A reportagem especial “Terra Bruta”, dos repórteres André Borges e Leonencio Nossa, do Estadão, está entre as finalistas da edição de 2017 do Global Shining Light Award, prêmio de jornalismo investigativo promovido há dez anos pela Global Investigative Journalism Network (GIJN).
Publicada em julho de 2016, a reportagem trata do conflito no campo e a escalada de violência que envolve disputas por terra e madeira no Brasil. São oito capítulos que mapeiam a grilagem no país e exploram como operam a vida e a morte nos 482 focos ativos de tensão encontrados pelos repórteres em 143 municípios do Norte e Centro-Oeste brasileiros.
A pauta surgiu de uma conversa entre Borges e Nossa, que perceberam, a partir da leitura de reportagens locais, uma onda crescente de atos violentos envolvendo disputa por terra, grilagem e desmatamento nas regiões em questão. O último caso havia sido uma chacina em que cinco pessoas haviam morrido numa fazenda na cidade de Vilhena, em Rondônia. “Nós somos repórteres em Brasília, mas mas viajamos muito para outras cidades por ali”, conta Borges.
Foram sete meses de apuração, iniciada no segundo semestre de 2015, para que os repórteres pudessem viajar, conhecer personagens e montar um banco de dados que registrasse os assassinatos no país motivados por terra. Segundo o jornalista, a maior dificuldade foi conseguir informações consolidadas em vez de casos isolados de violência. Para encontrá-las, os repórteres foram atrás de CPIs, delegacias, bancos de dados públicos, lideranças de movimentos sociais e famílias das vítimas.
Nesse contexto, “se você quiser encontrar [perigo], você encontra mesmo”, diz Borges. Como era a proposta investigar a violência e as mortes nas regiões que visitavam, os repórteres deveriam encontrar e entrevistar pessoas envolvidas em episódios do tipo. Segundo Borges, ninguém da equipe foi ferido, mas “o risco tá na sua frente. Não é história”.
No fim da apuração, eles compilaram 1309 vítimas de assassinatos nos últimos 20 anos em casos associados a conflitos por terra. Hoje, os repórteres já receberam mais informações, que indicam mais de 1400 mortes. Borges conta que, apesar de ter sido publicada há mais de um ano, a reportagem é atualizada com os novos números sempre que possível.
Vinte e três dias após a publicação de “Terra Bruta”, uma audiência pública foi convocada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados para discutir os conflitos abordados na série. A partir da reunião, diz Borges, os parlamentares solicitaram à Polícia Federal a lista com os nomes das empresas de segurança atuantes em áreas de conflitos rurais, para ser posteriormente analisada. As discussões estão em andamento na comissão.
A Embaixada da Holanda no Brasil também promoveu um encontro junto com os jornalistas e representantes de mais vinte outros países europeus interessados na importação da madeira brasileira. “Esses assuntos [do especial] não constituem uma temática regional”, afirma o repórter. “A gente [que fez as reportagens] tinha conhecimento disso. São coisas que interessam para o mundo inteiro.”
“Terra Bruta” conquistou neste ano o Prêmio Dom Helder Câmara, da Conferência Nacional dos Bispos (CNBB). Em 2016, levou o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, o Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo e o prêmio de Reportagem do Ano, concedido pelo Estadão. Conseguiu ainda o segundo lugar no Prêmio Latino-Americano de Jornalismo Investigativo, do Instituto Prensa Y Sociedad (IPYS) e da Transparência Internacional.
“Eu acho demais concorrer ao Shining Light”, afirma Borges. “Uma surpresa muito boa. É uma confirmação de que estamos no caminho certo, e que a reportagem investigativa, com todas as dificuldades que tem, vale a pena.”
Borges e Nossa saberão se são ou não vencedores do Shining Light em 18.nov.2017, na 10ª Conferência Global de Jornalismo Investigativo da GIJN, quando serão anunciados os resultados do prêmio.
A cada dois anos, desde 2007, a GIJN concede a repórteres o Global Shining Light Award com o objetivo de homenagear projetos de jornalismo investigativo produzidos em países em desenvolvimento, geralmente feitos sob ameaças, coação ou em condições difíceis.
“Esse prêmio é uma saudação aos nossos extraordinários colegas ao redor do mundo que, ano após ano, muitas vezes correndo grave risco pessoal, continuam a contar a verdade sobre aqueles que exercem o poder em nossas sociedades”, diz o diretor-executivo da GIJN, David Kaplan.
Neste ano, o prêmio recebeu 211 inscrições de jornalistas de 68 países – quase o dobro de dois anos atrás. Para Kaplan, o número reflete um interesse e atenção crescentes para o jornalismo investigativo, além de mostrar como a prática está crescendo e se espalhando pelo mundo. “Veja o nível de profissionalismo nessas histórias da China, Índia, Egito, Peru, Brasil, Nigéria… Apesar de todos os desafios que enfrentamos na profissão, a comunidade global de jornalistas investigativos está crescendo.”
Dois projetos brasileiros já foram vencedores do prêmio: em 2011, os jornalistas James Alberti, Katia Brembatti, Karlos Kohlbach e Gabriel Tabatcheik, pela Gazeta do Povo e a TV RPC foram agraciadospela série especial Diários Secretos; quatro anos depois, também pela Gazeta, foi a vez de Império das Cinzas, conjunto de reportagens da colombiana Martha Soto, do costa-riquenho Ronny Rojas e dos brasileiros Albari Rosa, Diego Antonelli e Mauri König. König foi diretor da Abraji de 2010 a meados de 2015.
A GIJN é uma rede internacional de organizações sem fins lucrativos que apoiam, promovem e produzem jornalismo investigativo. Atualmente, conta com 155 organizações-membros em 68 países. Desde 2003, a Abraji faz parte da rede.
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