Opinião

Nexo recebe aporte milionário. Saiba como o dinheiro será usado

Após mais de três anos em atividade, site brasileiro recebe cerca de R$ 3,4 milhões. Aporte ao Nexo Jornal foi feito pela Luminate

Texto produzido por Carolina de Assis. Material publicado originalmente no site do Knight Center for Journalism in the Americas

Em três anos e três meses de operação, o brasileiro Nexo Jornal se tornou referência regional e global de jornalismo digital. Além dos prêmios internacionais que recebeu neste período, outro indício significativo desta posição é que o jornal acaba de receber um apoio no valor de US$ 920 mil (cerca de R$ 3,4 milhões) da Luminate, organização do grupo Omidyar que tem apostado em meios jornalísticos independentes ao redor do mundo como propulsores de mudanças sociais e guardiões da democracia.

O Nexo anunciou no fim de janeiro a parceria, que será voltada a ampliar o alcance e o impacto do jornalismo de contexto produzido pelo meio brasileiro, financiado até o momento pelo investimento de seus cofundadores mais a receita de assinaturas.

“Há muita afinidade entre a missão da Luminate e a visão do jornal”, disse Paula Miraglia, cofundadora e diretora do Nexo, ao Centro Knight. O apoio, segundo ela, “é um reconhecimento da qualidade do nosso trabalho e do Nexo como ator importante no jornalismo no Brasil. Se você olhar para outros projetos que a Luminate apoia no mundo, são iniciativas que estão pensando o jornalismo de forma muito inovadora”.

O grupo Omidyar foi fundado e é financiado integralmente pelo franco-americano Pierre Omidyar, cofundador do eBay, e por sua esposa, a bióloga Pam Omidyar. O grupo reúne uma série de iniciativas, empresas e organizações filantrópicas, como a Luminate, que se dedicam a catalisar impacto social. Entre os meios que são ou já foram apoiados pelo grupo na região estão os sites Agência Pública (Brasil), El Faro (El Salvador), Ojo Público (Peru) e Chequeado (Argentina) e o impresso La Diaria (Uruguai).

“É um reconhecimento da qualidade do nosso trabalho e do Nexo como ator importante no jornalismo no Brasil”

A Luminate, lançada em outubro de 2018 a partir da experiência do grupo na área de governança e engajamento cidadão, apoia no momento iniciativas jornalísticas como Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ, na sigla em inglês), Forbidden Stories, The Correspondent e Africa Check.

“Acompanhamos o trabalho do Nexo desde sua fundação. Em conversas nossas com parceiros no Brasil sobre o ecossistema de notícias e de mídia independente e os meios que eles apoiavam e em que confiavam, o Nexo sempre era citado”, disse Felipe Estefan, diretor da Luminate para a América Latina, ao Centro Knight. “Ficamos muito impressionados pelo compromisso [do Nexo] em aprimorar o uso de canais digitais para alcançar o grande público e em produzir conteúdo de qualidade que promova o debate democrático”.

Nexo aposta em jornalismo de contexto e análise e visualização de dados (Imagem: reprodução)

Segundo Estefan, a Luminate procurou o Nexo no começo de 2018 e iniciou as conversas sobre um possível apoio da organização ao jornal. “À medida que conversávamos sobre o compromisso deles de construir um empreendimento de mídia sustentável e comercialmente viável, aquilo que nos impressionava no Nexo enquanto acompanhávamos de longe se revelou verdadeiro quando nos conhecemos melhor, e isso nos levou ao compromisso que acaba de ser anunciado.”

Segundo Miraglia, o apoio da Luminate é a primeira inversão externa no Nexo, que hoje conta com 33 pessoas em sua equipe. O jornal digital se lançou e se mantém até o momento com investimento próprio de seus fundadores – a antropóloga Miraglia, a engenheira Renata Rizzi e o jornalista Conrado Corsalette – e com a receita de assinaturas do Nexo e das plataformas NexoEDU, de conteúdo jornalístico voltado para uso em sala de aula, e Escola N, de cursos livres sobre questões contemporâneas.

Rentabilidade

A diretora disse que o Nexo não divulga números de audiência, custos de operação e valor da receita, mas que deve chegar ao break-even ainda em 2019. “A expectativa é que o jornal passe a se pagar completamente esse ano com assinaturas e as outras fontes de receita. As assinaturas certamente são o mais expressivo, mas é a combinação de todas essas fontes que a gente acredita que vai fazer o jornal sustentável”.

Miraglia avalia que o Nexo se encontra hoje “com a operação consolidada, com uma redação que funciona e que desenvolveu um modo de produzir extremamente colaborativo, juntando competências muito variadas, o que é a marca do jornal”. “O que a gente pretende fazer esse ano, e o investimento da Luminate vem nesse momento, é investir em áreas em que não investimos tanto até então”, como aperfeiçoar o sistema de assinaturas e ter melhores estratégias de retenção e de atendimento a assinantes, disse a diretora do jornal digital.

“Temos uma grande relação com nossos assinantes e vemos um valor enorme nessa relação, então vamos investir nisso. E investir ainda mais na frente de tecnologia, que é muito importante para nós, e fazer com quem mais gente ainda conheça o Nexo”, afirma Miraglia.

Estefan disse que a Luminate procura trabalhar com organizações que têm “um histórico de impacto e modelos claros de sustentabilidade” e “que nos inspiram e onde percebemos que podemos ter um valor”. No caso do Nexo, além desses fatores, “ficamos muito inspirados pelo compromisso dos fundadores com seu trabalho”.

Estruturação dos negócios

“Eles estão colocando dinheiro do próprio bolso e investindo seu tempo e construindo algo que se tornou um modelo de como criar um empreendimento de mídia independente. Quando percebemos isso, começamos a conversar sobre como poderíamos estruturar uma parceria que permitisse que nós os apoiássemos para que eles continuassem a realizar a visão que criaram”, comenta Estefan.

O diretor da Luminate explica que a organização realiza diferentes tipos de investimentos nos projetos que apoia, mas que decidiu por uma doação ao Nexo porque “sentimos que eles não deveriam ser obrigados a devolver o dinheiro, porque o que precisam agora é de mais recursos para conseguirem fazer mais do bom trabalho que fazem”.

Em 2017, o Nexo se tornou o primeiro meio brasileiro a ganhar o prêmio de excelência em jornalismo online da Online Journalism Association (ONA) (Imagem: Divulgação/Nexo)

Estefan ressalta que não haverá interferência editorial da Luminate no jornal, mas a organização vai acompanhar o trabalho do Nexo em direção aos objetivos acordados entre as duas entidades. “É menos sobre coisas que eles têm que fazer para nós e mais sobre coisas que concordamos juntos que seriam bons indicadores de que eles estão no caminho para alcançar seus objetivos, e caso não estejam, como nós podemos ajudá-los a chegar lá”, explicou. Entre estes indicadores estão números de audiência e de receita, mas também o impacto social e o alcance do conteúdo do Nexo.

Em prol da imprensa

A conversa entre Luminate e Nexo se iniciou antes das eleições no Brasil, que intensificaram a polarização política e foram cenário para o aumento da desconfiança em relação à imprensa, fomentada especialmente por Jair Bolsonaro (PSL), candidato presidencial que venceu as eleições e hoje é presidente do país, e seus aliados. O investimento no jornalismo neste momento, portanto, tem um peso ainda mais significativo.

“O Nexo tem como missão pensar o jornalismo como elemento fundamental para contribuir para o fortalecimento da democracia no Brasil. A Luminate vê o jornalismo independente como um elemento essencial para as democracias. Então há uma convergência de visões, sem dúvida, que ganha importância quando se está vivendo esse momento em que justamente o jornalismo vem sendo desqualificado quando faz o seu trabalho”, observa Miraglia.

“Não existe governo democrático sem meios independentes, sem o direito de a imprensa fazer seu trabalho e questionar as autoridades, sem os cidadãos serem informados sobre o que está acontecendo em seu entorno”, disse Estefan. “Considerando que o jornalismo independente é essencial para a democracia, estamos animados para continuar trabalhando no Brasil para garantir que mais vozes independentes possam seguir desempenhando seu papel na proteção da democracia, informando os cidadãos e cobrando os poderosos, independentemente de quem eles sejam e do partido a que pertencem”.

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Knight Center

O Centro Knight para o Jornalismo nas Américas da Universidade do Texas em Austin é um programa de extensão e capacitação profissional para jornalistas na América Latina e no Caribe. Organiza programas de treinamento que já beneficiaram milhares de jornalistas e professores de jornalismo nas Américas. O Centro Knight também ajudou a criar uma nova geração de organizações jornalísticas independentes. Essas organizações têm desenvolvido programas de treinamento auto-sustentáveis com o objetivo de aumentar os níveis éticos e profissionais do jornalismo, contribuindo assim ao aprimoramento da liberdade de imprensa e da democracia no hemisfério. O Knight Center publica um blog trilíngue em português, espanhol e inglês que cobre temas ligados ao jornalismo e à liberdade de imprensa na América Latina e no Caribe.

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