Opinião

Quem ensina jornalismo empreendedor na América Latina?

Quem ensina jornalismo empreendedor na Ibero-América? Estudo da SembraMedia encontrou poucos professores

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Por Carolina de Assis. Texto publicado originalmente no site do Knight Center de Jornalismo nas Américas

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O ensino de jornalismo empreendedor está presente em apenas 2,8% das faculdades e escolas de jornalismo na América Latina, enquanto esse mesmo índice é de 20% na Espanha.

Isso de acordo com o estudo mais recente da SembraMedia, uma organização criada em 2015 para fomentar o jornalismo empreendedor em espanhol.

“Há uma ampla margem para que as universidades comecem a incorporar este tipo de curso em seus planos de estudo”, disse Patricio Contreras, jornalista e professor chileno e responsável por iniciativas acadêmicas da organização, ao Centro Knight. Ele observa também que esta reduzida proporção “diz algo lamentável, que a formação de jornalistas não considera isto [o empreendedorismo] como uma habilidade a ser incorporada ao ethos e à identidade do jornalista”.

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“Os jornalistas na América Latina se consolidaram como profissionais que podem reportar, elaborar, produzir e distribuir histórias e conteúdos, mas dentro dessa definição ainda está excluída a ideia de que também podem contribuir a fortalecer o ecossistema de meios de comunicação”, avalia Contreras.

Em 3 de dezembro, SembraMedia lançou o estudo “Punto de Partida”, que olha para o “elo esquecido” do jornalismo empreendedor: os professores.

Entre os achados do estudo está que a maioria dos professores de jornalismo empreendedor em universidades na Ibero-América começou a dar aulas sobre o tema nos últimos seis anos e tem experiência prática no assunto, tendo eles mesmos já criado algum projeto relacionado a meios, jornalismo e comunicação. Entre seus principais desafios estão aproximar os alunos de uma mentalidade econômica e fazê-los entender a magnitude da transformação pela qual está passando o meio jornalístico.

“Há uma ampla margem para que as universidades comecem a incorporar este tipo de curso”

Mijal Iastrebner, cofundadora da SembraMedia, contou ao Centro Knight que ela e Janine Warner, também cofundadora da organização, se conheceram em 2014 dando aulas de jornalismo empreendedor e acreditando que estavam “sozinhas no universo”.

“Sentíamos que não havia um caminho marcado, mas sim que estávamos literalmente inventando materiais. Muitos dos casos de estudo eram dos Estados Unidos e da Europa, mas não encontrávamos casos de estudo na América Latina, e nos interessava a ambas trazer a realidade mais próxima a nossos alunos”, explicou Iastrebner.

Dessa inquietude surgiu SembraMedia, em 2015. O primeiro estudo da organização, “Punto de Inflexión” (“Ponto de Inflexão”), foi lançado dois anos depois, em julho de 2017, com entrevistas com 100 empreendedores de jornalismo digital na região. Agora, elas decidiram olhar para a educação da próxima geração de empreendedores no jornalismo, com o apoio da Google News Initiative.

SembraMedia lançou recentemente um estudo sobre professores de jornalismo empreendedor na Ibero-América (Imagem: reprodução)

“Na SembraMedia, tratamos de primeiro estudar o fenômeno e depois tomar ações concretas a partir dos achados das coisas que investigamos”, disse Contreras. “Janine e Mijal tinham a curiosidade de saber o que está acontecendo nas faculdades de comunicação e escolas de jornalismo em relação ao ensino de jornalismo empreendedor e tomamos a decisão de abordar este fenômeno a partir das experiências concretas de professores que abordam este tema em seus cursos.”

“Na SembraMedia, tratamos de primeiro estudar o fenômeno e depois tomar ações concretas’

Ele foi o responsável pelo estudo, que partiu de identificar professores de jornalismo empreendedor em língua espanhola na Ibero-América. Encontraram 59 deles – 11 na Espanha e os outros 49 na América Latina. Decidiram então entrevistar 25 professores, incluindo também Brasil e Estados Unidos entre os países analisados: Espanha, Argentina, Chile, Peru, Uruguai, México, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, Porto Rico, Estados Unidos e Venezuela.

Entre todos os professores entrevistados, 76% começaram a dar aulas de jornalismo empreendedor a partir de 2012. O mesmo percentual já trabalhou como repórter e 24% já trabalharam como editor em meios de comunicação. O grau de formação de 52% deles é mestrado e, de 36% deles, doutorado. Quase dois terços dos professores (64%) já participaram da fundação de um meio de comunicação, portanto têm experiência prática com o tema ensinado, e 80% já convidaram pelo menos um jornalista empreendedor para compartilhar sua experiência com os alunos.

O estudo também levantou dados sobre os cursos de jornalismo empreendedor ministrados pelos professores entrevistados: 92% deles são semestrais e estão em cursos de graduação, e 76% são disciplinas obrigatórias no currículo do curso de jornalismo ou comunicação.

Os professores apresentaram também sua avaliação da relação de seus estudantes com os cursos. Para 48% deles, o que mais motivaria os alunos é a possibilidade de criar algo próprio, com liberdade editorial e econômica, e para 28% dos professores seus alunos se interessam pela possibilidade de criar um meio alternativo aos já estabelecidos. Por outro lado, o que mais desanimaria os alunos são a falta de recursos econômicos para fundar um meio e a falta de capacidades para poder projetar e gerir um novo meio.

Patricio Contreras (Imagem: arquivo pessoal)

O desafio da mentalidade econômica

Para os professores, um dos principais desafios em sala de aula é a distância dos estudantes de jornalismo de uma mentalidade econômica, referente ao entendimento necessário para equilibrar financeiramente um projeto jornalístico ou entender aspectos básicos de contabilidade.

Iastrebner avalia que durante muito tempo não se falou de dinheiro em cursos de jornalismo. “Quando digo não falar de dinheiro, não é não falar de empreender, mas me refiro à cultura de não saber quanto ganha seu editor, ou a diferença geral do dinheiro que tem o dono do diário e o redator no fim do mês”, comenta. “Para o redator que ia para a rua, era um valor não saber absolutamente qual era o negócio do meio em que trabalhava, e este era um aspecto positivo.”

Ela conta que começou a dar aulas de jornalismo empreendedor em 2013 e que, ao tratar destes temas com seus alunos, “em reiteradas ocasiões as pessoas saíam da sala ofendidíssimas”. “Eram completamente contra falar sobre dinheiro enquanto jornalistas, e para mim sempre foi exatamente o contrário. O fato de não falar sobre dinheiro nos furtava real independência e critério sobre no que estamos nos metendo”, avalia.

Mas ela também observa uma mudança nos últimos anos, também fomentada pela explosão dos meios independentes digitais. “As novas gerações que saem para o mercado já têm olhares um pouco mais flexíveis em relação a modelos de negócio e vão entendendo que é necessário, ainda que não venham a ser os contadores de seus meios, compreender a lógica para tomar decisões de acordo.”

“[Os alunos] Eram completamente contra falar sobre dinheiro enquanto jornalistas”

Contreras observa que as universidades têm a oportunidade de gerar parcerias entre os núcleos de comunicação ou jornalismo e os de economia, administração e negócios.

“Se a sua faculdade de comunicação ou escola de jornalismo não têm os recursos necessários para formar e trabalhar uma mentalidade econômica nos estudantes, busque ajuda, procure outros que sabem fazê-lo, gere transferência de conhecimento e experiência”, sugere. “Se no jornalismo se entende hoje que a colaboração é chave nas redações, entre meios de comunicação e com o público, a colaboração no interior das universidades também deveria ser chave.”

Mijal Iastrebner (Imagem: divulgação)

Os professores também relataram a dificuldade de seus estudantes em entender a magnitude da transformação pela qual o jornalismo tem passado na última década. Este entendimento é crucial para que os alunos sejam capazes de compreender a importância de tratar de jornalismo empreendedor em sala de aula, disseram alguns entrevistados.

As habilidades aprendidas nas aulas de jornalismo empreendedor, inclusive, não servem apenas para empreender, mas também para “apresentar propostas aos meios em que trabalham e gerir suas carreiras como freelance”, lembrou Iastrebner.

Um modelo de rendimento e uma rede para os professores

A partir do que compartilharam os professores, o estudo propõe um modelo de rendimento no ensino de jornalismo empreendedor na Ibero-América. Um quinto dos professores entrevistados pela equipe de SembraMedia alcançou o mais alto rendimento segundo o modelo. Eles são os que mais incorporaram conteúdo e conceitos básicos sobre jornalismo empreendedor a suas aulas, os que mais publicaram artigos e livros sobre o tema e cujos estudantes iniciaram projetos próprios de jornalismo a partir do que exploraram nos cursos.

Por outro lado, os professores que estão mais distantes do rendimento modelo têm em comum o fato de que não têm experiência prática com o jornalismo empreendedor e têm menos anos no ensino do tema.

“Notam-se os resultados que alcançam os professores que tiveram experiências como empreendedores”, observa Iastrebner. “Portanto acreditamos que há uma oportunidade para potencializar se mais empreendedores de meios passassem a dar aulas em universidades. Provavelmente teríamos alguns mais empreendedores de meios digitais e mais preparados, pois aquele [professor] que teve a experiência prévia já cometeu erros, já conheceu o lado negativo de alguns experimentos e pode passar este conhecimento a seus alunos.”

“Acreditamos que há uma oportunidade para potencializar se mais empreendedores de meios passassem a dar aulas em universidades”

Esta, inclusive, é uma das recomendações do estudo, que também propõe, entre outras sugestões, que os professores e as faculdades estabeleçam laços com o ecossistema de empreendedorismo em geral, gerando transferência de conhecimentos, tecnologias, redes e oportunidades aos docentes e aos alunos.

A criação de uma rede de professores de jornalismo empreendedor na Ibero-América é um dos objetivos do projeto, que traz em seu site uma página dedicada a conectar estes profissionais.

SembraMedia criou um mapa de professores na Ibero-América que ensinam jornalismo empreendedor (Imagem: reprodução)

“Esperamos que [a rede] lhes sirva para trocar informações, organizar eventos, pensar em metodologias conjuntas, armar casos de estudo que possam servir para todos”, disse Iastrebner. “A ideia é que SembraMedia seja a ‘matchmaker’ entre os professores, e que estes professores encontrem uma forma de governança interna, apoiados e facilitados por SembraMedia.”

Para a cofundadora da organização, estes profissionais ocupam um lugar central no jornalismo empreendedor que segue em efervescência na região. “Me parece realmente um bom momento para destacar o trabalho que muitos professores estão fazendo de maneira autogerida e autodidata, o que me parece muito honorável. Nós, como organização, precisamos destas pessoas que são pioneiras, e os apoiamos e queremos ajudar-lhes não só para que possam fazer mais, melhor e para mais pessoas, mas também para que animem outros a se somar a este caminho.”

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Knight Center

O Centro Knight para o Jornalismo nas Américas da Universidade do Texas em Austin é um programa de extensão e capacitação profissional para jornalistas na América Latina e no Caribe. Organiza programas de treinamento que já beneficiaram milhares de jornalistas e professores de jornalismo nas Américas. O Centro Knight também ajudou a criar uma nova geração de organizações jornalísticas independentes. Essas organizações têm desenvolvido programas de treinamento auto-sustentáveis com o objetivo de aumentar os níveis éticos e profissionais do jornalismo, contribuindo assim ao aprimoramento da liberdade de imprensa e da democracia no hemisfério. O Knight Center publica um blog trilíngue em português, espanhol e inglês que cobre temas ligados ao jornalismo e à liberdade de imprensa na América Latina e no Caribe.

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