Leia, abaixo, mais um texto de Carlos Brickmann…
O notável pastor anglicano John Donne escreveu num belo poema, há quase 500 anos, esta frase: “quando morre um homem, morremos todos, pois somos parte da humanidade”. O Talmud, milenar livro judaico em que se discute a religião, diz: “quem salva uma vida, salva a humanidade”.
E aqui contamos uma história sobre como pessoas hoje falecidas se arriscaram para salvar vidas. Uma história que só poderia ser narrada após a morte dos protagonistas – o último, o rabino Henry Sobel, faleceu há dias.
Lá pelos anos 70, o advogado Idel Aronis chamou Henrique Veltman, jornalista de brilhante carreira, para uma conversa. Tinha sido montado um esquema de resgate de judeus argentinos e uruguaios, montoneros e tupamaros, presos em bases militares argentinas (e cuja vida corria riscos, pois lá as armas mandavam na lei). O esquema envolvia militares e funcionários argentinos legalistas (ou, se preciso, subornados), médicos e enfermeiras americanos, e aviões de Israel ou dos EUA, que levariam os presos resgatados para um dos dois países.
Seria preciso parar no Brasil, para socorros médicos e criação de novos documentos. Pousariam em Viracopos (Campinas, SP), com a cobertura do delegado Romeu Tuma, cuja equipe controlava o aeroporto. A operação era dirigida por agentes israelenses e americanos, estes orientados pelo rabino Henry Sobel. A Veltman caberia evitar que o assunto vazasse para a imprensa, o que poria a operação a perder.
Quantos voos? Não se sabe. Henrique Veltman acompanhou dois deles. O sucesso foi absoluto: ninguém de fora ficou sabendo, nada vazou para a imprensa, nem no Brasil, nem no Exterior. Firmou-se um pacto de silêncio: a história não seria contada enquanto Henry Sobel, Idel Aronis e Romeu Tuma estivessem vivos. Com a morte do último protagonista, Veltman contou a história dos homens que arriscaram suas vidas para salvar vidas.
A maior condecoração do Império Britânico, a Ordem da Jarreteira, antiga de quase 700 anos, tem um lema em francês arcaico: “Honi soit qui mal y pense”, “envergonhe-se aquele que pensar o mal”.
A quem recriminar os heróis que salvaram vidas humanas em risco, sem se preocupar com a ideologia que tivessem, este colunista recomenda: honi soit qui mal y pense.
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Por Carlos Brickmann. Jornalista. Editor do site Chumbo Gordo. Texto reproduzido em diversos jornais brasileiros.
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