Foi divulgado na última sexta-feira, 8, Dia Internacional da Mulher, o estudo Mulheres jornalistas e liberdade de expressão – Discriminação e violência de gênero contra jornalistas no exercício da profissão. O material foi produzido pela Relatoria Especial para Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
A Relatoria, que faz parte da Organização dos Estados Americanos (OEA), avalia os impactos do gênero sobre o direito à liberdade de expressão e à informação desde 1999. O documento reconhece avanços na representatividade feminina em áreas como a política e a comunicação nas Américas, mas ressalta que direitos fundamentais para o exercício do jornalismo ainda são impactados pelo gênero. Por isso, mulheres que exercem a profissão enfrentam um “risco duplo”.
O documento leva em consideração diversos tipos de violência contra mulheres, como assassinato, violência sexual, intimidação e abuso de poder. Segundo a CIDH, os atos de violência de gênero relatados com mais frequência por jornalistas, com base em pesquisa feita pela Federação Internacional dos Jornalistas (FIP), são: agressão verbal, violência psicológica, exploração econômica e violência física. Das entrevistadas pela FIP, 44% afirmaram terem sido vítimas de ataques virtuais.
Maiá Menezes, consultora executiva da pesquisa “Mulheres no jornalismo brasileiro” de 2017, feita pela Abraji e pela agência Gênero e Número, acredita que o “risco duplo” apresentado pela CIDH existe principalmente em áreas de atuação como segurança, política e esportes, por causa de uma “cultura machista”.
O levantamento feito com apoio do Google News Lab envolveu entrevistas com 477 mulheres e abordou aspectos como a percepção de atitudes sexistas no trabalho e do impacto do gênero no exercício profissional. Mais da metade (59%) das entrevistadas afirmou que “presenciaram ou tomaram conhecimento de uma colega sendo assediada no exercício de sua profissão por uma fonte”.
O gênero também aparece como um argumento para desqualificar o trabalho jornalístico realizado por mulheres. 67% das jornalistas que responderam a pesquisa “Mulheres no jornalismo” afirmaram ter tido sua competência questionada ou visto uma colega ter a competência questionada por colegas ou superiores.
Thaís Nunes, do coletivo Jornalistas Contra o Assédio, corrobora os dados. “Costumo dizer que se um homem consegue um grande furo, ele está de parabéns”, comenta. “Se uma mulher consegue um grande furo, sempre há um ‘mas também’ na frente. Nunca é por competência, é sempre porque a gente jogou charme em cima de alguém”, reclama a profissional que também é repórter do SBT em São Paulo.
Thaís Nunes chama atenção ainda para o fato de que as agressões contra mulheres jornalistas têm “uma grande conotação de gênero”. “As ofensas e ameaças, via de regra virtuais, são focadas na vida pessoal, na aparência física, na liberdade sexual e na família da vítima. Isso não acontece com os homens”.
Em 2018, um levantamento da Abraji registrou mais de 150 casos de agressão contra jornalistas em contexto político-eleitoral, sendo 87 no ambiente virtual e 72 ataques físicos. Na internet, mulheres foram alvo de 56,3% dos casos registrados pelo levantamento.
Um dos casos registrados pela Abraji no levantamento foi citado pela revista Time no artigo sobre a premiação “Personalidade do Ano de 2018”. A perseguição contra a repórter da Folha de S. Paulo, Patrícia Campos Mello, aconteceu após publicação de matéria sobre “apoiadores do presidente eleito, Jair Bolsonaro, que financiaram uma campanha para disseminar notícias falsas no WhatsApp”, descreveu o periódico.
Patrícia Campos Mello teve sua conta do WhatsApp invadida e foi alvo de notícias falsas, que também citaram membros de sua família.
A CIDH pontua no relatório que, no Brasil, o racismo agrava ainda mais as dificuldades enfrentadas por jornalistas. De 500 mulheres entrevistadas pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) em levantamento citado pela relatoria, 86% afirmaram que jornalistas negras têm menos chance de serem promovidas em meios de comunicação tradicionais.
Das entrevistas para o levantamento “Mulheres no jornalismo”, 94,5% disseram haver mais pessoas brancas do que negras nos veículos em que trabalham. O percentual sobe para 95,6% em cargos de liderança. Para Menezes, a desigualdade racial no jornalismo é reflexo da falta de acesso dos negros à universidade, o que caracteriza um “problema ainda mais complexo”.
De acordo com as duas jornalistas ouvidas pela Abraji, é necessário criar canais seguros de denúncia para que o cenário desvendado por levantamentos como o relatório da CIDH e a pesquisa “Mulheres no jornalismo brasileiro” comece a mudar. Nunes afirma que a promoção de palestras sobre assédio moral e sexual, bem como um posicionamento claro e contrário a determinadas condutas pode ajudar na redução da “misoginia que presenciamos todos os dias”.
Com o crescente número de agressões e assédio contra jornalistas, Nunes acredita que o combate ao machismo e outros mecanismos de violência devem ser vistos como uma busca por um “cenário melhor para todos” em uma profissão que “vive dias tão complicados e desafiadores”.
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Por Natália Silva.
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