As grandes e profundas transformações vividas nas últimas três décadas, com a acelerada expansão das tecnologias da informação, afetam toda a sociedade, em todo o planeta. O mundo da comunicação social virou de ponta cabeça. As novas gerações digitais trafegam na construção de um universo centrado na conectividade, na produção e consumo de informações rápidas, breves e superficiais, geralmente.
A palavra crise tem sido constante empregada para qualificar tais mudanças que chegam a ser radicais. E ela afeta todas as formas de comunicação, tanto a interpessoal, que virou refém dos celulares, como a social, moldada pelas redes sociais, sites e blogs.
Nesse universo, o jornalismo e os jornais enfrentam a tormenta com medidas que, pouco a pouco, vão desvendado resposta sobre como superar as contradições e conflitos que constrangem e atingem as mais diversas profissões e atividades. Contudo, a resiliência sobre as mudanças tecnológicas é inerente à capacidade humana em inventar, criar e se adaptar para tirar o máximo que pode daquilo que domina.
Assim, a questão maior não é propriamente o impacto tecnológico sobre a sociedade e sim as alterações comportamentais, culturais e as novas crenças que dele derivam e se viralizam sem qualquer conexão com a factualidade. O imaginário enriquecido pela polarização das ideias encontra nas redes o ambiente para se propagar e desdizer o mundo. É a pós-verdade e a fraude noticiosa que empurram milhões a crer em ilusórias mensagens como se fossem ideias absolutas. No subterrâneo das redes, crackers e hackers alimentam informações diversas, artificiosas e carregadas de intenções manipuladoras. Como combater essa poderosa munição informativa que atinge de morte as verdades sobre os fatos?
O jornalismo é um das importantes ferramentas de defesa contra as fraudes, o ilusório e as mentiras que tomam conta do imaginário de tantos. O mal das informações fraudulentas é que quem as toma como verdadeiras incorre em erros, falha em projetos e sucumbe ao ridículo por não se sintonizar com a realidade cotidiana.
O modelo de sociedade líquida proposto por Zygmunt Bauman ajuda a entender como as informações se moldam ao interesse e ao sentimento de quem a produz ou a consome, numa reação de brevidade impermeável à reflexão. Alguns estudos recentes sobre o ecossistema digital apontam um caminho de regresso às sociedades da era anterior à imprensa. As informações trafegam em fluxos de modo efêmero, sem enraizamento algum. Apesar da sofisticada tecnologia digital, o costume é nostálgico de um passado remoto. É exatamente a invenção da imprensa de Gutenberg, no século XV, a expansão da impressão dos livros e a criação dos periódicos que superam aquele estado permeado pela ignorância e pelo misticismo para a Europa ingressar na Modernidade. E o jornalismo passou, então, a se desenvolver para cumprir um papel essencial, mesmo com erros e fragilidades de qualquer projeto humano.
Os jornais são fundamentais para espantar a ignorância cotidiana que acomete legião de indivíduos que pouco leem ou que desprezam a leitura. Nenhum país com alta qualidade de vida conquistou tal status sem a leitura, sem livros, sem jornais. Mesmos os erros e absurdos publicados em periódicos diversos são pouco frente às notícias procedentes, elaboradas com esmero por milhares de profissionais. A relação entre a leitura de jornais e o índice de qualidade de vida é decisiva para entender como o jornalismo contribui para melhorar as condições sociais.
Os jornais ainda detêm um bom nível de credibilidade entre os brasileiros. Mesmo quando criticados, muitas vezes verifica-se a improcedência de acusações oriundas de quem pouco conhece o processo noticioso.
Thomas Jefferson, um dos pais da nação norte-americana, dizia que era preferível uma sociedade sem governo do que sem jornais. A radicalidade da afirmação contempla um senso crítico e em favor da imprensa e da notícia publicada como organismos fundamentais numa sociedade política, democrática, de cidadãos livres. Mesmo com a presença ostensiva das redes sociais no dia a dia de milhões de brasileiros, os jornais se constituem em ilhas de esclarecimentos. É evidente que também respeitados sites e blogs noticiosos contribuem para adensar o debate e oferecer maior compreensão sobre fatos complexos para segmentos de sujeitos que preferem a informação rasteira, breve, manchada pelo preconceito, pelo clichê.
Jornalistas formados são profissionais preparados para detectar nas nuvens aquilo que tem relação com os fatos, de modo a filtrar e a eliminar a poluição de mensagens improcedentes, produzidas por algoritmos cujos autores agem com más intenções. Ler jornais, em qualquer plataforma, física ou virtual, implica em compromissos com o noticiário que esculpe o cotidiano. Quem lê dispõe de recursos mais rigorosos para enfrentar a trama conturbada de uma sociedade conflitiva.
Cada vez mais, os jornais e o jornalismo são bases para contribuir com a ampliação do conhecimento sobre os atos dos governantes e assim oferecer ao cidadão condições para que possa cobrar, exigir e até mudar os rumos de um governo. As informações breves, toscas e superficiais, ao contrário, servem a quem está descompromissado com a cidadania, mesmo quando há um grave desprezo pelas instituições governamentais. Seja na Europa, na América ou mesmo na Ásia, a presença dos jornais é decisiva para medir o desenvolvimento e a riqueza de uma sociedade. O Brasil precisa se empenhar mais para aperfeiçoar o jornalismo e estender a produção e a leitura de jornais.
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Por Marcel J. Cheida. Jornalista e professor de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas).
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