Opinião

O dia em que demitimos nossa sede

Doze de março de 2020. Esta foi a data da última vez que trabalhei no escritório da Rua Francisco Leitão, no bairro paulistano de Pinheiros, a sede do Great Place to Work. Eu não poderia imaginar que aquele seria o último dia de trabalho no chamado modelo presencial. Afinal, nem essa expressão a gente usava naquela época. Ir para o escritório era algo natural, orgânico, fazia parte da rotina de todos nós, os 100 greaters, como somos chamados na empresa. Fazia parte da nossa vida.

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Era lá, naquele predinho de três andares, numa das regiões mais pulsantes de São Paulo, que a gente se reunia, tomava café, batia os sinos das conquistas, se jogava nos pufes coloridos e avançava no carrinho de guloseimas saudáveis diariamente e carinhosamente preparadas pela nossa madrinha do bem-estar, a Maroca. Era lá que gente rabiscava parede, colava post-its em folhas de flip chart, fazia nossas massagens de quinze minutos, relaxava nas redes, fazia planejamentos do semestre, do ano, da área, de tudo. Só não planejamos que uma pandemia tomaria conta do planeta, duraria um tempo ainda indeterminado, atingiria tantas pessoas (e tantas famílias) e nos obrigaria a criar um novo jeito de trabalhar – e de conviver.

Desligar funcionários seria o último recurso usado, em caso de extrema necessidade

Daniela Diniz

A mensagem para nós era clara: o cuidado com as pessoas deveria estar em primeiro lugar. Eu não sei quantas vezes ouvimos essa frase do nosso CEO, Ruy Shiozawa, que se apressou em mandar todos para casa reforçando que só retornaríamos ao escritório quando estivéssemos seguros. Bom, o ano todo passou e outro entrou e não estamos ainda seguros. Temos menos de 20% da população brasileira vacinada (com a primeira dose), novas cepas de vírus se espalhando rapidamente pelo território e longe ainda de ter um cenário de definição. Mas a vida corporativa precisa definir alguns rumos e aí recebemos uma outra mensagem de Ruy: o cuidado com as pessoas dizia não só respeito à saúde dos funcionários, mas também a permanência no emprego. Desligar funcionários seria o último recurso usado, em caso de extrema necessidade. Afinal, no lugar de demitir pessoas, poderíamos demitir a nossa sede.

E foi isso que acabou acontecendo. A decisão, claro, não foi tomada de um dia para outro. Afinal, somos os maiores especialistas em avaliar e reconhecer bons ambientes de trabalho. Em casa de ferreiro, portanto, espeto precisa ser de ferro. Fizemos duas pesquisas com nosso time para capturar a percepção da equipe sobre o novo modelo de trabalho e o desejo de cada um de manter esse formato no futuro. Queríamos entender o impacto dessa nova rotina na vida de cada colaborador, dos solteiros, dos casados, dos com filhos, dos que moram com pais, dos que moram com pets e até daqueles que moram apenas com plantas. Foi assim, após um ano de análises, pesquisas, contratos, contas e afins que decidimos demitir nossa sede. Não por uma questão de necessidade, mas por uma estratégia que se mostrou lógica e bem aceita por todos. Uma demissão de respeito, que contou com a participação de todo o time, numa atitude que reuniu planejamento e valores, reforçando nossa cultura.

A parte emocional: o leilão funcionou como uma partilha de bens da família

Daniela Diniz

Todos os bens da empresa – das canecas à geladeira – foram leiloados pelo e para o time. Os itens menores foram disputados numa planilha online sem lances mínimos, gerando competições acirradas por notebooks, cestos de lixo, bandejas e taças. Os itens maiores (geladeira, fogão, TV e outros aparelhos eletrônicos) foram arrematados num leilão virtual, via Zoom, que durou cerca de três horas numa sexta-feira animada. Cadeiras ergométricas e samambaias (do nosso lindo jardim de parede) foram doadas para os funcionários. Cada um levou a sua. A parte inteligente de todo esse processo: cada um ficou responsável por retirar seus bens adquiridos na sede, em horários previamente estipulados para não gerar aglomeração, resolvendo um problema logístico comum a toda e qualquer mudança. De quebra, gerou uma graninha no caixa. A parte emocional: o leilão funcionou como uma partilha de bens da família. Cada um ficou com um pedaço daquela história, até aqueles que começaram essa história sem ter tido a oportunidade de conhecer a sede.

Quase um ano e meio após o início da pandemia, nenhum funcionário foi desligado por necessidade do negócio – ao contrário, o time está crescendo (e os negócios também!). Aprendemos a trabalhar com os filhos, os pets e as plantas e seguimos mantendo nossa cultura nos detalhes, reforçando, por meio de atitudes como essas, nossos principais valores. Temos agora tempo para pensar no próximo modelo de trabalho (afinal, nada é definitivo), com a certeza de que as pessoas – nosso maior bem – estão seguras e satisfeitas.

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Por Daniela Diniz. Diretora de Conteúdo e Relações Institucionais do Great Place to Work Brasil.

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