O erro capital do jornalismo é ignorar a defesa da democracia

Quando meu colega Adalberto Piotto escreve com meias palavras que “preconceito não é jornalismo”, ele mesmo usa um truque retórico muito recorrente no nosso jornalismo para discorrer o seu próprio preconceito e esconder suas verdadeiras intenções.

Fica no ar, pelo não dito no artigo, o que parece uma defesa do Bolsonaro e suas ideias, mesmo que autor tenha escrito que não, dizendo que é contra salvadores da pátria e radicais de qualquer extremidade política.

Começando do ponto de consenso entre nós: concordo com ele que Bolsonaro e sua base de apoio tem o direito de ter sua visão de mundo e expressá-la.

Isso ninguém tira, principalmente na nossa era de redes sociais, onde a grande imprensa não mais chancela as opiniões e nem os debates nas suas páginas 2.

Concordo que também não cabe aos repórteres zombarem dos personagens de suas matérias.

No entanto, é também forçoso que o jornalista contextualize suas reportagens, indicando como, de que jeito, quando e quais as consequências das informações veiculadas.

Além do mais, qualquer jornalista experiente sabe que a escolha da contextualização e das falas que publica é sempre subjetiva. É aí que entra a técnica jornalística: ela serve para reduzir (e não eliminar) a subjetividade, para trazer o máximo de objetividade possível, visando deixar o leitor informado o suficiente para chegar as suas próprias conclusões.

Não podemos jamais ignorar que o que faz um veículo de comunicação completo é a sua opinião sobre os fatos correntes de um país. Esta, a opinião, deveria estar sempre nos editoriais e nas escolhas dos articulistas.

A liberdade de expressão tão duramente defendida pela nossa classe, só pode ser garantida dentro de um ambiente democrático, e, portanto, qualquer veículo de comunicação tem a obrigação de promover a democracia e o Estado de Direito acima de tudo.

Bolsonaro, por mais que ele seja permitido pela democracia a ter e expressar suas opiniões, foi condenado na justiça pelas suas posições. Sua retórica, e temo, suas ações, caso possa concretizar seus planos de poder, atenta contra a democracia e, pior, faz, segundo várias processos ao quais responde, apologia a crimes de preconceito, racismo, assassinato e até de genocídio.

É dever do jornalista e do jornal denunciar isto. Sempre. Isto não tem nada a ver com superioridade. Tem a ver com defesa do Estado de Direito, da liberdade – seja ela de expressão ou das que são garantidas na nossa Constituição.

Não é piada ter uma pessoa travestida de congressista esbulhar a própria razão da ascensão política, que são os votos livres que recebeu, garantidos pela democracia e pelo Estado de Direito.

Bolsonaro é irresponsável, beirando a criminalidade, quando elogia a ditadura e torturadores.

Bolsonaro é irresponsável, beirando a criminalidade, quando usa de sua posição para promover o preconceito, racismo e homofobia.

Bolsonaro é irresponsável, beirando a criminalidade, quando sobe no palanque faz apologia ao estupro.

Bolsonaro é irresponsável, beirando a criminalidade, quando promove o assassinato sumário das pessoas.

Todas declarações de Bolsonaro largamente veiculadas na imprensa.

O meu nobre colega nem se dá ao trabalho de mencionar quais foram os momentos ‘jocosos, arrogantes, grandiloquentes e superiores’ que critica. E também não se dá ao trabalho de nos informar se foram editoriais ou matérias informativas.

Está aí a defesa de Bolsonaro e de suas ideias pelo autor, pedindo a nós, jornalistas, que levemos ele e suas ideias a sério.

Suspeito que o que chama de ‘zombar’ ou de ‘superioridade’ é a crítica, pela contextualização ou pelas vozes contraditórias de outros personagens nas matérias. Não existe jeito melhor de levar a sério um personagem tão execrável da nossa política e que ataca diretamente os dítames de nossa profissão.

Uma democracia pode até tolerar pessoas como Bolsonaro e seus apoiadores, mas um jornalista nunca poderia tolerar um candidato que promete tantos atos potencialmente criminosos.

*Alexandre Spatuzza. Jornalista especializado em economia, finanças e energia. Correspondente para vários veículos estrangeiros.

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