“A missão desse artigo é perfeitamente clara. Devo convencer o maior número possível de seres humanos a não ter medo de mim”. A frase está logo nas primeiras linhas de um artigo publicado no início de setembro pelo britânico The Guardian. O título é um convite ao debate: “Um robô escreveu este artigo inteiro. Você ainda está com medo, humano?”.
O texto foi totalmente produzido a partir do GPT-3 (ou seja, a terceira versão do “Generative Pre-trained Transformer”), desenvolvido pelo programa de pesquisa em Inteligência Artificial OpenAI. O algoritmo baseia-se em tecnologias computacionais como processamento de linguagem natural, aprendizagem de máquina e redes neurais profundas — conceitos que estão por trás de qualquer discussão sobre inteligência artificial.
De uma forma mais simples: é um modelo probabilístico, baseado em um universo gigantesco de dados, que procura estabelecer relações sintáticas e semânticas. Assim, a máquina é capaz de calcular e predizer, a partir de alguns exemplos, qual deve ser a próxima palavra do texto.
No caso do artigo produzido para o The Guardian, o GPT-3 recebeu as seguintes ordens: produzir um pequeno artigo de opinião, com linguagem concisa e simples, cerca de 500 palavras, argumentando que os humanos não deveriam temer a IA”.
Foram produzidos oito textos diferentes. “Cada um era único, interessante e apresentava um argumento diferente”, apontou o editor do texto, que optou por usar trechos de cada um e ressaltar os diferentes estilos. “No geral, levou menos tempo para editar do que muitos artigos de opinião humanos”, concluiu.
Apesar do espanto provocado pela iniciativa, o uso de tecnologias baseadas em processamento de linguagem natural para produção de textos não é novidade. Para o professor da Northwestern University Nicholas Diakopoulos, a mídia se transforma desde o uso de técnicas baseadas em mineração de dados em reportagens investigativas, passando por outras iniciativas, como a otimização de notícias para distribuição em plataformas sociais.
Em seu livro Automating the News, lançado em 2019, Diakopoulos lembra ainda que agências de notícias utilizam processos automatizados para gerar notícias de finanças ou previsão do tempo há décadas. Empresas como a Narrative Science, fundada em 2010, ampliou este tipo de serviço.
Mais recentemente, em 2018, a agência britânica PA Media anunciou, em parceria com a Urbs Media, a iniciativa RADAR (Reporters and Data and Robots), gerando 250 mil artigos em seus primeiros 18 meses.
Ironicamente, a mesma PA Media viu 27 de seus colaboradores serem dispensados em maio deste ano. Eles prestavam serviço para a Microsoft, selecionando conteúdos para os agregadores da rede MSN e o navegador Edge. Todos foram substituídos por algoritmos.
“Eu passo todo o meu tempo lendo sobre como a automação e a inteligência artificial vão ocupar todos os nossos trabalhos, agora está ocupando o meu”, declarou um dos profissionais desligados.
Será esse o futuro dos repórteres, já que um algoritmo avançado como o GPT-3 pode substituir um articulista?
Professor da PUC-SP e pesquisador nas áreas de inteligência artificial, ciências cognitivas e computação social, Diogo Cortiz esclarece. “A posição dos principais pesquisadores na área de Inteligência Artificial é a de que o GPT-3 é um modelo muito bom, mas ainda está longe de fazer cruzamentos factuais ou inferências de causa e efeito”.
Ele detalhou o princípio de funcionamento deste modelo de linguagem num vídeo em seu canal do YouTube. O que chama a atenção é o volume de parâmetros, isto é, potenciais conexões que permitem ao algoritmo entender contextos. O GPT-3 possui 175 bilhões de parâmetros. Para se ter uma ideia, a segunda versão (GPT-2) continha 1,5 bilhão de parâmetros.
Cortiz explicou ainda que o modelo de processamento é “task-agnostic”, ou seja, não foi treinado para realizar uma tarefa específica. Isso significa que, com alguns exemplos, o GPT-3 é capaz de identificar padrões de linguagem capazes de, entre outras tarefas, traduzir um texto, produzir código de um software, criar protótipos de interfaces ou mesmo compor músicas.
Nicholas Diakopoulos enxerga restrições no processo de produção de notícias automatizadas, como a dependência de dados estruturados, a capacidade interpretativa dos sistemas e a qualidade de redação. Ao mesmo tempo, entende que atualizar-se é inevitável.
“Os jornalistas vão, sem dúvida, precisar de novas habilidades e treinamento para serem colaboradores de sucesso em um sistema híbrido de mídia. Acima de tudo, eles precisarão de conhecimentos relacionados aos algoritmos. O público em geral também se beneficiará com o desenvolvimento desse conhecimento à medida que passa a ter um contato cada vez maior com esses sistemas”, aponta, em seu livro.
O uso de inteligência artificial em tarefas envolvendo grandes bases de dados foi o tema da edição #111 do Podcast-se. Nele, o CEO do Grupo Comunique-se, Rodrigo Azevedo, apresentou em detalhes as técnicas usadas pelos algoritmos do Influency.me para identificar potenciais influenciadores digitais, categorizar os assuntos tratados por eles e traçar um perfil de sua audiência — incluindo dados geográficos e de reconhecimento facial.
“Há uma avalanche de dados sobre novos perfis crescendo o tempo inteiro, é humanamente impossível acompanhar”, reforçou, valorizando ainda as tarefas que nenhuma inteligência artificial é capaz de fazer.
“Os robôs do Infuency.me organizam os dados. Mas o discernimento humano, para identificar as melhores escolhas, não dá para substituir por uma máquina. Se você não quer ser substituído por um robô, não trabalhe como um robô”, concluiu.
A conversa com André Rosa foi tema da 259ª edição do Podcast-se, que foi ao ar em 5 de outubro de 2020 — e que você ouve abaixo.
O Podcast-se é o podcast oficial do Grupo Comunique-se. Está no ar há mais de três anos e já tem mais de 200 episódios no ar. Figura entre os top-10 podcasts de Marketing do Brasil segundo o ranking de audiência do Chartable. Está disponível nas principais plataformas, como Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e outras.
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