Os erros cometidos pela imprensa marcam não só o público, como também as carreiras dos profissionais envolvidos. O jornalista Roberto Gazzi, do Estadão, e o repórter José Roberto Burnier, da TV Globo, falaram sobre as experiências malsucedidas que viveram no exercício da profissão. O tema foi abordado durante o último dia do 11º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, realizado em São Paulo na última semana.
Para os dois profissionais tarimbados, deslizes e dificuldades estão sempre à espreita. Gazzi contou que, em sua trajetória, trabalhou em diversas redações de veículos impressos, onde o erro está sempre presente. O caso mais marcante de sua carreira foi o da Escola Base, exemplo utilizado, inclusive, como referência quando o assunto é responsabilidade da imprensa diante de fatos chocantes.
Em março de 1994, em São Paulo, duas mães denunciaram os donos de uma escola infantil, um motorista do transporte escolar e um casal de pais de um aluno por abuso sexual. A acusação foi aceita pelo delegado e noticiada como furo de reportagem pela TV Globo. A imprensa passou a cobrir o caso em que os protagonistas eram crianças de quatro anos – e o delegado passou do anonimato às manchetes dos jornais.
“Eu e a grande imprensa erramos neste caso. Na época, eu era editor de ‘cidades’. Estávamos a uma hora do fechamento, quando soubemos da grave denúncia. A história parecia pouco provável, mas veio de um repórter que tinha credibilidade. A história não foi manchete do caderno, mas soubemos que o inquérito realmente existia e, por isso, publicamos”.
Com 37 anos de carreira, Gazzi aponta que quase toda a imprensa embarcou na história. Após o primeiro momento, o Estadão formou equipe para apurar o caso e deu manchete de entrevista com os acusados. “Pouco depois, todos viram o erro gravíssimo que tinham cometido. Mas já estava feito, e todos os jornais e emissoras foram condenados”, disse.
Burnier se declarou muito à vontade de falar sobre erros, pois – segundo ele – estes estão sempre ao seu lado e são seu guia no exercício do jornalismo. Na época da cobertura do caso da Escola Base, ele atuava como editor-chefe e apresentador do ‘Bom dia SP’, já na TV Globo. No congresso da Abraji, ele afirmou que, desde o primeiro momento em que soube da denúncia, a história lhe causava “frio na espinha”. Para o jornalista, o erro em questão “é uma cicatriz que todos os profissionais carregam”.
Após abordar o grande erro da imprensa com os donos da Escola Base, os jornalistas falaram sobre as lições que aprenderam. Gazzi afirmou que é fundamental, antes de publicar notícia tão chocante, ter esquema melhor de apuração e refletir o máximo possível sobre quais as possíveis consequências da publicação.
“Também é preciso aproximar a redação do jurídico. Sei que muitos jornalistas fogem disso, mas para falar de um assunto delicado como o noticiado em 1994, é preciso entender a legislação. Outro ponto importante é discutir a pauta com os colegas. Às vezes, um ponto de vista diferente pode salvar o veículo de um erro”, declarou o profissional do Estadão.
Burnier destacou que, apesar de evitar equívocos, os repórteres não devem temer o erro e, quando cometerem algum, admitir. Segundo ele, não adianta focar na busca por uma notícia exclusiva. É preciso, conforme avaliou, apurar muito bem antes de publicar qualquer notícia. “O furo é um êxito na carreira do jornalista. Mas não é o único. Se há uma coisa que atrapalha muito nossa profissão é a ansiedade. Ela não deixa você ver o que está acontecendo na sua frente”.
Para o representante da Globo, o repórter é a principal figura do jornalismo e todo profissional da imprensa tem que agir como tal. Ele acredita que o jornalismo de qualidade é feito com investigação séria e muito bom senso. “É saber que há hora certa para tudo, é olhar para onde ninguém está olhando. É ir passo a passo, aprendendo com que sabe, e nunca paralisar diante do erro. Mas sim, considera-lo estímulo para continuar na profissão”, finalizou Burnier.
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