Assistindo à emissora de tevê em que os brasileiros mais se ligam, vejo a repórter, que está em frente ao distrito policial onde foi registrada a ocorrência sobre a qual a repórter está falando, dizer “47 DP”, isso mesmo, quarenta e sete, porque, assim como oito entre dez pessoas, incluindo eu e, se duvidar, quem está lendo este texto, jornalista não sabe o nome dos números ordinais acima de dez, ou tem medo de não ser entendido se disser VIGÉSIMO PRIMEIRO (21.º), TRIGÉSIMO (30.º), QUADRAGÉSIMO SÉTIMO (47.º ), QUINQUAGÉSIMO (50.º), SEXAGÉSIMO (60.º), SEPTUAGÉSIMO ou SETUAGÉSIMO (70.º), OCTOGÉSIMO (80.º), NONAGÉSIMO (90.º), CENTÉSIMO (100.º), DUCENTÉSIMO (200.º), TRECENTÉSIMO ou TRICENTÉSIMO (300.º), QUADRINGENTÉSIMO (400.º), QUINGENTÉSIMO (500.º), SEXCENTÉSIMO ou SEISCENTÉSIMO (600.º), SEPTINGENTÉSIMO ou SETINGENTÉSIMO (700.º), OCTINGENTÉSIMO (800.º), NONINGENTÉSIMO ou NONGENTÉSIMO (900.º) e, para não ir até o infinito, MILÉSIMO (1.000.º), números cuja forma abreviada deve vir acompanhada de ponto (“.”) e, conforme a terminação, “o” ou “a”, detalhes estes para diferenciar a abreviatura de ordinal da de grau (“º”).
A fim de não deixar ninguém achar que ela estava falando grego ou que ela não sabia o nome dos problemáticos números, a jornalista que me inspirou a escrever este texto bem que poderia ter invertido a ordem das palavras, dito “distrito policial número 47”, mas para que ela se daria este trabalho se, grosso modo, ninguém sabe o nome dos números que a deixam em uma saia justa?
No mesmo dia, ouço, se não me engano, de uma pessoa entrevistada, o particípio passado irregular do verbo “pegar” – “pego” (ê), que continuo usando apenas com os auxiliares “ser” e “estar”–, sendo pronunciado como o presente do indicativo do mesmo verbo – “pego” (é). Como todos que já conjugamos o verbo “pegar” sabemos, a flexão da primeira pessoa do presente do indicativo é “pego”, com “e” aberto (é), como BETO, FETO, MELO, NETO, RETO, TETO e VETO. No particípio passado, “pegado” e, como “pegar” apresenta mais de uma forma no particípio, “pego”, com “e” fechado (ê), como CEDO, DEDO, GELO, MEDO e PEDRO. Mas, em matéria de pronúncia, nenhuma palavra me chama mais a atenção nos noticiários, inclusive radiofônicos, do que “recorde”, que os jornalistas da emissora global só falam à inglesa (“record”), como se estivessem proibidos de usar a forma portuguesa.
Aliás, até eu descobrir que a sexagenária Record tem este nome porque antes de 1953, quando foi fundada, era uma casa de discos (“records”), ficava me perguntando por que o nome da concorrente da Globo é falado à francesa. História à parte, perto da troca do substantivo “perda” pela forma verbal “perca” (“Ver este programa é perca de tempo”), ou o contrário (“Tomara que ele não perda o ônibus”), a pronúncia do “pego” do passado pela pronúncia do “pego” do presente é café-pequeno.
*Edson de Oliveira. Revisor de textos há mais de 20 anos, corrigindo principalmente legendas de vídeo, transcrição de áudio e textos jornalísticos, é editor dos blogues EFMérides e Blogue da Revisão.
Quem tem medo de escrever “coco”?
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