O pecado da Avon: servir a dois senhores

Repensar o elogio que fazemos às meninas e sustentar garota-propaganda que canta “essas novinha são safada, elas quer sentar” é o novo desafio da Avon

A Avon lançou a campanha “Repense os Elogios” em suas redes sociais, convidando os adultos a repensarem o elogio que fazem às meninas. Para a empresa de cosméticos, “o que você diz às meninas hoje influencia quem elas serão amanhã”.

Segundo o filme, não deveríamos chamá-las de “princesas” ou de “lindas”, pois isso as enfraquecerá no futuro. As virtudes, tais como inteligência, heroísmo e determinação, é que devem ser enaltecidas, pois esses elogios as tornarão adultas melhores.

Se é verdade, não sabemos. E a Avon também parece não saber! Mas o que nos interessa é analisar se o posicionamento da empresa está correto, pois, segundo o provérbio, não se pode servir a dois senhores. E talvez aí esteja o pecado da anunciante!

Alguns dias antes de lançar a campanha, bancada pela afirmação de que “as palavras têm um poder de concretizar coisas”, a Avon contratou MC Carol como garota-propaganda de uma linha de produtos.

E o que isso tem a ver? Explicamos. MC Carol é funkeira. Dentre seus vários “sucessos” destacam-se “Meu Namorado é Mó Otário”, “Tô usando Crack”, “Vem tirar meu shorts” e “Vou Tirar sua Virgindade”.

Trechos de suas músicas mostram com “riqueza de detalhes” qual o posicionamento de MC Carol (a “Carol Bandida”) quanto ao “elogio às meninas”. Vamos lá, leitor, segurem-se na poltrona: “essas novinha são safada, elas quer sentar” (sic), “a chifruda tá piano… quebro ela, quebro ela”, “tô apaixonada, dá procê, dá procê” (sic), “liga pra Samu, ela quis transar com três, deu hemorragia no cu”.

Não há nada de errado em contratar MC Carol para protagonizar campanha de cosméticos. O erro é construir posicionamento ilógico, e de certo modo contraditório, de campanha para repensarmos como elogiamos as meninas, ao mesmo tempo em que sustenta garota-propaganda que nutre absoluto desrespeito, digamos, pela raça humana, a exemplo da música “Aponta pro viado” (sic), em que, “estarrecida”, canta: “hoje, hoje me pararam, revelaram seu passado, tudo baile que tu vai, Tu come viado” (sic).

Isso torna clara a tentativa da anunciante de surfar a onda do “debate” de gênero, impulsionado principalmente pela repercussão positiva da novela recentemente encerrada, ao contrário de fixar um posicionamento sincero de valorização feminina e combate a toda forma de discriminação.

Nunca é tarde para um reposicionamento da marca. No entanto, há que existir coerência, justamente para garantir a confiança do consumidor. E parece que essa estratégia foi um tiro no pé. Até o fechamento deste artigo, a campanha “Repense os Elogios” no YouTube tinha mil likes, contra 27 mil unlinkes.

Na campanha em que a Avon utiliza a funkeira MC Carol, a marca faz um convite para que consumidores vejam um mundo com mais empatia, amor e respeito. Não sabemos se é a empatia de “me empresta a 12, vou matar esse maconheiro”, o amor de “eu lembro a piroca entrando, a piroca entrando” ou o respeito de “novinho de 15 anos, senta no sofá e fica a vontade, porque a Carol Bandida vai tirar sua virgindade”.

Não somos contra nenhuma das estratégias! Ambas são, ao mesmo tempo, discutíveis e válidas. Porém, não é possível apoiar duas propostas tão contraditórias sem correr o risco de alguma delas soar como oportunista.

A Avon tem razão numa coisa: “as palavras têm o poder de concretizar coisas”. Realmente, concretizaram: deixaram claro que não se pode servir a dois senhores, sem parecer falso e mentiroso a um deles.

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Por Jean Caristina. Doutor e Mestre em Direito Econômico pela PUC/SP. Graduado em Direito pela FMU/SP. Coordenador do Curso de Direito da UNINOVE/SP. Professor Universitário. Advogado. Articulista do site intervalolegal.com.br. Atua em relações jurídicas da publicidade, com foco no Direito do Consumidor e na proteção do direito constitucional da livre expressão e comunicação.

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Jean Caristina

Doutor e Mestre em Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Graduado em Direito pela Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Coordenador do curso de Direito da Universidade Nove de Julho (Uninove). Professor universitário, advogado e criador-articulista do site intervalolegal.com.br. Atua em relações jurídicas da publicidade, com foco no Direito do Consumidor e na proteção do direito constitucional da livre expressão e comunicação.

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