O que diretores de redação esperam dos novos jornalistas?

Lide. Palavra aportuguesada do inglês lead, termo usado no jornalismo para resumir o propósito do primeiro parágrafo de um texto. Há dois tipos: o básico, que responde às questões principais em torno do fato (o quê, quem, quando, como, onde, por quê); e o não-factual, que usa outros recursos para atrair o leitor. Em tempos de guerra pela atenção das pessoas, o lide geralmente é conciso, vai direto ao ponto e corre deste modelo que você lê agora – que, por exemplo, já usou 500 caracteres até aqui. O lide é aquela palavra que o estudante ouve logo no início do curso de jornalismo e, às vezes, preocupa quanto ao seu poder de sedução.
Ter bom texto é um dos pontos citados por executivos e diretores de redação entrevistados pela reportagem do Portal Comunique-se, mas não é tudo. Neste 7 de abril, quando se comemora mais um Dia do Jornalista, nos questionamos por aqui sobre o que eles esperam dos novos profissionais. A pauta traz a visão de Diego Iraheta (editor-chefe do HuffPost Brasil), Denis Burgierman (diretor de redação da revista Superinteressante), Fábio Gusmão (editor digital no jornal Extra), Franz Vacek (superintendente de jornalismo e esporte da Rede TV), Leonardo Mendes Junior (diretor de redação da Gazeta do Povo) e Rogerio Mauricio (editor-chefe do Super Notícia). As mudanças na área, a resistência dos profissionais e o perigo para quem quer se aventurar na imprensa também fazem parte desta conversa.
Pontos básicos para estar na área, como respeitar a ética da profissão e sempre trabalhar de maneira isenta, dando voz a todos os lados, impera como desejo entre os gestores de redação. E não é para menos. Por incrível que pareça, não raro alguns erros aparecem na mídia pela quebra de regras que deveriam ser seguidas, mas, por motivos diversos, acabam sendo deixadas de lado. Além disso, o envolvimento com as novas tecnologias para construir e distribuir conteúdo aparecem na lista.
Para o editor-chefe do HuffPost Brasil, o DNA digital precisa aparecer. “Tem que ter curiosidade e dedicação para apurar histórias. Espero que os novos jornalistas saibam usar as redes sociais para cavar pauta, calibrem o radar para detectar na internet conversas pertinentes, que possam alcançar o status de notícia”. Gusmão, do Extra, acredita que ter visão ampla sobre formas inovadoras de financiar o jornalismo também precisa ser percebida pelos novatos.
Na Superinteressante, Burgierman quer que os profissionais saibam o que ele não sabe, além de ter aquela bagagem de curiosidade com as coisas. Com experiência em quase todas as funções em uma redação de televisão, Vacek espera que os profissionais entendam que a área é um sacerdócio. “Quem quer trabalhar olhando para o relógio é melhor ser bancário. Espero que os novos jornalistas continuem respeitando a ética na profissão. Sempre ouvir os dois lados, ter isenção e saber que trabalhamos para a população. A nossa matéria-prima é a informação de qualidade”.
Ser jornalista em sua acepção. É esse tipo de colega que o editor-chefe do Super Notícia, em Minas Gerais, quer encontrar no mercado de trabalho. “Tem que amar a busca pela notícia. Tem que ter foco, determinação e paixão. Não basta saber tudo de redes sociais, web, mobile. Tem que aliar a tecnologia à paixão de informar com qualidade”, aconselha Rogerio Mauricio. Quem tiver ideias novas para fazer jornalismo tem chances de trabalhar ao lado de Leonardo Mendes Junior na redação da Gazeta do Povo, em Curitiba. “A forma como o público consome informação está mudando a todo o momento e você precisa de gente capaz de detectar essa movimentação e, principalmente, disposta a experimentar formatos. Isso exige um discernimento grande para deixar para trás formas consagradas de se comunicar. E desapego para deixar de lado uma ideia nova que na teoria era genial, mas que na prática não emplacou”.
Impacto tecnológico, redações enxutas e perigo para o trabalho do jornalista: e agora?
O cenário é claro: o jornalista precisa se atualizar cada vez mais, lidar com o fato de ter menos colegas de trabalho na mesa da redação e driblar a violência que assola a imprensa no Brasil. Sobre o impacto tecnológico, os diretores afirmam que é preciso estar preparado para analisar o cenário e aprender. O momento é de oportunidade, de acordo com eles, que falam sobre as novas chances com as câmeras 4G, a ajuda das redes sociais e as diversas plataformas de distribuição. O papel de curador da informação, já discutido em outras matérias aqui no Portal Comunique-se, também aparece como indispensável. Para os entrevistados, embora a internet tenha ampliado o debate e, de certa forma, transformado todos em produtores de conteúdo, cabe ao jornalista tratar do material com eficiência, rapidez e precisão. A apuração e a qualidade da informação continuam sendo os diferenciais.
A resistência em mudar o modelo adotado por tantos anos aparece aqui como um dos maiores problemas na profissão. É unânime entre os executivos que o jornalista tem objeção a novos formatos. Na Superinteressante, o diretor reconhece que o cenário é esse, mas afirma que no impresso da Editora Abril todos estão empolgados com possibilidades. Vacek arrisca dizer que quem resistir não vai sobreviver ao mercado e é com a mesma visão que Iraheta reforça que o jornalista precisa ser 2.0.
“Tem que entender que ele não é mais o gatekeeper, guardião dos portões do que é ou não digno de entrar no jornal, na revista, na TV. O leitor e o jornalista constroem as pautas conjuntamente, por meio do uso das redes sociais e das mídias digitais. Usar todo tipo de rede, app, dominar a gramática das mais diversas mídias para avaliar como cada ferramenta pode ser utilizada pelo jornalismo e em prol dele”, comenta o editor-chefe do HuffPost Brasil, que ainda sinaliza que a postura não é apenas do comunicador. “Há mais resistência nas empresas de mídia que ainda valorizam o impresso em detrimento do digital e na Academia. Acho que muitas universidades ainda não têm uma grade curricular que privilegia o fazer jornalístico contemporâneo”.
Com experiência em implementação de novas tecnologias no jornalismo, Gusmão afirma que, com o tempo, todos acabam aderindo. “Já promovi mudanças em cenários no qual a maioria é refratária. E a fórmula é a mesma: começa com os aderentes, deixa os refratários para o fim do processo. Mas, nem todos terão a mesma desenvoltura com novas tecnologias e novos processos”. O editor ressalta que se trata de uma corrida pela sobrevivência. “Quem não fizer este movimento agora, hoje, está fora de qualquer oportunidade de ser escalado para jogar”.
Sobre a crise na área, todos concordam que as redações estão enxutas, mas isso não é de todo ruim. “O modelo de negócios tradicionais está desmoronando, as oportunidades de emprego convencional estão minguando. Mas tem outro lado: nunca houve tantas possibilidades de construir narrativas mais complexas, mais múltiplas”, ressalta o profissional da Superinteressante. O comandante do Super Notícia tem a mesma opinião e lamenta pela diminuição nos postos de trabalho. Ele vê boas oportunidades em produtoras de conteúdo e espaço para que os profissionais busquem recolocação.
A visão de Leonardo Mendes Junior está alinhada com a dos colegas. “Tem muito campo para se exercer o jornalismo. O que talvez nos falte, principalmente, é a capacidade de criar algo novo, como se vê a rodo em empresas de tecnologia. Enquanto continuarmos a tentar sempre as mesmas soluções (aquelas de 10, 15 anos atrás), continuaremos tendo problema. E, óbvio, há todo um contexto econômico que extrapola o jornalismo que torna tudo mais difícil. Mas podemos nos ajudar um pouco mais”.
7 de abril: há o que comemorar?
Quando questionados sobre as comemorações referentes ao Dia do Jornalista, os executivos não hesitam: há, sim, motivos para celebrar a data. Veja, abaixo, as razões pelas quais a nossa profissão está de parabéns!
Ser jornalista num momento como o atual, em que um governo em crise aguda parece caminhar para o fim, é assistir com lentes privilegiadas à História em curso. Temos que ter muito mais rigor no tipo de notícia veiculada, nas apurações feitas, se estamos ouvindo todas as vozes — ruas, militantes, “esquerda”, “direita”. Nenhum player deve ter mais atenção que outro. Precisamos ouvir a defesa de Dilma, Lula, Cunha, Temer, da mesma maneira que precisamos ouvir os críticos e analisar cada denúncia contra nossos políticos. Neste Dia do Jornalista, assim como em todos os outros, temos que honrar a nossa profissão, fazendo um jornalismo ético e responsável, que contemple a pluralidade e contribua com a reflexão dos cidadãos brasileiros. Buscar isso é que é motivo de realização.Diego Iraheta, editor-chefe do HuffPost Brasil
Tenho que confessar que nunca comemorei muito essa data. Como jornalista, sempre estive muito mais interessado no mundo lá fora do que em celebrar minha própria profissão, mas talvez eu não devesse. Se há motivos para comemorar? Uai, sempre há. Acho importante celebrar as novas possibilidades, as ferramentas cada vez mais sofisticadas de pesquisa, edição e disseminação, que agora cabem no bolso, o surgimento de publicações independentes, a democratização das narrativas. Tem muito a lamentar também, mas não falta o que celebrar.Denis Burgierman, diretor de redação da revista Superinteressante
Acho que o principal a se comemorar é que ainda é possível fazer bom jornalismo, como está provado com a mega investigação “Panama Papers”, feita com a colaboração de mais de cem jornalistas de vários países. Isso mostra que é possível continuar denunciando, revelando o que os poderosos espalhados pelo mundo querem esconder. Temos técnica, temos faro, temos vontade. Não estamos em crise. O negócio é que está. Temos as pessoas que nos creditam confiança, continuam nos chamando, chancelam credibilidade. Elas continuam nos fazendo de megafone de suas necessidades. Temos a tecnologia a nosso favor. Há alguns anos, seria impossível tratar a quantidade de documentos revelados pelo “Panama Papers”. Hoje, temos jornalismo de dados, extração de dados digitais e novos colaboradores dentro de uma redação, veja o modelo do Whashington Post, que está mais avançado que os demais concorrentes pelo mundo. Só isso já é motivo para comemorar.Fábio Gusmão, editor digital do jornal Extra
Sem dúvida! Se eu não achar, quem vai? A profissão é linda. Com ela, vi o melhor e o pior do ser humano. Nas guerras, conflitos e desastres sempre encontrei esperança em uma vida melhor. O jornalismo me proporcionou um dia estar em uma favela e em outro em um jantar no Eliseu com presidentes. Ter vivido a experiência de conhecer junto com o papa emérito Bento 16 seus aposentos e ter visto o palácio do Kadafi em chamas. Qual outra profissão poderia me dar tanto contraste? A minha identidade se mistura com a minha profissão. Eu já vi a morte de perto na Líbia quando o meu carro foi metralhado em Trípoli. Quase morri nessa e em outras ocasiões, mas o jornalismo me fez viver mais e melhor como pessoa e isso não tem preço.Franz Vacek, superintendente de jornalismo e esporte da Rede TV
Mesmo com todas as dificuldades e desafios, sim, temos o que comemorar. Estamos vivendo um momento verdadeiramente histórico, de investigação a um amplo esquema de corrupção no país, de possibilidade real de um presidente da República ser destituído do cargo. Cobrir isso, poder contar essa história deve ser motivo de orgulho para qualquer jornalista, qualquer um que tenha a informação correndo nas veias.Leonardo Mendes Junior, diretor de redação da Gazeta do Povo
Claro que há motivos para comemorar. Só é jornalista quem ama a profissão. Comemorar o Dia do Jornalista é uma oportunidade de valorizar o nosso trabalho tão importante para o Brasil e para a população. Um grande motivo é a contribuição da imprensa com a cobertura, investigação e divulgação de escândalos no Brasil e também no mundo (haja vista o Panama Papers). Sem imprensa livre, sem jornalista trabalhando, pouco ou nada teria vindo à tona. Mas ainda há muito o que se fazer pela profissão. O jornalista também tem que se conscientizar mais sobre a importância da valorização da profissão.Rogerio Mauricio, editor-chefe do Super Notícia

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Nathália Carvalho

Jornalista com mais de dez anos de experiência em reportagem. Especializada na cobertura do mercado de comunicação, bastidores do jornalismo, marketing, publicidade e propaganda. Graduada pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação e (FapCom) pós-graduada em Cinema, Vídeo e Fotografia: Criação em Multimeios na Universidade Anhembi Morumbi. Integrou a redação do Portal Comunique-se por mais de oito anos, onde se destacou na produção de reportagens especiais e implementou projetos audiovisuais.

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