Pesquisa da Ancine revela pequena presença feminina no audiovisual

A Agência Nacional do Cinema (Ancine) reconheceu a baixa participação de mulheres no audiovisual e estuda ações para equilibrar a concessão de financiamento público. Segundo levantamento inédito da própria Ancine, das 2.583 obras audiovisuais registradas ano passado na agência apenas 17% foram dirigidas e 21% roteirizadas por mulheres, embora mais da metade da população brasileira seja feminina.

A pesquisa foi feita apenas em obras comerciais do chamado conteúdo de espaço qualificado, que exclui produções jornalísticas, esportivas e publicidade, por exemplo. Assim como no cinema ou na TV, predomina o olhar masculino, afirmou a agência.

“[Os dados] nos levam a entender que a construção das narrativas, que vêm dos roteiristas e dos diretores, por mais que os produtores participem, é dos homens. O olhar que vai construir o imaginário de nossa sociedade e novas gerações, é masculino”, acrescentou a diretora da Ancine, Debora Ivanov, durante a apresentação do estudo, no Seminário Internacional Mulheres no Audiovisual.

Índices

O evento foi realizado na quinta-feira, 30, no Rio de Janeiro, e contou com a apresentação de experiências do Canadá e da Suécia para promover a paridade.

De acordo com o levantamento, as mulheres têm uma presença maior entre os produtores (41%) e diretores de arte (58%). Entre os diretores de fotografia, chegam apenas a 8%.

Em vez de mostrar uma evolução natural da presença feminina no audiovisual, a Ancine surpreendeu ao revelar queda. Em 2015, mulheres dirigiram e roteirizaram 19% e 23% das obras de espaço qualificado, números que diminuíram para 17% e 21% em 2016. Nos últimos oito anos, conforme o balanço, os índices flutuaram. Mulheres dirigiram 10% dos filmes em 2014, sem nunca ultrapassar 24% de todas as produções, recorde observado em 2012.

Paridade

A agência também constatou que, quanto mais cara a produção, menor o número de mulheres. “Observamos mais mulheres quando é um curta ou média-metragem, porque são mais baratos. Nossa presença é maior no documentário que na ficção, o que corrobora a visão de que em obras de custo menor temos mais oportunidades”, lembrou Debora.

Para mudar o cenário, a diretora informou que a agência adotou a paridade de gênero nas comissões de avaliação dos filmes que concorrem ao Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), com a presença de pelo menos uma pessoa negra. Outro passo para facilitar o acompanhamento é a obrigatoriedade de autores autodeclararem o gênero ao registrarem as obras. O monitoramento da identidade étnico-racial não foi confirmado dessa vez.

Mulheres negras

O levantamento da Ancine não soou como novidade no setor. Pelo menos desde 2014 pesquisas revelam a ausência de mulheres e de negros no cinema nacional.

Dados atualizados do Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (Gemaa), vinculado ao Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj),  que acompanha o tema, mostram que mulheres negras não dirigiram ou roteirizaram um filme sequer entre os de maior bilheteria no período de 1995 a 2016. O percentual de homens negros nas duas categorias não passou de 2% na direção e 3% no roteiro, enquanto homens brancos dirigiram 85% e roteirizaram 75% das principais produções nacionais.

Realizadoras negras reforçaram no seminário a necessidade de se criar medidas específicas para garantir pluralidade de falas e olhares.

“A gente tem urgência de transformação e as políticas públicas não caminham nessa velocidade. Estamos incomodadas. A gente não pode ser 24% da população (mulheres negras) e não estar representada”, disse a diretora do Fórum Itinerante do Cinema Negro e doutora em História, Janaína Oliveira.

“Existem dados [sobre mulheres negras no audiovisual], precisamos desses dados. Precisamos avançar. Se formos esperar  o formulário da Ancine incluir raça, terão se passado 15 anos”, criticou.

Coletivo

Segundo Janaína, apesar disso, mulheres negras estão produzindo, especialmente curtas e webséries. Ela destacou a participação da realizadora negra Yasmin Thayná no festival de cinema de Rotterdam, um dos mais importantes do mundo, ao lado do ganhador do Oscar, Jerry Benkins, e que quase não repercutiu no Brasil.

O Coletivo Vermelha, criado em 2014, após divulgações das primeiras pesquisas sobre ausência de mulheres no audiovisual, avaliou que as disparidades são reflexo da sociedade e propuseram uma lista de ações para enfrentá-las

“Por que a classe cinematográfica aceita a regionalização e tem tanta resistência à paridade de gênero?”, questionou Caru Alves de Souza. “As narrativas e imagens ajudam a construir identidades, formar valores e comportamentos. Existe uma responsabilidade de quem cria, financia, repercute e de quem escolhe“, completou Manoela Ziggiatit. Elas leram um manifesto durante o seminário.

Outra realizadora de cinema e TV, Renata Martins, aproveitou o evento, ao lado da diretora de Bicho de Sete Cabeças, Laís Bodanzky, para apelar aos colegas do setor e cobrar diversidade nos sets. “Chamo as mulheres brancas, especialmente. Dos homens brancos, não espero muito. Esse convite é para a gente pensar nossa equipe, nossa sala de criação, com quem estamos fazendo nossas trocas [profissionais].” Renata é pós-graduada em linguagens e artes pela Universidade de São Paulo e idealizadora da websérie de sucesso Empoderadas.

Elenco

Apresentada pela cientista política Marcia Rangel Candido, a pesquisa do Gemaa,  com os filmes de maior bilheteria e que dominam o mercado, também avaliou a participação de mulheres nos elencos. O resultado é que a cada 37 homens brancos, uma mulher negra aparece, mas não em posição de prestígio.  “A representação de mulheres negras quando estão protaganizando,  é estereotipada, hiperssexualizada”, afirmou a cientista.

A Ancine respondeu que está atenta “à interseccionalidade” e vem fazendo avanços. “Conseguimos incluir no planejamento para os próximos 4 anos o compromisso de se dedicar a questões de gênero e raça em todas ações de fomento”, disse Debora Ivanov.

O Ministério da Cultura, por meio da Secretaria do Audiovisual, também pretende lançar, em abril,  a 2ª edição do edital Carmem Santos, que dará bônus a propostas de curtas-metragens apresentadas por mulheres. Devem ser distribuídos R$ 60 mil para 15 projetos.

Repórter: Isabela Vieira
Edição: Armando Cardoso

*Colaborou Tâmara Freire, do Radiojornalismo
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Agência Brasil

Agência pública de notícias criada em 1989, logo após a incorporação da Empresa Brasileira de Notícias (EBN) pela extinta Empresa Brasileira de Comunicação (Radiobras). Em 2007, com a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que incorporou a Radiobras, passou a integrar o sistema público de comunicação.

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