O Prêmio Vladimir Herzog 2019 anunciou sua homenagem in memoriam ao jornalista Hermínio Sacchetta. Ele é descrito como um “ícone das antigas redações e de gerações inteiras de jornalistas brasileiros”. Já receberam o mesmo reconhecimento profissionais como Perseu Abramo, Eduardo Galeano e Tim Lopes.
Nascido em São Paulo em 1909, Hermínio Sacchetta iniciou sua carreira no jornalismo no final da década de 1920. Passou pelas redações do Correio Paulistano e da Revista Cigarra. Caiu na clandestinidade em 1934, adotando o codinome Paulo. Dois anos antes, o jovem jornalista havia se filiado ao Partido Comunista, que se opunha ao governo de Getúlio Vargas.
Sua ação no “Partidão” era no setor de propaganda. Disputas internas no partido por causa das eleições de 1938 levaram à expulsão de militantes, entre eles Hermínio Sacchetta, em 1937. A eleição nunca aconteceu. Vargas deu um golpe e decretou o início do Estado Novo. Devido à atuação no Partidão, Sacchetta ficou preso de 1938 a 1939.
De volta à vida civil, trabalhou como editor internacional na Folha da Noite. “E aí começa a escola Hermínio Sacchetta de jornalismo”, conta Vladimir Sacchetta, filho de Hermínio. Em pouco tempo, ele foi convidado para assumir o cargo de secretário de redação da Folha da Manhã e da Folha da Noite. “Ele acolhia os jovens e ajudou na formação de muitos jornalistas”. Como exemplos, o filho — que também formou-se em jornalismo, na Faculdade Cásper Líbero — cita Florestan Fernandes e Antonio Candido que, graças a Hermínio, iniciaram suas carreiras no jornalismo e na crítica literária, respectivamente.
Em 1945, Hermínio Sacchetta deixou o comando dos jornais para fundar com amigos o Jornal de São Paulo. “Era uma redação cheia de bons jornalistas, mas com pouco dinheiro”, diz Vladimir para explicar a vida curta da publicação. Entre o fim da década de 1940 e meados da década de 1950, foi secretário de redação dos Diários Associados, que pertenciam ao grande magnata da comunicação Assis Chateaubriand. Deixou o grupo para organizar o jornal O Tempo, de Contagem (MG).
Em 1956, foi convidado a chefiar o radiojornalismo do Grupo Bandeirantes de Comunicação, onde ficou até 1959. Nos anos 1960, assumiu o jornal dominical Shopping News até que, em 1969, voltou para os Diários Associados. Nessa época, o Brasil vivia o período mais repressivo da ditadura militar. “Ele tinha problemas semanalmente com a censura”, conta Vladimir.
A situação piorou quando, na manhã de 15 de agosto de 1969, a Ação Libertadora Nacional (ALN), comandada por Carlos Marighella, invadiu a Rádio Nacional e colocou no ar o manifesto “Ao Povo Brasileiro”, conclamando a população a lutar contra o regime militar. “Ele tinha uma ligação com o comando do grupo e criou uma situação para que a rádio escuta do jornal captasse a transmissão”, explica Vladimir. “Ele publicou esse manifesto na íntegra no Diário da Noite, que começava a circular no início da tarde”
“Quando vi esse jornal na banca, tomei um susto”, lembra Vladimir, que tinha 18 anos na época. “Liguei para a redação, e ele disse que estava esperando a polícia ir buscá-lo.” Depois de meia hora, a Polícia Federal chegou à redação, que ficava na Rua Sete de Abril, no Centro de São Paulo. Hermínio Sacchetta foi processado pela Justiça militar e proibido de exercer a profissão.
“Foi um período muito difícil. Ele fazia tradução, edição de livro, copidesque… Imagina um sujeito que passou a vida à frente de redações grandes, fechando dois jornais por dia, e de repente perde tudo isso”, conta Vladimir. “Ele perdeu o oxigênio”.
Sacchetta voltou à redação em 1975. A convite de Cláudio Abramo, tornou-se editor de internacional na Folha de S. Paulo. “Editoria de política ou Brasil, jamais”, relembra Vladimir. O clima político não permitia. O filho conta que o pai não se sentia confortável com a situação e, por isso, deixou o cargo em poucos meses. Hermínio Sacchetta morreu em 1982, em São Paulo, sem ver o fim da ditadura militar.
Paula Sacchetta não conheceu o avô, mas cresceu ouvindo histórias sobre sua carreira. “As pessoas falavam que ele havia formado toda uma geração de jornalistas, que era generoso e, ao mesmo tempo, duro, bravo e irritadiço”.
Paula seguiu os passos do avô e do pai: formou-se em jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) — instituição na qual Vladimir Herzog lecionava, quando foi morto pela ditadura militar. “Imagine o peso de entrar naquela faculdade de jornalismo com esse sobrenome”, conta. Como trabalho de conclusão de curso, ela escreveu um livro sobre o avô.
Vladimir e Paula receberam com emoção a homenagem do Prêmio Vladimir Herzog 2019 a Hermínio Sacchetta. “Ele é um exemplo de coerência, de solidariedade e que nunca deixou de denunciar o que estava errado. É muito importante manter essa memória viva”, diz a neta. “Trazer para os dias de hoje a memória de um cidadão que passou a vida lutando por democracia, por um país mais justo e feliz, é um ato político”, encerra Vladimir.
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Por Natália Silva.
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