A partir desta quarta-feira (8), o público carioca e os visitantes da cidade têm uma oportunidade única de conhecer – ou rever – uma parte expressiva do mais importante acervo de arte da América Latina: o do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Como resultado de uma parceria inédita, o Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro (CCBB Rio) inaugurou ontem (7), para convidados, a exposição Entre Nós – a figura humana no acervo do Masp, que apresenta obras de alguns dos maiores nomes da arte mundial, como Rafael, El Greco, Francisco de Goya, Amadeo Modigliani, Vincent Van Gogh, Pablo Picasso e Edgard Degas, e da arte brasileira: Almeida Júnior, Anita Malfatti, Victor Brecheret, Cândido Portinari e Lasar Segall, entre outros.
São mais de 100 obras que têm como traço comum a representação da figura humana, tema recorrente na coleção do museu paulista. Ao longo da história da Arte, ela foi um meio de demonstração de poder do clero e da aristocracia, da adoração de deuses e santos, da mimetização do real, da transformação da sociedade e da própria arte nos séculos 19 e 20.
“O interesse por retratar a si mesmo ou ao seu semelhante está na própria origem do fazer artístico. Ao se representar, o ser humano dá conta da sua finitude e registra sua passagem pela Terra, como um desafio ao tempo”, explica Rodrigo Moura, um dos curadores da mostra, juntamente com Luciano Migliaccio.
Abrangência da mostra
A seleção que os dois fizeram para a mostra abrange um arco histórico que se inicia entre os anos 900-1200 D.C., com as peças pré-colombianas, e vai até os dias de hoje. As obras estão apresentadas em cinco núcleos, cada um representando um diferente uso da imagem da figura humana na obra de arte, desde o religioso, passando pelo retrato e indo até os exercícios mais formais por parte dos artistas.
“A exposição busca justamente propor a fricção dos tempos e das escolas e desarticular a hierarquia convencionalmente praticada pela história da arte que privilegia uma visão ocidental e eurocêntrica”, ressalta Moura. O primeiro núcleo abre com peças do acervo que reúnem as mimetizações do sagrado na arte da Europa Medieval, da África e da América pré-colombiana.
Da Europa pré-renascentista, a mostra traz como destaque a Ressureição de Cristo (1499-1502), de Rafael, obra que o destacou entre os artistas de seu tempo. As telas desse núcleo dialogam com a escultura Sant’Ana e a Virgem criança, criada no século 18 por um escultor baiano desconhecido, e esculturas da divindade Yorubá, presente em tribos da região do Congo e da Nigéria.
O Renascimento, momento em que a pintura se volta para a busca do humano na construção de um caráter exemplar, está representado nas obras de artistas holandeses como Frans Hals e Anton Van Dyck. O pintor e gravador espanhol Francisco Goya y Lucientes está presente com Retrato da condessa de Casa Flores (1790-1797) em diálogo com A educação faz tudo (1775-1780), do francês Jean-Honoré Fragonard.
As obras, em composição com dois dos principais nomes da pintura acadêmica brasileira do século 19 – Interior com menina que lê (1876-1886), de Henrique Bernardelli, e O pintor Belmiro de Almeida (século 19), de José Ferraz de Almeida Junior – evocam o surgimento do Iluminismo europeu e a busca por um ideal civilizatório brasileiro durante o Segundo Reinado.
A partir dos séculos 19 e 20, a mimetização do humano, meio pelo qual se trabalham a sensibilidade da cor e da forma, está presente em trabalhos como Rosa e azul – As meninas Cahen d´Anvers (1881), de Pierre-Auguste-Renoir, e O negro cipião (1866-1868), de Paul Cézanne, que sintetiza os aspectos da pintura moderna. Outro destaque é Busto de homem (O atleta), de Pablo Picasso (1909), obra que questiona de maneira provocadora os gêneros e limites da tradição pictórica com a figura de um lutador – provavelmente publicada em jornal.
Desta época, a mostra traz, ainda, obras emblemáticas de Vincent Van Gogh, A arlesiana (1890); Paul Gauguin, Pobre pescador (1896); Pierre Bonnard, Nu feminino (1930-1933); Amadeo Modigliani, Retrato de Leopold Zborowski (1916-1919), e uma série de esculturas de Edgar Degas que mostram a evolução dos movimentos de uma bailarina.
Moderno e contemporâneo
O modernismo, que marcou a instituição de uma nova identidade nacional, por meio do abandono do academicismo e da exploração de novas temáticas, está representado por trabalhos de nomes referenciais do movimento, como Anita Malfatti (Retrato de Tarsila), Cândido Portinari (São Francisco) e Flavio de Carvalho, com o Retrato de Assis Chateaubriand, o criador do Masp.
As marcas dos intensos conflitos sociais e políticos do início do século 20 estão nas telas do pintor e muralista mexicano Diego Rivera, O carregador (Las Ilusiones), 1944, e Guerra (1942), de Lasar Segall, imigrante judeu da Lituânia que se muda para o Brasil no início do século 20. Este também é o caso do ítalo-alemão Ernesto de Fiori (Duas Amigas) que deixa a Alemanha fugindo da repressão nazista e se torna um nome influente do modernismo brasileiro dos anos 30 e 40.
Um dos artistas mais importantes do modernismo brasileiro, o escultor de origem italiana Victor Brecheret, criador do Monumento às Bandeiras, marco das celebrações do quarto centenário de São Paulo, está representado por seu Autorretrato (1940).
Artistas contemporâneas também integram a mostra, reforçando a proposta do Masp de estar aberto a novas mídias, suportes e linguagens da arte. Um exemplo é o vídeo Nada É (2014), do artista Yuri Firmeza, que mostra diferentes momentos da história da cidade de Alcântara, no Maranhão, e a documentação da Festa do Divino.
Também não foi deixado de lado na seleção o acervo fotográfico do museu, que engloba a coleção Pirelli MASP, com trabalhos de fotógrafos brasileiros ou que possuam ligações com o Brasil. É o caso da fotógrafa de origem suíça Claudia Andujar, com série Yanomami (1974), resultado de longos períodos de imersão nesta cultura indígena.
Há 60 anos não era feita uma grande exposição do acervo do museu paulista no Rio de Janeiro. Em 1957, foi trazida à cidade a primeira mostra de obras do Masp, que tinha passado antes pelo Museu de L’Orangerie, em Paris, pela Tate Gallery, em Londres, e pelo Metropolitan, em Nova Iorque.
“Trazer essa coleção à cidade é uma maneira de dar acesso a um público maior a esse que é o um dos maiores patrimônios do povo brasileiro”, acentua o curador. Já o diretor de Operações do museu, Lucas Pêssoa, destacou a importância da parceria firmada com o CCBB, “referência no cenário cultural brasileiro e que está entre as dez instituições culturais mais visitadas do mundo”.
A exposição seguirá ainda para os CCBBs de Belo Horizonte, em abril, e de Brasília, em julho. No Rio, fica em cartaz até 10 de abril, e pode ser vista de quarta-feira a segunda-feira, das 9h às 21h, com entrada gratuita. O CCBB Rio fica na Rua Primeiro de Março, 66, no Centro do Rio de Janeiro.
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