Os prejuízos suportados pelas empresas que deixaram de exercer, total ou parcialmente, as suas atividades durante o período de calamidade pública, lastreará efeitos na economia brasileira até 2045, de acordo estudo divulgado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).
Conforme dados da Pesquisa Anual de Serviços (PAS) de 2020, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 59.835 empresas do segmento de serviços, mais especificamente aqueles prestados às famílias (como hospedagem, alimentação, atividades recreativas e culturais, serviços pessoais e ensino continuado), fecharam as portas no primeiro ano de pandemia no Brasil. Soma-se a isso os 467.882 postos de trabalho que foram fechados.
Este setor representa aproximadamente de 63% do PIB brasileiro e 68% do emprego, e chegou a apresentar uma redução de 21,3% do número de trabalhadores nos ramos de hospedagem e alimentações em comparação com 2019, período pré-pandemia, o que significa uma redução de 1,2 milhão de vagas de emprego. A título comparativo, no período que antecedeu a pandemia de Sars-CoV-2, essas atividades apresentavam crescimento médio de 5,3% ao ano.
Sensível a este cenário, o Congresso Nacional editou a Lei nº 14.148/2021, instituindo o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).
Com este programa, diversos benefícios foram criados para auxiliar as empresas brasileiras especialmente atingidas pelas decisões restritivas de circulação impostas durante a pandemia, como hipótese de indenização (ainda aguardando regulamentação), parcelamento especial e redução da carga tributária, este último regulado pela Receita Federal na Instrução Normativa (“IN”) nº 2.114/2022, publicada no dia 01 de novembro de 2022.
Aspectos jurídicos – controvérsias sobre a interpretação
O ato administrativo recentemente publicado normatizou as diretrizes impostas para que o contribuinte realize a aplicação da alíquota zero (0%) de PIS, COFINS, IRPJ e CSLL, sobre as receitas auferidas pelas atividades contempladas na legislação, bem como condiciona esta possibilidade aos que, comprovadamente, já estivessem exercendo tais funções à época da promulgação dos trechos então vetadas pelo Poder Executivo, ou seja, 18 de março de 2022. Caso a pessoa jurídica exerça atividades preteridas pelo Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos, estas devem ser separadas das receitas beneficiadas durante o processo de cálculo do tributo devido, e deverão se submeter à norma ordinária.
O advogado tributarista João Víctor Rezende da Rocha, sócio-executivo da Garzen Gestão Tributária, alega que, na prática, casas de festas ou hotéis, que compõem algumas das atividades indicadas pela lei, terão que separar as receitas decorrentes dos ingressos ou hospedagens, das que auferem sobre atividades que não constam na norma, como a receita do estacionamento que eventualmente seja oferecido. No seu entendimento: “Foi o Congresso Nacional quem rejeitou a ideia de condicionar a aplicação da alíquota zero ao critério material da regra-matriz de incidência tributária, como constava na redação original (veja-se o art. 7º do PL nº 5.638/2020), e optou vinculando ao critério pessoal, ou seja, ao próprio contribuinte que atua nos segmentos abarcados pela lei”, afirma.
Sobre o requisito imposto às empresas para comprovar que, em 18 de março de 2022, já exploravam as atividades relacionadas aos setores descritos na legislação, argumenta a necessidade de observação dos casos em que os contribuintes, de má-fé, busquem direitos indevidos, mas ressalva que adotar unicamente o requisito temporal como forma de impedir estas fraudes não é o mais adequado: “A abertura de novas empresas seria totalmente inviabilizada, porque estariam inseridas em um mercado com concorrentes tutelados por benefícios fiscais que lhes habilitaria a reduzir os preços ofertados, paridade de condição que não lhes será concedida em vista do critério temporal adotado, o que é uma nítida violação ao princípio da isonomia tributária”, concluiu.
Este debate ainda é embrionário nas cortes brasileiras e nada está consolidado no Poder Judiciário em relação aos entendimentos da legislação criada para compensar as empresas do setor, responsável por aproximadamente 2 milhões de empregos diretos e indiretos, segundo dados do SEBRAE. Ainda que inexista qualquer decisão com efeito vinculante, que é aquela decisão que deve ser observada por todos os tribunais das Unidades da Federação, essa situação impõe, sobretudo, o dever de cautela a respeito do procedimento a ser adotado pelas contabilidades e empresas destinatárias da benesse fiscal.
Aspectos econômicos e fonte de custeio
O início da pandemia também marcou um período de grande expansão monetária e estresse fiscal. A pressão inflacionária, de acordo com o Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE), já alcança os 45,48% no acumulado desde março de 2020. Após a tomada de um conjunto de medidas para enfrentar o período de calamidade pública, o Governo Federal encerrou o ano de 2020 com um rombo de R$ 743,1 bilhões, o pior já registrado.
Com a elevação de despesas, o governo se socorre do mercado para emitir títulos da dívida pública e financiar seus gastos. Por outro lado, as renúncias fiscais representadas pelas isenções e reduções de impostos estão projetadas em R$ 456,1 bilhões para 2023, conforme previsão da Receita Federal, o que consubstancia 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Conforme noticiou o Estado de Minas, Henrique Meirelles, em evento fechado do BTG Pactual, afirmou que o ajuste fiscal passa pelo corte “de benefícios para as empresas que não se justificam mais”. Para subsidiar a manutenção saudável das contas públicas em detrimento de incentivos que buscam reparar distorções geradas pelas oscilações de mercado e que prejudicam mais algumas empresas ao revés de outras, especialistas especulam que para manter os benefícios fiscais, a equipe econômica do próximo governo deverá demonstrar grande capacidade de dialogo e negociação junto ao Congresso Nacional.
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