O conceito da economia criativa está muito em voga no capitalismo contemporâneo e um dos seus principais expoentes, John Howkins, professor convidado da University of Lincoln, no Reino Unido, e da Shanghai School of Creativity, o define como um bem ou serviço resultante da criatividade e que geraria um valor econômico. Entre os 15 setores da economia criativa, segundo Howkins, ex-executivo da Time Warner, está o editorial, englobando a produção de livros, revistas e jornais e, portanto, a geração de notícias.
Existe uma leva de iniciativas de mídia no Brasil, que vêm surgindo, desde 2011 e, mais acentuadamente, a partir de 2015, que parecem se enquadrar no conceito. São plataformas da chamada mídia independente, como o The Intercept Brasil, a Aos Fatos, a Gênero e Número, o Canal Meio, a Agência Pública (a pioneira delas), a Agência Lupa, O Eco, o Congresso em Foco, o Nexo, o JOTA, o Poder 360, o Projeto #Colabora, o Marco Zero Conteúdo, o É nóis, a Ponte Jornalismo, o Repórter Brasil e a Nova Escola (agora com nova configuração depois que saiu das mãos da Editora Abril).
Os últimos 13 veículos vão promover o Festival 3i – Jornalismo Inovador, Inspirador e Independente – entre os dias 18 e 20, na Fundição Progresso, no Rio. O festival tem como parceiro-fundador o Google News Initiative e, para a edição de 2019, o evento conta também com uma parceria com o Facebook.
É difícil identificar um denominador comum entre tais iniciativas, pois cada uma atua em nichos específicos e têm níveis diferentes de engajamento na vida pública e/ou partidária (isso já seria motivo para outro artigo). Mas há pelo menos um que salta aos olhos, além de todas serem nativas digitais: a diversificação em seus modelos de negócio.
Tais plataformas sobrevivem de prestação de consultorias, realização de pesquisas, previsão de cenários, cursos, venda de serviços para empresas de tecnologia como o Facebook, promoção de eventos para marcas, branded content, newsletters patrocinadas, crowdfunding e de grants de fundações e organizações como a Open Society, a Fundação Ford, a ONU, a Unesco, entre muitas outras. Isso não as torna necessariamente “independentes”, pois todas dependem de marcas, usuários ou fundações para se tornarem autossustentáveis. Mas as aproximam do conceito da economia criativa que pode estar se consolidando cada vez mais para garantir a sobrevivência do jornalismo.
Nota-se que tais plataformas têm buscado novas oportunidades de financiamento nos meios digitais, a partir de um conhecimento cada vez mais cirúrgico sobre seus públicos e seguidores. Enquanto isso, este mesmo cenário tem se mostrado um terreno pouco fértil economicamente para os veículos tradicionais de mídia no Brasil, que vêm perdendo suas audiências analógicas. Vamos aos números: o público da TV aberta vem caindo no país desde 2010, segundo dados consolidados do Painel Nacional de Televisão (PNT), aferido nas 15 maiores regiões metropolitanas do país.
A popularidade das rádios se mantém estável, porém com acentuado crescimento dos celulares como meio de acesso ao conteúdo que produzem, em detrimento do aparelho convencional, conforme revelou pesquisa divulgada pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV em 2015, a última disponível, realizada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.
A circulação dos jornais impressos continua em queda. De 2014 para 2015, segundo o Instituto Verificador de Comunicação (IVC), o decréscimo foi de 13% no país. Com isso, uma tendência do setor de jornais, por exemplo, é que a circulação digital ultrapasse a do impresso em vários títulos, como já acontece na Folha de S.Paulo, desde agosto de 2016. O mesmo movimento é verificado em O Globo, cuja circulação digital chegou a 48% em 2016, e O Estado de S. Paulo, com o patamar de 39%, segundo revelou reportagem do Knight Center.
A questão é que a audiência digital dos veículos jornalísticos da chamada legacy media não tem compensado, com raras exceções, a queda com a receita originária da publicidade nos meios analógicos, que era responsável pela manutenção do modelo do jornalismo fordista ou industrial. O problema, é verdade, também tem atingido os sites nativos digitais, como o Buzzfeed e o HuffPost, cujas audiências já ultrapassam a do The New York Times. Tais sites apostaram no modelo “gratuito”, sem assinaturas, contando com o aumento da receita publicitária, o que não aconteceu, segundo revelou o estudo The Global Expansion of Digital-Born News Media, do Oxford Institute for the Study of Journalism.
Talvez a mídia tradicional ainda aposte boa parte de seus esforços no modelo broadcast, mobilizando suas forças de vendas para a conquista de audiências massivas (rádio e televisão), que possam se converter em publicidade, ou no paywall (jornais e revistas), em que os usuários financiariam o jornalismo. Tal orientação foi transposta do universo analógico para o digital em suas operações: quanto mais pageviews, mais publicidade. No extremo oposto, estariam os usuários, pagando a conta no modelo de assinaturas digitais.
Não devemos responsabilizar os jornalistas por isso. Na chamada mídia tradicional (esta classificação também renderia um outro artigo), há diversas iniciativas inovadoras do ponto de vista de diversidade no formato de produtos e conteúdos ofertados nos meios digitais, muitos deles contemplados com prêmios internacionais. Nas redações, é perceptível o esforço para se acompanhar as tendências, de especiais multimídia elaborados a podcasts e bots, passando por editorias dedicadas à discussão de gênero. Talvez o problema esteja no irreconciliável: o modo fordista de gestão versus o modelo pós-industrial trazido pela expansão dos meios digitais.
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Por Adriana Barsotti. Professora adjunta da Universidade Federal Fluminense (UFF), autora no Projeto #Colabora e membro do conselho editorial da Agência Lupa.
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