Para encontrar Lidiany Alves Brasil, a repórter Gabriela Pimentel, da TV Record, precisou ligar para todas as secretarias de administração penitenciária do país. Nem mesmo a família sabia onde estava a garota, manchete dez anos atrás quando, acusada de furto, passou 26 dias presa numa cela masculina no Pará. Quando soube que Lidiany estava em Santa Catarina, a repórter pagou do próprio bolso o primeiro voo a Florianópolis. Na cidade, acompanhou a moça aonde ela quisesse ir para contar sua história. O trabalho levou seis meses até que a reportagem “O inferno de Lidiany” estivesse concluída.
Assim como a série de Pimentel, outros trabalhos reconhecidos nesta edição do Prêmio Vladimir Herzog não chegariam ao conhecimento do público sem a persistência de seus autores. Em roda de conversa na terça-feira, 31 de outubro, no Tucarena, os vencedores dividiram com o público os bastidores de reportagem e os desafios de se fazer um trabalho premiado. A mediação foi do jornalista Paulo Oliveira e da conselheira da Abraji e professora Angelina Nunes.
O repórter André Borges, que em duas semanas apurou a reportagem “Cerco aos isolados” para o Estadão, não esperou a autorização da Funai (Fundação Nacional do Índio) para ir ao Vale do Javari, no oeste do Amazonas, região com a maior concentração de índios isolados do mundo. “Fizeram tudo para que eu não fosse”, disse durante a conversa. Após semanas de espera, conseguiu o apoio local de funcionários “comprometidos com a causa” e relatou as consequências do fim de ações de proteção do Governo Federal na região.
“Eu vou na raça”, afirmou. Para se sustentar e manter os cuidados com a saúde nas duas semanas em que esteve no lugar, Borges teve a orientação de guias indígenas e preparou e carregou o próprio alimento nas costas, ao longo das trilhas.
O principal desafio de Patrik Camporez, que escreveu o “Especial Quilombolas” para a Agência Pública, foi convencer os personagens a falar. Segundo ele, as comunidades do Sapê do Norte, extremo Norte do Espírito Santo, onde produziu a reportagem, tinham desconfiança da imprensa. Foi preciso tempo para mostrá-los que seu trabalho era sério.
Apesar de ser premiado pela Pública, veículo que tem sede em São Paulo, Camporez é capixaba e vivia no Espírito Santo quando fez a reportagem. Ele descobriu a pauta enquanto apurava outros assuntos para a imprensa local, e decidiu oferecê-la à Pública para atrair mais visibilidade para o tema.
O jornalista Thiago Reis, que lidera a equipe de dados do G1 e recebeu Menção Honrosa pelo “Mapa da homofobia em SP”, usou a Lei de Acesso à Informação para localizar os crimes cometidos por motivação LGBTfóbica nos últimos dez anos. Segundo ele, foram quatro meses para obter todas as informações que queria dos boletins de ocorrência.
Os dados do mapa, que o jornalista chamou de um “microcosmo” do real problema, foram obtidos por meio de documentos da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), que, segundo ele, tornou-se referência no tratamento de crimes cometidos contra a população LGBT paulista. No entanto, Reis afirmou que “é impossível conseguir estatísticas mais apuradas”, já que as agressões são subnotificadas, as notificações estão espalhadas pelas delegacias em São Paulo e homofobia não é crime na legislação brasileira.
Com uma reportagem que envolveu a coleta de dados “nos porões” da delegacia e entrevistas com personagens, Reis acredita que sua experiência “desmistifica” o jornalismo de dados, que “não se trata de apenas trabalhar com planilhas”. “Não adianta fazer uma reportagem assim se não tiver histórias para contar”, disse.
Já a repórter Angela Bastos, do Diário Catarinense, que venceu o PVH com a reportagem “Sozinhas: histórias de mulheres que sofrem violência no campo”, também relatou dificuldade em conseguir dados sobre a violência nas áreas rurais de Santa Catarina.
A ideia para a reportagem veio quando Angela percebeu o aumento no número de feminicídios naquelas cidades; apesar disso, para saber como era a vida antes de a tragédia acontecer, o caminho era ir até as personagens. “Não há dados”, contou a repórter. “E o que vimos, depois que chegamos ali, foi um cotidiano de violências, com o agravante do isolamento, da carência de serviços e do próprio machismo nos costumes.”
Repercussão
Após a publicação de “Sozinhas”, a violência contra as mulheres nas áreas rurais ganhou atenção na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, onde a bancada feminina tem realizado seminários regionais para se debater políticas nesse campo. Além disso, uma nova equipe de policiais que está se formando no estado tem estudado a reportagem para compreender como se dá a violência de gênero longe das cidades.
Uma sessão especial na Assembleia Legislativa também foi organizada na Paraíba após a divulgação da reportagem “Dar à luz a dor”, da Rádio CBN João Pessoa. O tema foi a violência obstétrica, conjunto de práticas médicas que martirizam mães e recém-nascidos no momento do parto. O jornalista Hebert Araújo decidiu investigar o assunto após a denúncia de um estudante da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) de que procedimentos desnecessários de episiotomia (corte na região muscular entre o ânus e a vagina) e outras irregularidades eram realizados cotidianamente no hospital universitário.
Bruno Della Latta, produtor do Fantástico e vencedor do PVH pela série de reportagens “Quem sou eu?”, foi outro repórter que, depois de insistir para conseguir pautar o tema da transexualidade na televisão, teve retorno positivo dos espectadores. A série atingiu o pico de audiência do programa, e Latta contou que viu as pessoas na rua melhorarem sua atitude em relação às pessoas trans.
Um exemplo foi um diálogo que Latta reproduziu entre dois funcionários de uma cafeteria, em que um repreendia o outro por tratar uma cliente, mulher transexual, pelo pronome masculino. “Você não viu a série do Fantástico no domingo?”, contou o produtor, imitando a conversa. “Não é ‘ele’ que você tem que dizer. É ‘ela’.”
Para quem deseja assistir a toda a conversa, a íntegra do evento está disponível neste link.