Por e-mail vem um suposto alerta com o título: “reembolso sem desembolso é fraude”. Esse é só um exemplo de uma das muitas mensagens enviadas diariamente por operadores de planos de saúde para ameaçar os pacientes. Porém, quem comete ilegalidade nesse caso são as operadoras.
Os advogados Alamiro Velludo Salvador Netto e Amanda Bessoni Boudoux Salgado explicam que a lei prevê o reembolso, por parte das operadoras, para procedimentos concretamente realizados fora da rede credenciada. “Tradicionalmente, o atendimento de assistência à saúde pode se dar tanto pela rede credenciada, contratada ou referenciada das operadoras, quanto por outros profissionais não credenciados”, pontuam. Mas, hoje muitas clínicas e laboratórios não credenciados deixam de efetuar a cobrança ao paciente logo após a realização do atendimento, concedendo-lhe um prazo para pagamento, ou permitindo que este pagamento ocorra por meio de empréstimo operado por instituição financeira, se assim o paciente preferir.
É exatamente nesse ponto que as operadoras atacam. Em uma das mensagens enviadas pelos planos chamam a prática de fazer o atendimento por uma clínica não credenciada e deixar o processo de reembolso com eles, de golpe. Afirmam ainda que a prática tem iludido milhares de pessoas e que “faz que elas se tornem, simultaneamente, vítimas e cumplices das ações criminosas”.
Será que é “crime” ou as operadoras mais uma vez estão tentando se esquivar da obrigação legal de reembolsar despesas médicas quando o paciente escolhe seu profissional de confiança para cuidar de sua saúde?
Os advogados alertam que isso não é crime. “No cenário aqui tratado, não há elementos para se afirmar que o modelo de negócios implica engano ou indução do beneficiário a erro, pois basta que se esclareça acerca da facilidade que lhe é apresentada. Outro aspecto merece ser destacado: se os serviços foram efetivamente prestados, não se está diante da obtenção de vantagem ilícita pelas clínicas e laboratórios particulares, que somente realizam os serviços com a garantia de contraprestação”, destacam.
Assim, se o plano contratado oferece a livre escolha de prestadores mediante reembolso, esse direito torna-se um instrumento à integral disposição do paciente. Inclusive, as operadoras podem ser penalizadas por infrações de negativa de cobertura ou de ausência de garantia do cumprimento de obrigação, conforme os arts. 101 e 102 da Resolução Normativa n° 489/2022 da ANS.
A lei surge exatamente para proteger o direto do paciente escolher onde quer ser atendido e garantir que não existam barreiras para impedir esse acesso e até mesmo pressão para que ele busque somente a rede credenciada.
“Sustentando-se na previsão contratual de reembolso pela operadora, o paciente confere poderes especiais a clínicas e laboratórios particulares para que solicitem à operadora o custeio das despesas referentes aos procedimentos concretamente realizados. Esse serviço está baseado na lei e também em resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Para tanto, o paciente outorga procuração para que as clínicas e laboratórios particulares possam, em seu nome, apresentar os documentos, dar entrada no processo de solicitação de reembolso e acompanhá-lo até a realização da transferência dos valores para a conta bancária do beneficiário, por parte da operadora”, detalham o procedimento.
Em caso de negativa do reembolso, essas clínicas e laboratórios particulares têm poderes para iniciar um processo administrativo junto à ANS. As operadoras de planos de saúde questionam essa prática e entendem que é prejudicial, mas os advogados Alamiro Velludo Salvador Netto e Amanda Bessoni Boudoux Salgado ressaltam que não existe “qualquer ilegalidade penal e jurídica”.
Além disso, esse tipo de atendimento impede a pressão, por parte das operadoras, para que clínicas e laboratórios particulares se tornem credenciados, gerando diminuição da concorrência e o risco de tabelamento de preços feitos pelas operadoras. Uma pesquisa da Associação Médica Brasileira (AMB) em parceria com a Associação Paulista de Medicina (APM) mostrou que 80% dos médicos entrevistados já tinha sofrido pressão das operadoras para restringir pedidos e autorizações de exames.
“O modelo de negócio de atendimento em clínicas e laboratórios particulares por meio do direito ao reembolso, se realizado com transparência, não apresenta nenhuma ilegalidade. Eventuais tentativas das operadoras de induzir os beneficiários à busca de estabelecimentos credenciados, ou a utilização de medidas judiciais para tanto, contradizem, na prática, a previsão de livre escolha de prestadores a que os beneficiários têm direito”, finalizam os advogados Alamiro Velludo Salvador Netto e Amanda Bessoni Boudoux Salgado.
Por fim, os advogados fazem um alerta para que o paciente sempre fique atento ao acordo fechado com o plano de saúde. “O contrato deve dispor, assim, sobre a permissão de acesso à livre escolha de prestadores, indicando as coberturas, informações para o cálculo de valores a serem reembolsados pela operadora e seu prazo, observado o máximo de 30 (trinta) dias após a entrega de documentação prevista”, ressaltam Alamiro Velludo Salvador Netto e Amanda Bessoni Boudoux Salgado.
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