O próprio dicionário nos dá uma definição do que é empreender: decidir realizar (tarefa difícil e trabalhosa); “é uma travessia arriscada”. Ou ainda: se relaciona à atitude de inovar, de se dedicar integralmente a transformar ideias em realidades.
É assim que funciona, mesmo nas pequenas competências: desde decidir em fazer uma reforma de casa, escolher um curso e/ou quando escolhemos mudar nossas vidas e ir para outro país.
O empreendedor vive em uma linha tênue entre competência e riscos. É uma pessoa inquieta e que vê oportunidades em cada conversa e/ou detalhe que observa. Ele busca criar algo com valor, assumindo para si os riscos do que se propõe em ofertar.
Dificilmente um empreendedor sobrevive sem a inquietação de buscar o relevante, o diferente. A cada dia ele procura se aperfeiçoar naquilo que faz, trazer novidades, entender seu público e, principalmente, se conectar. Às vezes pode até lhe faltar conhecimento técnico, mas a criatividade e a vontade de colocar em prática acabam contornando esses obstáculos.
Acho que para o empreendedorismo não é preciso apenas saber fazer, é preciso produzir algo com valia para o usuário, algo que agrega, soma. É preciso saber pensar diferente e, principalmente, ter iniciativa. O verdadeiro empreendedor traduz os desejos e ideias em ações, atitudes. Foi o espírito da não acomodação que tirou o homem das cavernas e o levou aos arranha-céus e que permitiu que ele voasse mais alto e rápido do que os pássaros.
Não tive modelos de empreendedorismo na família; mas posso contar um episódio que está descrito no meu livro “Empreendedoras por Natureza”, lançado no mês internacional da mulher, cujo prefácio é da renomada jornalista Ana Paula Padrão.
No verão de 1982, recebi do meu irmão mais novo, Alexandre, uma proposta desafiadora: produzir em casa chupa-chupas, uma guloseima muito popular em Campinas/SP, onde morei, e vendê-los nas ruas da vizinhança. Animada com a oportunidade de ganhar um dinheirinho extra com a sorveteria caseira e reforçar a mesada paterna, partimos para a ação. Afinal, em teoria, o negócio não tinha como correr mal, sobretudo numa cidade conhecida pela temperatura escaldante. Mas não deu certo! Não foi pela falta de qualidade do produto, mas devido a um “pequeno” descuido na logística. Colocamos os chupa-chupas numa cesta, sem qualquer tipo de refrigeração e quando demos conta, estava tudo derretido antes de percorrermos o primeiro quarteirão. A despeito deste primeiro fracasso, a experiência mal sucedida trouxe uma certeza: descobri, desde pequena, que um dia seria uma empreendedora. E um ensinamento: antecipar barreiras associado a um planejamento adequado é a chave para o êxito de qualquer projeto, do mais simples ao mais complexo.
Voltei-me para a minha missão de vida social: empoderar mulheres por meio do empreendedorismo. Foi daí que nasceu a citada coleção: Empreendedoras por Natureza, cujo primeiro volume foi justamente das histórias de empreendedorismo minha e da amiga Ana Fontes, um ícone das causas de empoderamento da mulher (fundadora da Rede Mulher Empreendedora). Trata-se de uma coleção de cinco livros anuais que aborda trajetórias de sucesso no empreendedorismo feminino, sendo duas empreendedoras por livro. Para o ano que vem teremos: Adriana Barbosa, da Feira Preta e Tatiane Lobato, da Magic Clean.
Acredito – o que justamente me motivou a fazer tal coleção – que qualquer mulher, em qualquer lugar, pode ter controle da própria vida, definir metas, adquirir habilidades e agir, transformando ideias em ações, empreendendo. Ao tomarmos o poder, tornamo-nos as nossas próprias ativistas. Devemos, sim, empreender indagando sobre a cultura da violação, atuando contra injustiças que afetam as mulheres, parando de classificar a mulher pela roupa ou pelo status de relacionamento, etc… Então estamos diante da cultura do empoderamento feminino que necessita expandir.
Assim é que, embora os avanços em relação ao empoderamento feminino no Brasil sejam inegáveis, ainda há um grande abismo que separa mulheres e os homens de caminharem no mesmo patamar em aspetos profissionais, financeiros e sociais. Para ficar ainda mais claro esse abismo, cito pesquisas que revelam dados com um panorama da questão no Brasil e no mundo. A Ipsos inquiriu pessoas de 24 países para elaborar o relatório Global Advisor, focado nos temas do feminismo e de igualdade de gênero. Os resultados mostraram que a situação das brasileiras é preocupante: 41% das entrevistadas no país confessaram terem medo de se expressar e de lutar pelos seus direitos. Esta percentagem é bem maior que a média global, que ficou em 26%.
Com efeito, um estudo realizado pela Serasa Experian revela que o Brasil possui 5.693.694 mulheres empreendedoras, representando 8% da população feminina do país.
Isso significa que 43% dos donos de negócios do país são do sexo feminino, e 57% são homens. Do total das empresas ativas no Brasil, 30% tem mulheres como sócias. Segundo a Mosaic Brasil, 59% das empreendedoras estão no grupo “Donos de Negócios”, que engloba pequenos e médios empresários, e 11% estão no grupo “Elites Brasileiras”, que representa adultos acima de 30 anos, com alta escolaridade e que desfrutam de alto padrão de vida.
Do total de empreendedoras do Brasil, 73% são sócias de micro ou pequenas empresas. O percentual sobe para 98,5% quando são contabilizadas, também, as empresas do tipo Micro Empreendedor Individual (MEI), já que mais de 1,3 milhão de mulheres brasileiras são sócias de MEI. No entanto, apenas 0,2% das mulheres empreendedoras do Brasil são sócias de grandes empresas, sendo que mais da metade delas pertence ao grupo Elites Brasileiras.
Então, devemos continuar a apostar fortemente no empoderamento das mulheres para melhorar estes números e, via de consequência o Brasil. Em síntese, com o empoderamento teremos: a construção de redes pra fomentar os negócios (como a Rede Mulher Empreendedora), o exercício do poder em prol de outras mulheres, a promoção da inclusão profissional e social, a criação de oportunidades por via de relacionamentos discursivos com homens, o trabalho na questão da inovação social e a inclusão social nos processos de inovação social, o aumento da confiança e autoestima, enfim, a construção de uma vida melhor para as famílias, o trabalho para legitimar as desigualdades envolvidas no capitalismo competitivo, a formação de uma comunidade feminina destinada a reduzir a pobreza e o incentivo às atividades empresariais femininas.
E, acima de tudo, que as mulheres conquistem o seu espaço e alcancem o seu potencial máximo para conquistar a capacidade de tomada de decisão.
*Rosely Cruz. Sócia-fundadora e manager partner do Rosely Cruz Sociedade de Advogados by “neolaw.”eGoLaw Tecnologia da Informação, com conhecimento especializado no mercado de Inovação e Tecnologia e Investimento em Capital Semente e Venture Capital. Também atua no setor de Recuperação Judicial. É fundadora do Ibajud (Instituto Brasileiro de Administração Judicial), do LENT (Laboratório de Empresas Nascentes em Tecnologia) da FGV Direito, investidora anjo e ex-VP Jurídica do Buscapé Company. Em 2017 lançou o livro “Empreendedoras por Natureza”, que narra sua trajetória de sucesso profissional e incentiva o empoderamento feminino.