“Porque ele pode. É um mito. E você, quem é?”, alguém pode ter pensado aí do outro lado mesmo sem ter lido o texto até o final.
Acalme-se, meu caro!
Busco ter cuidado em não expor percepções sem qualquer fundamento, e o intuito do texto que discorre abaixo é exatamente humanizar o homem do baú, colocando-o próximo a nós, meros mortais, inclusive com seus direitos e deveres no que diz respeito ao referir-se às pessoas de forma cortês e educada, pois isso é, indiscutivelmente, questão de valores e não dinheiro ou popularidade.
Dono de um carisma incontestável e uma história de superação inquestionável, Senor Abravanel (ou Silvio Santos para os mais íntimos) conquistou o coração dos brasileiros graças ao espírito empreendedor que o levou da sofrível vivência como camelô, para um desfrute merecido depois de tanta luta para se tornar dono do SBT e de tantas outras companhias consideradas bem-sucedidas.
Apresentador versátil, Silvio Santos inovou a televisão com sua forma de pensar à frente do próprio tempo, peitando ideias e bancando programas e quadros que se tornaram clássicos aos domingos, quando, desde sempre, invadiam nossas salas de casa com entretenimento de qualidade e voltado a toda família.
Ele tornou-se, ao longo de toda carreira, grande referência de ser humano que deu certo e que venceu sem pisar em ninguém, geralmente apontado como um homem generoso e genial por aqueles que tiveram o privilégio em conviver de um jeito mais íntimo.
Mas, se nem tudo são flores na vida de qualquer um de nós, anônimos banais, imagine para as figuras públicas que precisam lidar com julgamentos o tempo todo – independente do tamanho que tenha seu sucesso ou os triunfos acumulados com suor ao longo da carreira? Difícil.
E, obviamente, com Silvio Santos não é diferente, mesmo sendo ele o maior nome – vivo – da televisão desse país. Silvio acerta muito mais do que erra, e não é preciso enumerar os tiros que deu ‘na mosca’ para valorizar sua quase que impecável biografia, porque são eles que o fizeram ser o que é.
Entretanto, maximizar os acertos de uma pessoa não significa minimizar os equívocos, e me parece que esse tal “passar um pano” é o que acontece quando a pauta é Silvio Santos e suas peraltices, independente do que ele tenha feito em frente as câmeras.
Além da ‘torta de climão’ que causou recentemente tentando aproximar (de um jeito insistente e à lá Joselito) Maísa Silva de Dudu Camargo; de já ter feito a mesma Maísa chorar no palco ainda quando criança; ou, por exemplo, insinuar o desejo em fazer cenas de amor com Helen Ganzarolli em um filme, separei trechos que fugiram completamente do padrão SS de qualidade ao qual estávamos acostumados para deixar todos nós com cara de ‘EITA!’ diante da TV:
“Você está parecendo uma bichinha na novela”, disse o apresentador ao receber o ator João Guilherme Ávila, filho do cantor Leonardo;
“Você quer vir? Espera aí, porque vou ter que mandar reforçar o chão. Vai quebrar aqui”, falando para uma ‘colega de trabalho’ da plateia que estava um pouco acima do peso;
“O que você acha melhor: sexo, poder ou dinheiro?”, questionando uma criança durante seu show de calouros;
“Fica aqui na minha frente já que você quer se esfregar”, posicionando-se atrás de outra ‘colega de trabalho’;
Quando a atriz mirim Júlia Olliver disse que gostaria de ser atriz e apresentadora quando crescesse, ele disparou: “Com esse cabelo?”, referindo-se aos cachos crespos da pequena;
“Se o meu filho fosse homossexual eu não iria gostar”, comentou durante um de seus programas;
“Isso é enchimento, é silicone?”, perguntou ao ‘apalpar’ o bumbum de uma convidada do Teleton que representava modelos plus size;
“Você é muito graciosa. Embora seja a única negra entre as brancas, é bonita”, disse para uma das dançarinas do Teleton.
A pergunta que fica é: será que se todas essas gracinhas tivessem partido de qualquer outro apresentador, o mundo também levaria na ‘brincadeira’?
– Ah, mas o Silvio pode!
Discordo. Pode por quê?
O ‘tudo posso’ NÃO PODE, meus amigos; o ‘sem limites’ precisa sim TER LIMITES.
E isso não deve ser para um ou outro de acordo com a quantidade de fama e de dinheiro que se tem.
Aliás, celebridades formadoras de opinião e empresários que nadam no dinheiro são grandes influenciadores, e por serem um espelho para muitos devem se comportar de acordo com seu poder perante o povo, já que cada atitude ou palavra toma proporção gigantesca para o bem ou para o mal – e lá na frente, quem sabe, pode apresentar algum tipo de consequência.
Em suma: a responsabilidade é triplicada.
Entendo a ânsia do Silvio em viver como se não houvesse o amanhã, mas custo em compreender a relação que isso possa ter com o prazer em constranger convidados, plateia e elenco, produzir pegadinhas de mau gosto e/ou realizar piadas que possam soar machistas, homofóbicas e gordofóbicas.
Mesmo sem querer e mesmo que não haja intenção, imagino que a extroversão e a inconveniência andem praticamente de mãos dadas, e essa linha tênue por vezes escorre pelo pior lado do muro.
Apesar disso, quando se está entre amigos tudo bem, releva-se. No entanto, deve sim haver um cuidado maior quando você quer ser engraçadinho com alguém que nunca viu na vida ou que até já tenha visto, mas cujo grau de intimidade é nulo.
O nome disso é bom senso, e dependendo do quão em falta essa característica estiver dentro da pessoa, ela pode causar grandes danos ao futuro de terceiros, principalmente se essa ausência de discernimento partir de uma das pessoas mais famosas que existe.
Silvio é da geração pré-mimimi, sabe? Aquela em que o politicamente correto simplesmente não existia, porque tudo era levado na gozação.
Até concordo em partes que o mundo ficou mais chato em alguns aspectos mesmo. Porém, não posso esquecer de que meu direito termina quando começa o do coleguinha, então, é importante pensar para falar ou até para brincar quando não existir a menor liberdade para tal.
Aliás, até esse termo ‘geração mimimi’ também gera mimimi – e com certa razão.
Será mesmo que essa geração atual é excessivamente banhada em mimimi, ou na verdade é mais pensante e questionadora e por isso não encara com sorrisos amarelados brincadeiras que sempre foram de mau gosto, porém, nunca consideradas como tal?
Sou grande fã da história do Silvio há muitos anos, e sim, o respeito demais como maior nome dentro da televisão e fora dela como empresário a ser reverenciado.
Pelas entrevistas que já vi me parece uma pessoa simples e gente boa, e também acho incrível quando ele veste aquelas roupas extravagantes durante as férias de verão em Orlando (EUA), rsrs.
Mas é notório que criou-se uma blindagem tão latente em torno das atitudes de Silvio Santos, que a impressão mais coerente é de que as pessoas têm receio em levantar qualquer possibilidade de comentário negativo a ele por enxergá-lo como um herói intocável.
Não é autorizado propor raciocínio diferente ao já condicionado pelo senso comum a respeito dessa figura, pois é como se isso fosse uma audácia e nos tornasse pior entre os piores do mundo todinho.
Vivemos um paradoxo em que achamos natural escrachar um Faustão (que não deixou o convidado falar) ou um Galvão Bueno (que puxou exacerbadamente o saco do Neymar), mas não nos sentimos confortáveis em posicionar pensamentos contrários ao Silvio quando ele insinua que um garoto seja ‘bicha’ de forma irônica, por exemplo.
Não há coerência.
Ninguém ousa desaprovar Silvio Santos porque cultivamos o hábito em nos colocar sempre como inferiores a ele ou as demais celebridades, simplesmente por não termos a metade do que eles têm.
Ok. Mas não podemos esquecer de que não é porque Silvio Santos ou qualquer outra pessoa (famosa ou não) tenha vencido na vida que pode tudo, certo? Ou pode?
E você? E eu? E nossos pais? Não vencemos na vida todos os dias também ao pegar condução lotada com intuito de trazer o mínimo para a mesa dos filhos? Sim, vencemos!
Isso por acaso nos dá chancela suficiente para sermos mal educados, preconceituosos ou constranger o próximo? Creio que não.
Silvio, meu ídolo. Você é ‘só’ o patrão da porra toda. Mas dá uma segurada aí porque tá foda.
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