Imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), o jornalista Zuenir Ventura foi agraciado no último fim de semana. Ele foi o homenageado neste ano do Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo. O evento foi realizado pela Abraji. O comunicador direcionou mensagem final aos jovens jornalistas. “Não desistam nunca”, reforçou.
Esta homenagem vem para mim numa idade, ou pós-idade, em que, em vez de receber, costuma-se ser prêmio, quando se merece, claro, o que não é o caso. E vem por concessão de uma instituição cuja importância só tem aumentado nesses 15 anos de existência.
A Abraji aponta o que me parece ser o caminho correto para a sobrevivência institucional da imprensa, indicando o antídoto contra os ataques a que ela está sujeita – de um lado pela ação das redes sociais; de outro, por meio das fake news, essa praga tão nociva hoje quanto a censura nos tempos da ditadura.
As fake news são uma contradição em termos. Se são fake, não são news, e sim um novo nome para a velha prática dos boatos, dispondo agora de um instrumento com poder de propagação como nunca houve: a internet.
Elas são uma das maiores preocupações destes nossos tempos pré-eleitorais. O ministro Luiz Fux, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, já declarou que, “se ficar comprovado que as notícias falsas beneficiaram um candidato, a ponto de garantir sua vitória, as eleições do Brasil podem chegar ao extremo de ser anuladas”.
A imprensa não tem, como a Justiça, mecanismo punitivo, mas às vezes consegue desmoralizar a mentira, como fez com a onda dos sórdidos ataques à vereadora Marielle Franco, que fora executada com o motorista Anderson Gomes. A infame campanha de versões falsas e difamatórias foi comandada por uma desembargadora e por um deputado federal, os quais, diante dos desmentidos de serviços de checagem de vários jornais, voltaram atrás.
A juíza postou um “mea culpa” no seu Facebook admitindo ter repassado, “de forma precipitada”, falsidades contra a vereadora. E o deputado fez o mesmo.
Não se deve, porém, subestimar a gravidade do fenômeno. As fake news já constituem uma indústria. Segundo a revista Época, os dez maiores “sites de boatos” do país já contam com mais de 9 milhões de visitantes por mês.
No ano passado, aqui mesmo no 12º Congresso, o editor-chefe do Washington Post, Martin Baron, deu a resposta, mostrando que o jornalismo investigativo é a alma do seu jornal, assim como deve ser da própria imprensa. A sua redação dobrara o número de repórteres investigativos, passando de 8 para 16.
Baron foi o chefe da equipe do Boston Globe que investigou em 2002 os abusos sexuais cometidos por importantes clérigos da igreja católica. A reportagem deu origem a “Spotlight – Segredos Revelados”, que ganhou o Oscar de melhor filme em 2016. “Nosso trabalho”, ele disse aqui, “é fazer as instituições poderosas, como o governo, prestarem contas à sociedade”.
Não custa lembrar que em 1972 dois repórteres do Washingtoo Post foram os autores do caso Watergate, cujas investigações levaram à renúncia do então presidente Richard Nixon, no que talvez tenha sido o internacionalmente mais famoso trabalho do jornalismo investigativo.
Como acontece desde Adão, nenhum instrumento passa pela mão do homem sem ser contaminado pela ideologia. “A câmera ou é de direita ou de esquerda”, diz Godard, querendo mostrar que mesmo a máquina tem opinião, posto que atrás dela há sempre um operador de carne e osso. Ele tem razão: qualquer editor descobre, ao escolher uma foto, que um ângulo pode equivaler a um editorial. Também a foto, ou é contra ou é a favor. Se a imagem não consegue ser neutra, imagine a palavra. A objetividade é um mito, mas isso não nos impede de persegui-la.
Neste tempos de crise, depressão social, polarização e intolerância, tende-se a associar ao veículo o que de ruim é veiculado. Atacado pelo que se pode chamar de síndrome da má notícia, costuma-se ter com a imprensa uma relação parecida com a que certos reis mantinham com os emissários da má notícia. Mandavam matá-los depois de receberem a notícia. Muitos têm vontade de fazer o mesmo com os jornalistas: matá-los simbolicamente – depois, claro, de consumir vorazmente a má notícia.
Mas isso não explica tudo nessa relação de amor e ódio. Também temos culpa no cartório. Por natureza, somos um pouco patologistas sociais. Não nos interessamos pela normalidade. Temos uma certa preferência pelo mórbido, o teratológico, o monstruoso, o insólito, as catástrofes, os conflitos e as paixões assassinas.
Parece que começamos a achar que não. Mesmo numa sociedade controlada por suas leis, pela lógica do consumo, movida pela competição e o lucro, mesmo numa sociedade de espetáculo, da ditadura do marketing – eu diria que por isso mesmo – o jornalismo tem que ter uma autocrítica, uma ética. Ele, que é tão rigoroso com as outras instituições, fiscalizando, cobrando, patrulhando, deve ser consigo mesmo.
Mas, enfim, não vim aqui para ensinar o padre nosso ao vigário. Vocês sabem melhor do que eu tudo o que foi dito. Estou aqui para agradecer a honra de ter sido contemplado com uma das maiores homenagens de minha carreira profissional.
Só por este dia já terá valido a pena não ter desistido antes mesmo de começá-la, nos anos 50, quando li num manual o que era notícia: “cachorro mordendo o homem não é notícia; notícia é o homem mordendo o cachorro”.
Achei que não ia conseguir passar a vida atrás de homem mordendo cachorro.
Por isso, digo aos jovens: não desistam nunca.
Zuenir Ventura
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