As condições de trabalho dos jornalistas estão se deteriorando. É o que revelam dados da pesquisa “Perfil do Jornalista Brasileiro 2021”, divulgados neste mês. Um conjunto de indicadores mostrou como as condições de trabalho afetam a vida e a saúde de jornalistas que atuam nas redações, nas universidades ou estão fora do mercado de trabalho. A iniciativa da Rede de Estudos sobre Trabalho e Identidade dos Jornalistas (RETIJ/SBPJOR) realizou enquete em rede com profissionais de todas as Unidades da Federação e do Distrito Federal, além de coleta de dados on-line, por telefone e e-mail.
O estudo conseguiu coletar 7.029 respostas, no período entre 16 de agosto a 1º de outubro deste ano; deste total, após o saneamento dos dados, restaram 6.594 respostas válidas. O plano amostral nacional tem 3.100 respondentes, e a margem de erro é menor de 2%, com 95% de grau de confiança.
A pesquisa, cujo objetivo é investigar e mensurar quantos e quem são os jornalistas brasileiros, identificou, dentre os indicadores de saúde laboral, que 66,2% dos profissionais se sentem estressados no trabalho, sendo que 34,1% responderam ter sido diagnosticados clinicamente com estresse. Para se ter uma ideia de como o estresse é um componente de saúde agravado, pode-se comparar com o percentual de jornalistas que revelaram ter doenças ocupacionais como Lesões por Esforços Repetitivos e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (19,9%).
Os dados sobre assédio também se destacam no estudo: 40,6% dos jornalistas responderam já ter sofrido assédio moral no trabalho. O percentual de profissionais que já sofreram assédio sexual no emprego, violência que atinge em especial as mulheres, foi de 11,1%. Esse dado requer uma certa atenção uma vez que a categoria é formada majoritariamente por mulheres (58%), conforme apontou a pesquisa, e sobretudo em razão do tipo de ataque.
Uma pesquisa recente sobre o perfil racial da imprensa trouxe exemplos de como o assédio sexual se apresenta para as mulheres negras que atuam na redações. “Entrevistado ficava elogiando minhas pernas, minha boca e meu batom”, diz um dos depoimentos compartilhados pelo estudo liderado por Jornalistas&Cia e Portal dos Jornalistas.
Ainda de acordo com o “Perfil do Jornalista Brasileiro 2021”, 44,2% dos profissionais respondentes consideram que seus esforços no trabalho não são devidamente reconhecidos. Atreladas a essas questões, estão as formas precárias de contratação desses profissionais. Com a redução do volume de vínculos empregatícios pela CLT, 24% dos profissionais passaram a prestar serviços como freelancers, pessoa jurídica, MEI ou sem contrato. Além disso, uma parte significativa dos respondentes (42,2%) permanece trabalhando por mais de 8h por dia.
O pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador do Comitê de Pesquisa da RETIJ, Samuel Pantoja Lima, avalia que a reversão dos indicadores de saúde laboral dos profissionais deveria ser objeto de uma política pública específica, em uma ação tripartite, que envolva os trabalhadores, representados por suas entidades associativas e sindicais, os entes públicos da área do Trabalho e da Saúde e as organizações jornalísticas, sejam elas comerciais ou independentes.
“Não é algo que se resolva isoladamente. Os dados gritam questões muito graves: o excesso de jornada de trabalho é uma espécie de “bomba de efeito retardado” sobre a saúde dos jornalistas; é algo que não pode ser procrastinado pelas empresas e pelo Estado. O assédio moral é uma espécie de epidemia hoje. A saúde dos jornalistas pede socorro urgente. Não há espaço para médio nem longo prazo”, disse Pantoja Lima.
Segundo o pesquisador, “a deterioração dos indicadores de saúde laboral e os claros indicadores de precarização do trabalho produzem um resultado muito relevante sobre a qualidade final do conteúdo produzido e veiculado pelas organizações jornalísticas”.
A previsão é de que, até o fim deste ano, o relatório final da pesquisa, com o mapeamento das características sociodemográficas, políticas, de saúde e do trabalho dos jornalistas, seja fechado. Além de artigos científicos e outras produções acadêmicas, a coordenação do estudo planeja publicar, no primeiro semestre de 2022, um livro com os resultados nacionais que incluirá um comparativo com a edição anterior da pesquisa.
“Perfil do Jornalista Brasileiro 2021” é coordenada pelos Programas de Pós-Graduação em Jornalismo (PPGJOR) e Sociologia e Ciência Política (PPGSP) da UFSC e executada pelo Laboratório de Sociologia do Trabalho (Lastro) da mesma universidade.
O estudo conta com apoio institucional de Abraji, Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), ABI (Associação Brasileira de Imprensa), APJor (Associação Profissão Jornalista), SBPJor (Associação Nacional de Pesquisadores em Jornalismo) e Abej (Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo); e parceria da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação).
Confira aqui os dados que já foram divulgados.
*Texto originalmente publicado no site da Abraji.
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