Em artigo, o “mestre do jornalismo” Heródoto Barbeiro compara os fofoqueiros das redes sociais com uma certa dona que cuida da vida das pessoas do cortiço onde mora
Compadre falar mal da comadre é tão antigo como a Sé de Braga. Ninguém passava incólume pela janela do velho casarão da antiga Travessa do Hospício, na baixada do Parque Dom Pedro, no centro velho de São Paulo. Dona Juventina – velha e maquiada, batom carmim, miçangas douradas nos punhos e no pescoço – não saia do seu posto. Sabia tudo o que acontecia nas velhas casas da rua e também do antigo cortiço habitado sobre tudo por negros em frente à sua decadente e descorada casa. Ela sabia tudo de todos e divulgava amplamente. Era dessa forma que as malícias, brigas, pequenos furtos, e análise do caráter de um e outro eram divulgados no meio da comunidade.
As notas escolares, bilhetes de admoestação, reprovação na escola, namoricos entre estudantes eram espalhados com eficiência para velha senhora. Os escândalos maiores como traições ganhavam grande destaque e não se passava pela janela da Juventina sem que ela contasse o caso e fizesse perguntas para aperfeiçoar suas histórias. Ninguém duvidava se tudo aquilo era verdade ou não. A priori era verdade uma vez que a fonte era a velha feiticeira que viveu até a década de 1970. Parecia uma internet sem streaming.
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Com o advento e o desenvolvimento das redes sociais, o número de juventinas multiplicou-se com uma velocidade impensável. Se está publicado em uma plataforma qualquer, pode ser um website ou uma rede de WhatsApp, está correto. Pode estar correto. Deve ser verdade. O atropelo do modo de vida atual incentiva as pessoas a não se preocupar se a história contada é fato ou se é ficção. Isto é reforçado com a facilidade de se montar uma imagem que pode ser uma foto, um vídeo de uma reportagem de um veículo de boa marca, ou a capa de um jornal, com logotipo e tudo mais.
Primeiramente, compartilha-se na rede social, depois se pergunta se é fato ou ficção. Como nos velhos filmes de bang bang onde Ringo atirava primeiro e perguntava depois. Divulgar falsidade pode ser um bom negócio uma vez que os acessos se multiplicam e surgem oportunidades de se agregar uma publicidade que remunera o autor e a plataforma. Todos têm o direito de procurar na internet as opiniões que casem com as suas, mas também tem a obrigação de se perguntar se o que leem têm ou não fundamento. Ainda que trabalhoso.
A mesma faca que descasca uma batata para matar a fome pode matar uma pessoa. O mesmo vale para a internet e suas plataformas. Qualquer um pode se julgar repórter investigativo, editor de matérias e publicar na web. Um avanço uma vez que graças a essa nova tecnologia não é possível mais segurar informação nem notícia. Os que sabem transformar uma informação em notícia são jornalistas com ou sem diploma. É avaliado por sua capacidade e não pela burocracia. Porém, como distinguir se o divulgador está ou não separando a ficção dos fatos?
Qualquer um pode se julgar repórter investigativo, editor de matérias e publicar na web. Um avanço uma vez que graças a essa nova tecnologia não é possível mais segurar informação nem notícia
Uma das possibilidade para evitar os fofoqueiros das redes sociais é olhar o chapéu onde a noticia é abrigada. Se há uma marca de credibilidade, certamente os jornalistas perguntaram se o fato aconteceu ou não antes de divulgá-lo, um preceito que abre o código de conduta de muitas empresas jornalísticas. Mas o chapéu também pode ser individual, de uma pessoa que acumulou ao longo da vida respeitabilidade e portanto é crível. Há outras saídas, mas estas duas são as mais populares e fáceis de praticar. Ainda que haja espaço para manchetes que não são verdadeiras porque fazem parte de uma publicação satírica e bem-humorada como O Faísca, do portal R7.
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