O sabor do saber – artigo de Tom Coelho

A educação perdeu o sabor. E é curioso constatar isso quando desvendamos pela etimologia que as palavras sabor e saber têm a mesma origem no verbo latino sapare.

Apagão de mão de obra, vagas de estágio que não conseguem ser preenchidas, desqualificação profissional. Tudo isso é reflexo da crise de nosso modelo educacional, indicando um abismo entre o que as escolas entregam e o que as empresas demandam. A academia está distante e desalinhada do mundo corporativo.

É indiscutível que devemos promover uma “cruzada pela educação”. Vender a ideia da educação para o Brasil, colocando-a como prioridade, ao lado da saúde e da ciência e tecnologia, nas discussões orçamentárias e de planejamento estratégico nacional. Criar o conceito de responsabilidade educacional e infligir com a perda do mandato prefeitos que desviam recursos das salas de aulas para a construção de estradas e outras finalidades que lhes conferem capital político mais imediato. E investir no docente, sua formação e sua remuneração, pois a chave da boa escola é o professor.

Todavia, mesmo diante de toda esta breve argumentação, minha conclusão mais precisa é que o problema da educação está na escola que ficou chata, perdeu a graça, não acompanhou a evolução do mundo moderno. O aluno não vê aula, quando vê não presta atenção, não se aplica nos deveres de casa e vai mal nas provas. Lembra-me aquela máxima marxista: uns fingem que ensinam, outros fingem que aprendem. Esqueceram-se apenas de avisar ao mercado desta combinação.

São estes alunos que serão reprovados num simples processo seletivo. E serão eles que, gerenciando companhias ou decidindo empreender um negócio próprio, engordarão as já elevadas estatísticas de insucessos empresariais.

A educação perdeu o sabor. E é curioso constatar isso quando desvendamos pela etimologia que as palavras sabor e saber têm a mesma origem no verbo latino sapare. O conhecimento é para ser provado, degustado. É como se a cabeça (o estudar) estivesse em plena consonância com o coração (o gostar).

Cozinhando palavras

O que me faz avançar madrugada adentro postado diante de uma tela, digitando em um teclado, com música ao fundo e pensamento ao longe, produzindo artigos como este? A resposta está no desejo de escrever um texto que traga prazer ao leitor tal qual o banquete preparado por um cozinheiro a seus convidados.

Todo escritor tem duas fontes de inspiração: uma musa e outros escritores. Minha musa é o próprio mundo, uma obra de arte, um livro dos mais belos para quem o sabe ler. Já meus “padrinhos” são tantos que não posso colocar-me a relacioná-los. Acabariam as laudas, faltaria paciência ao leitor e eu incorreria invariavelmente no pecado capital da negligência, deixando de citar nomes por traição da memória.

Rubem Alves é um destes nomes. Vem dele a inspiração desta metáfora que envolve escritores e cozinheiros. Minha cozinha fica numa sala. Minha bancada é uma mesa. Meu fogão é um computador. Minhas panelas são minha cabeça. Meus ingredientes são as palavras. Vou selecionando-as, misturando-as e provando de seu resultado. Saboreio com os olhos e cuido para que temperos em excesso não comprometam outros sabores.

Há dias em que estou tomado pela culinária italiana. Então produzo textos encorpados que alimentam a consciência e que pedem uma taça de vinho tinto, cor de sangue, de contestação. Corpo e sangue. São os momentos de questionamento da ordem, este prazer da razão, banhado pela desordem, esta delícia da emoção.

Em outros dias, sinto-me inspirado pela cozinha francesa. É quando me torno econômico no uso dos ingredientes, mas extravagante no uso dos temperos. É quando surgem os textos mais leves na forma e mais profundos em seu conteúdo, convidando todos a uma demorada reflexão.

Assim sucedem as semanas, sucedem os artigos. A cada semana um prato novo. Alguns nascem naturalmente, demandam pouco tempo de cozimento. Outros, por sua vez, ficam dias no forno. Consomem quantidade incrível de palavras. Letras que vêm e que vão. Chegam mesmo a queimar os dedos, mas finalizá-los tem seu propósito ao imaginar a satisfação de quem os lerá estampada no brilho dos olhos, no sorriso de canto de boca.

Assim entrego-me a este ofício, marchando pitagoricamente com o pé direito para as minhas obrigações e com o pé esquerdo para os meus prazeres, tendo a certeza de que o escrito com esforço será lido com apreciação.

Paul Valéry dizia que um homem feliz é aquele que, ao despertar, reencontra-se com prazer, reconhecendo-se como aquele que gosta de ser. Saber o que se é e o que se deseja ser: quanto sabor há nisso!

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Anderson Scardoelli

Jornalista "nativo digital" e especializado em SEO. Natural de São Caetano do Sul (SP) e criado em Sapopemba, distrito da zona lesta da capital paulista. Formado em jornalismo pela Universidade Nove de Julho (Uninove) e com especialização em jornalismo digital pela ESPM. Trabalhou de forma ininterrupta no Grupo Comunique-se durante 11 anos, período em que foi de estagiário de pesquisa a editor sênior. Em maio de 2020, deixou a empresa para ser repórter do site da Revista Oeste. Após dez meses fora, voltou ao Comunique-se como editor-chefe, cargo que ocupou até abril de 2022.

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