionais de autodeterminação.

Marcelo Bechler vive há dois anos em Barcelona (Imagem: Arquivo Pessoal)

A repressão por parte de autoridades do governo central espanhol contra o referendo pode aumentar o sentimento em prol da independência do povo catalão?
Já aumentou o sentimento. O SIM ganhou com 90% dos votos, algo nunca visto em nenhuma pesquisa ou enquete anterior.

Caso conquiste a independência, a Catalunha pode impulsionar outros movimentos separatistas na Espanha?
Acredito que não.

Independentemente do referendo, visão de jornalista que mora em Barcelona: a maioria dos catalães se considera espanhóis?
Aqui as pessoas se consideram catalãs e espanholas. O que não impede que queiram a independência. Eles têm uma língua, território, bandeira, leis e costumes que existem desde antes da Espanha existir. Os pais e avôs de muita gente que foi votar ontem morreram nas ditaduras de Primo Rivera e Francisco Franco no século XX. Existe um sentimentalismo e uma tentativa de proteger a terra para motivar o movimento, fora a questão econômica que ficou evidente nos últimos anos.

“Aqui as pessoas se consideram catalãs e espanholas. O que não impede que queiram a independência”

Como tem sido o trabalho da imprensa de Madri, Barcelona e outras cidades da Espanha?
A imprensa aqui se posiciona. Ainda que tente não fazer isso claramente, é bastante visível. Até o jornal El País mostrava isso ficando do lado do governo espanhol. Os catalães têm argumentado que a mídia internacional trata o tema com mais imparcialidade. Olham a imprensa inglesa, francesa e alemã e que abordam o referendo de forma mais justa.

Você concorda que a Catalunha deve conquistar o direito de ser uma nação independente?
Não devemos opinar sobre esse tema. Vejo muita gente no Brasil querendo emitir opinião sem nunca ter pisado aqui ou no máximo ter vindo de férias conhecer a Plaza Mayor e a [igreja da] Sagrada Família e acham que entendem o que acontece. Temos uma pressa grande em nos posicionar em algo que não nos cabe. Sou a favor que os catalães votem e definam seu futuro. Isso sim. Eles queriam ir às ruas, votar e dizer “olhem, queremos isso. Agora façam valer nosso desejo”. E isso o Estado espanhol não permitiu, desde o início do processo.

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Anderson Scardoelli

Jornalista "nativo digital" e especializado em SEO. Natural de São Caetano do Sul (SP) e criado em Sapopemba, distrito da zona lesta da capital paulista. Formado em jornalismo pela Universidade Nove de Julho (Uninove) e com especialização em jornalismo digital pela ESPM. Trabalhou de forma ininterrupta no Grupo Comunique-se durante 11 anos, período em que foi de estagiário de pesquisa a editor sênior. Em maio de 2020, deixou a empresa para ser repórter do site da Revista Oeste. Após dez meses fora, voltou ao Comunique-se como editor-chefe, cargo que ocupou até abril de 2022.

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