Novos cineastas encontram espaço na Mostra de Tiradentes

Oferecer espaço para o surgimento de novos diretores no circuito cinematográfico brasileiro é um dos principais objetivos da Mostra de Cinema de Tiradentes. Completando 20 anos nesta edição, que terminou no sábado, 28, o evento ofereceu um impulso para a carreira da jovem Juliana Antunes. Seu filme, “Baronesa”, foi o vencedor da Mostra Aurora.

Primeiro longa-metragem de Juliana Antunes, “Baronesa” é um documentário que retrata duas mulheres inseridas num contexto de guerra de traficantes na zona norte de Belo Horizonte. A diretora conta que toda a equipe do filme morou um mês na Vila Mariquinha e ela viveu no local outros cinco meses. “Esse prêmio ajuda a levar o filme para frente. Tomara que ele circule, que ele seja visto. E a partir daí, você tem melhores condições de projetar sua carreira, concorrer em editais públicos e fazer mais cinema”, diz.

Criada em 2008 e hoje uma das principais atrações do evento, a Mostra Aurora é voltada para a exibição de filmes inéditos de novos realizadores que estão em seu primeiro ou segundo longa-metragem. A cada edição, sete títulos competem ao prêmio dado por um júri de críticos.

O curador Cléber Eduardo explica que a Mostra Aurora privilegia filmes com modos de produção diferenciados dos processos tradicionais. É um cinema feito com baixo orçamento, geralmente sem apoio de verbas públicas de editais.

“Quando criamos a mostra, acreditava que esse tipo de filme iria crescer nos anos seguintes, por conta tanto da tecnologia e da disseminação de câmeras digitais como também de jovens realizadores que não estavam dispostos a esperar 10 anos para produzirem seu primeiro longa-metragem. Mas era uma aposta, uma aventura, que poderia dar errado, porque eu poderia não ter filmes no ano seguinte. Felizmente acabou dando certo, esses filmes existiam e novidades surgiam”, conta o curador.

A Mostra Aurora acaba sendo espaço para obras experimentais. O termo, porém, não agrada Cleber Eduardo, que prefere considerar os trabalhos como filmes de inquietação, e não de experimentação. “O fato é que se trata de um espaço que aceita diferentes formatos. Já foi exibido desde um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) até um filme de cerca de R$ 1 milhão, um orçamento modesto diante das grandes produções, mas altíssimo se comparado com os demais concorrentes da Mostra Aurora”. Há edições que este valor financiaria todos os sete títulos em disputa.

Com a edição deste ano, a décima desde que foi criada, a Mostra Aurora chega a 70 filmes exibidos. Ao longo dessa trajetória, cineastas que foram lançados acabaram se consolidando no circuito cinematográfico brasileiro.

Na primeira edição ocorrida em 2008, por exemplo, o diretor Kleber Mendonça Filho lançou seu primeiro longa, o documentário “Crítico”. Em fevereiro desse ano, ele estará na França, com seu último trabalho, a ficcção “Aquarius”, concorrendo ao prêmio de melhor filme estrangeiro no César, maior premiação francesa de cinema.

O cearense Pedro Diógenes, um dos quatro diretores que dirigiram “Estrada para Ythaca”, vencedor em 2010, é outro cineasta cuja Mostra Aurora é parte intrínseca de sua trajetória. “Esses mesmos 10 anos da mostra marca para mim a concretização de um sonho de juventude que era fazer cinema. Em Fortaleza, nós vivíamos um vácuo de cursos, de espaços de formação. Então pensar em ser cineasta era quase como pensar em ser astronauta. Eu era apaixonado por cinema, via muitos filmes, mas não sabia se um dia ia conseguir realizar”.

Pedro Diógenes vem construindo uma carreira cinematográfica por meio da Alumbramento, produtora que mantém com outros cineastas na capital cearense. “Estrada para Ythaca” foi seu primeiro longa-metragem. Nas palavras do próprio diretor, trata-se de um retrato de Fortaleza, mas numa proposta radical de temporalidade e espaço. “A Mostra Aurora foi talvez a única possibilidade do filme existir. E foi o que aconteceu. Depois que ele passou aqui, ele circulou, chegou no cinema e continua sendo assistido. Por isso digo que a Mostra Aurora nos faz acreditar que dá para fazer cinema e os filmes de alguma forma vão chegar aos olhos dos espectadores”.

Mas a Mostra Aurora não é o único espaço que permite o surgimento de novos diretores. As outras mostras competitivas também podem aceitar títulos de cineastas em início de carreira. Renné França, professor de cinema no Instituto Federal de Goiás (IFG), lançou a ficção “Terra e Luz na Mostra Bendita”, que tem sessões no início da madrugada e é destinada a filmes de gênero. Ele confessa estar ainda sem acreditar que conseguiu levar o filme à Mostra de Cinema de Tiradentes.

“Eu estudei tanto, escrevi diversas críticas, que coloquei o cinema num lugar distante, quase sagrado. Nunca pensei que um dia ia fazer um filme. Não imaginei que esse momento iria chegar, uma vez que minha dedicação era voltada para a área acadêmica. E estar aqui é inacreditável”, conta.

A ideia do filme surgiu quando Renné avistou uma casa abandonada durante uma viagem de ônibus. Imediatamente, ele começou a construir a história. Incentivado por colegas a levar adianta a proposta mesmo sem recursos, ele montou uma equipe com professores e alunos do IFG.

“Terra e Luz” conta a história de humanos tentando sobreviver a um cenário apocalíptico no cerrado goiano. “Nunca tive vontade de fazer um filme de terror. Não é o meu gênero preferido. Mas quando pensei a história, vi que ela se encaixaria melhor em algumas regras desse gênero, de usar a noite como força dramática, o poder imaginário dos sons. Mas a história começa como terror e vai se desenvolvendo para um drama mais filosófico”, conta o diretor.

Descentralização
Uma característica que chama a atenção nos 70 filmes selecionados até hoje na Mostra Aurora é a descentralização das produções. Os trabalhos vieram de 14 estados diferentes. Os mais representados são Rio de Janeiro e Minas Gerais, com 14 longas-metragens cada, e São Paulo, com 13. Pernambuco e Ceará vem logo atrás, com oito cada um.

“São 38% de filmes escolhidos produzidos no Rio e em São Paulo. É um percentual baixo comparado com outros festivais e mostras. Anos atrás, isso seria impensável. Se pegarmos Minas Gerais, Pernambuco e Ceará, temos 43% dos títulos selecionados, o que mostra o amadurecimento da produção em outros polos”, analisa Cléber Eduardo.

Ele conta que até então nunca havia feito esse levantamento. “Isso é bom. Porque mostra que essa seleção variada não é uma política. Isso ocorreu naturalmente. Nossa política é não ter preconceitos, não ter pressupostos e ter a convicção de que filmes interessantes podem vir de qualquer lugar e de qualquer pessoa”.

Mesmo diante de uma crise econômica e política, Cléber Eduardo aposta que os filmes que ganham espaço na Mostra Aurora vão resistir.

“É um tipo de cinema que cresceu. Uma produção mais jovem e guerreira. Mudanças de legislação e redução de editais e financiamento público não afetam estas produções, que sempre foram as menos beneficiadas pelas políticas públicas. Para quem já não tinha dinheiro na hora de fazer, a diminuição dos recursos não deve afetar tanto quanto o cinema que necessariamente precisa fazer com recursos”, diz.

Reportagem: Léo Rodrigues
Edição: Carolina Pimentel

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Anderson Scardoelli

Jornalista "nativo digital" e especializado em SEO. Natural de São Caetano do Sul (SP) e criado em Sapopemba, distrito da zona lesta da capital paulista. Formado em jornalismo pela Universidade Nove de Julho (Uninove) e com especialização em jornalismo digital pela ESPM. Trabalhou de forma ininterrupta no Grupo Comunique-se durante 11 anos, período em que foi de estagiário de pesquisa a editor sênior. Em maio de 2020, deixou a empresa para ser repórter do site da Revista Oeste. Após dez meses fora, voltou ao Comunique-se como editor-chefe, cargo que ocupou até abril de 2022.

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