Curitiba, Brasil 14/4/2021 – Espero que nossa descoberta sirva para alertar que doenças raras também são um problema de saúde pública pelo montante de atingidos, de 6% dos brasileiros
Uma doença é considerada rara quando ela afeta até 65 pessoas em um grupo de 100 mil indivíduos, segundo a Organização Mundial da Saúde. Por parecer um número pequeno, muita gente não entende porque precisa se preocupar com uma doença diante de tantas enfermidades comuns e ainda de uma epidemia assolando o mundo. Mas, basta fazer uma conta rápida para entender a relevância do tema. “Estima-se que 6% da nossa população, o que dá cerca de 13 milhões de brasileiros, sofram com esses tipos de enfermidades, sendo que mais de 8 mil tipos já foram descritos na literatura médica, 80% deles com origem genética e 20% relacionados a causas infecciosas, virais ou degenerativas. Outro dado cruel é que de cada 4 atingidos, 3 são crianças, a maioria com diagnóstico tardio, por volta dos 5 anos de idade e após consultar até 10 médicos diferentes. As crianças que nascem com malformações, que por si só constituem apenas uma parte das doenças raras, são a segunda maior causa de mortalidade infantil no Brasil até os 5 anos de vida. Portanto, doenças raras também são, sim, um problema de saúde pública, até porque, no montante de atingidos, elas são tão comuns quanto o diabetes e a asma, por exemplo; porém, com o agravante de que exigem verdadeiras odisseias diagnósticas para serem descobertas”, esclarece o médico Salmo Raskin, especialista, mestre e doutor em genética, presidente do departamento científico de genética da Sociedade Brasileira de Pediatria, membro da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica e diretor do Centro de Aconselhamento e Laboratório Genetika, em Curitiba (PR).
Recentemente, o médico descobriu em pacientes brasileiros a causa de três doenças ultrararas usando o exame Sequenciamento do Exoma. Um artigo sobre a descoberta da causa de uma delas, foi publicado na última edição, do final de março, da prestigiada revista científica Brain, da Universidade de Oxford, na Inglaterra. Diante disso, torna-se oficial a inclusão da causa destas três novas doenças na literatura médica.
Diagnóstico difícil
Segundo o geneticista Salmo Raskin, apesar de poder atingir qualquer pessoa, de qualquer família, uma doença rara se caracterizada por uma enorme variedade de sinais e sintomas. E eles variam não só de doença para doença, mas também entre pessoas que têm a mesma doença rara e entre afetados da mesma família. “Outros obstáculos para o diagnóstico incluem a falta de conhecimento científico, médico, das autoridades públicas e da população em geral. Mas, temos tido um avanço exponencial na capacidade de diagnóstico, principalmente porque os exames de genética se sofisticaram a ponto de diagnosticar doenças raras, incluindo aquelas que jamais seriam identificadas apenas clinicamente, como é o caso da utilização de exame do Sequenciamento do Exoma, que foi fundamental para a descoberta não só da causa desta nova doença, como da causa de mais duas doenças ultrarraras aqui no Brasil”, completa o doutor Salmo Raskin.
Características das três novas doenças
Das três doenças raras cujas causas foram recém-descobertas, uma foi batizada como distúrbio progressivo do neurodesenvolvimento, e foi descoberto que esta condição é causada por mutação no gene VPS41. Ela atingiu dois irmãos, de 11 e 8 anos, acometidos pelo atraso global no desenvolvimento, encefalopatia (deterioração das funções do cérebro) e convulsões. Em parceria com pesquisadores de outros países, o geneticista Salmo Raskin, descobriu mais 8 pessoas com alterações no mesmo gene e o mesmo quadro clínico detectado, o que permitiu diagnosticá-los com essa nova condição rara. A mãe dos dois brasileiros sentiu-se aliviada com a descoberta. “Claro que não está sendo fácil receber esse diagnóstico, mas tenho certeza de que fazer o exame genético salvou a vida dos meus filhos”, disse ela.
A segunda causa de doença rara descoberta refere-se a um distúrbio do desenvolvimento intelectual com macrocefalia, convulsões e atraso na fala. Foi descoberto que esta condição é causada por mutação do gene PAK1. O primeiro paciente diagnosticado aqui no Brasil tem 6 anos. Depois de realizar inúmeros exames, que apresentavam resultados normais, ele finalmente foi diagnosticado com essa condição, caracterizada por atraso na fala, convulsões, testa larga, cabeça grande e alterações nas pálpebras. A mãe do menino desabafa: “Foi uma luta atrás de diagnóstico, exames e mais exames, até conhecermos o teste da Genetika, que foi de extrema importância para nós”.
Por fim, a terceira doença rara foi cuja causa foi identificada, a Síndrome de Kohlschütter-Tönz, consiste em epilepsia com difícil resposta a medicamentos, associada a um problema dentário, amelogênese imperfeita. Foi descoberto que esta condição é causada por mutação no gene SLC13A5. Desde o nascimento, dois irmãos, hoje com 23 e 20 anos, começaram a apresentar convulsões intratáveis e regressão do desenvolvimento sem causa aparente. “Após inúmeros testes bioquímicos e genéticos com resultados normais, o diagnóstico só foi possível com o exame chamado Sequenciamento do Exoma. Em parceria científica com outros países, encontramos mais 8 pessoas, de 4 famílias da Itália, Alemanha, Holanda e Camarões com mutações do mesmo gene. Os dez casos foram publicados no Journal of Medical Genetics e no Human Mutation
“Após o diagnóstico, soubemos de famílias por todo o mundo que também eram afetadas e são acompanhadas por médicos, como nós, que agradecemos toda a dedicação”, disse a mãe dos dois pacientes.
Website: https://academic.oup.com/brain/advance-article/doi/10.1093/brain/awaa459/6187999