Anualmente, em dezembro, o dicionário Oxford anuncia a palavra mais popular do ano que passou. É uma ótima maneira de acompanhar tendências na sociedade e observar o comportamento coletivo das pessoas. Em 2022, a particularidade foi que o público pode escolher qual seria a palavra mais popular.
O resultado foi revelador. Como divulgado pela rede de notícias BBC, o termo escolhido foi goblin mode. Foram mais de 300 mil votos ao todo, e o termo escolhido recebeu mais de 93% desse volume. O termo pode ser traduzido como “modo goblin” e, segundo a definição do próprio dicionário, se refere a um comportamento preguiçoso, egoísta e caótico, que rejeita as normais sociais, sem qualquer tipo de arrependimento.
Em um ano em que diversos acontecimentos importantes aconteceram ao redor do mundo, como o desenvolvimento do metaverso e a invasão da Ucrânia – cujos termos relacionados também estavam participando da votação –, é interessante analisar o motivo de um termo ligado à fadiga ter sido selecionado como palavra do ano.
Aliás, a expressão não é a única em destaque a indicar uma certa estafa contemporânea. Isso porque a palavra do ano escolhida pelo dicionário Collins, conforme divulgado pelo portal de notícias The Guardian, é o termo permacrisis. O neologismo vem da união das palavras permanent, indicando algo permanente ou duradouro, e crisis, ou crise, em português. Segundo a definição do próprio dicionário, a palavra descreve um “estado prolongado de insegurança e instabilidade”.
Analisados em conjunto, os termos apontam para uma sensação de esgotamento físico e mental extremos que refletem a incerteza e imprevisibilidade vivida nos últimos anos.
Por que as pessoas estão mais exaustas?
Ao realizar essa observação, Flávia Lippi, jornalista, educadora e pesquisadora, especialista em neurociência e comportamento, afirma que é preciso entender os motivos por trás dessa tendência, assim como suas consequências na saúde e bem-estar da população.
Para a especialista, a sensação de estafa mental e exaustão remete à “sociedade do cansaço“, termo cunhado pelo filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, professor da Universidade de Artes de Berlim. Segundo o autor, a sociedade do cansaço exige uma produtividade extrema que não é sustentável a longo prazo, culminando na ilusão de que o cansaço é necessário no caminho para alcançar a felicidade pessoal e profissional.
“O problema está em como a felicidade é vendida de fora para dentro, quando, na realidade, deveria ser o contrário”, explica Flávia Lippi. “Nessa mentalidade, se as pessoas são responsáveis por sua própria felicidade e não a alcançam por motivos externos, como a crise financeira ou um acontecimento do qual não têm controle, começam a se sentir angustiadas.”
Ainda segundo o conceito cunhado pelo autor, um dos motores da sociedade do cansaço é o excesso de positividade relacionado à ideia de que todo e qualquer sonho pode ser conquistado através de ações individuais. Isso é ainda mais exacerbado pela propagação das redes sociais, que destacam os aspectos mais desejáveis e conquistas importantes do círculo social das pessoas.
Em conjunto, esses fatores levam à chamada positividade tóxica, na qual os problemas da vida pessoal e profissional são reduzidos à capacidade do indivíduo de superar obstáculos que, muitas vezes, estão fora do seu controle.
As consequências de viver nesse estado prolongado de exigências anormais são visíveis tanto na saúde física como mental da população. Por exemplo, uma pesquisa publicada em 2021 pela Hibou mostrou que mais de 80% dos brasileiros estão se sentindo mais cansados, e 79% consideram-se estressados.
Para romper com esse ciclo vicioso de busca por mais dinheiro, mais trabalho e mais sucesso, Flávia Lippi afirma ser necessário conhecer profundamente a si mesmo. “Acima de tudo, é preciso construir a própria equação de vida com as variáveis que fazem sentido para cada pessoa”, explica a especialista. “Para isso, é preciso ter autoconsciência, autoconhecimento e, principalmente, autocompaixão para compreender e aceitar a si mesmo”, finaliza Flávia Lippi.
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