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Selvagerias e crueldades — por Marli Gonçalves

Selvagerias e crueldades — por Marli Gonçalves
O congolês Moïse Mugenyl, que foi assassinado no RJ. (Imagem: reprodução)

“Assistimos, perplexos, selvagerias e crueldades bem registradas, inclusive, em detalhes”. Escreve a jornalista e cronista Marli Gonçalves

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Se você é Gente, e sei que deve ser, quero crer que tem sentimentos, deve estar tão aterrorizado e chateado quanto eu ao sentir no que o país está se transformando, além de também saber intuir o tempo gigantesco que levaremos para recuperar um mínimo de dignidade e cordialidade das quais nos orgulhávamos. Assistimos, perplexos, selvagerias e crueldades bem registradas, inclusive, em detalhes

Dia após dia, mais uma e mais outra e saberemos de muitas histórias escabrosas às vezes em um dia só, algumas que podem estar até nos atingindo diretamente. É como se esses fatos — acrescidos de tudo quanto é tipo de violência, golpes, somadas a decisões fortuitas e equivocadas dos governantes — rondasse sempre o nosso quintal. Diariamente. Não há sistema de alarmes, conhecimento, muito menos armamentos, que possam evitar tanta maldade. Não bastasse as conhecidas, elas se ampliam, mais maldades são inventadas, urdidas, executadas. Muitas impunes.

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Para ser vítima basta estar vivo. Não há defesa nem quando se está dentro de casa. Não há defesa nem mesmo para as crianças e para os inocentes de tudo, e que nem estavam onde não deveriam, ou se arriscando, se expondo a mais. Não há defesa.

Não há defesa nem para nossos animais de estimação, e o caso da cadela Pandora e outros tantos comprova isso. Aliás, não há defesa nem para quem oficialmente cuida de nossa defesa, policiais, também eles enganados, feridos ou mortos a caminho do trabalho ou de suas casas, ou quando encaram algum bico para sobreviver.

O caso do congolês Moïse Mugenyl foi recentemente apenas um desses marcos. É como se o sangue dele tivesse espirrado em cada um de nós e em nossa bandeira, que alguns ainda insistem com o refrãozinho besta “que jamais será vermelha”, sem saber nem do é que estão bodejando, como diria meu pai, vivo estivesse, ao ver as atrocidades. Moïse foi morto a pauladas, amarrado, arrastado, e ainda, se tudo isso já não fosse terrível, alguns órgãos retirados sem autorização daquela mãe que vemos, aterrorizada, sim, ainda ameaçada ao lutar por Justiça; covarde, nunca. Fugiu do horror de seu país, viu o filho ser morto na tal pátria gentil.

Jornais noticiam sim, mas agora pegaram mania de tudo ter percentual, números sem vida para tratarem de casos que afetam vidas

No Espírito Santo, um casal namorava — seria uma despedida porque um deles sairia alguns anos para estudar fora dessa tal pátria — quando foram atacados a golpes de faca. O garoto, todo cortado, teve pedaços de seu intestino jogado na areia. A nós basta torcer para que o socorro tenha chegado a tempo; ambos ainda estão no hospital. Assim, se soube também que não tem mais um estado campeão de violência, horror, violação dos direitos básicos. Aqui e ali, o Rio de Janeiro, onde Moïse foi morto, onde balas perdidas atravessam crianças e grávidas e velhos e todos — como uma mãe que errou um caminho e viu seu filho ser morto por uma bala na cabeça disparada do escuro — ganhava a taça.

Agora o Espírito Santo está em severa concorrência pelo posto, muito disputado infelizmente também aqui, por São Paulo, com outros estados correndo atrás como os cavalinhos do ‘Fantástico’. Melhor, como pistoleiros de bangue bangue, celerados, ladrões e golpistas, sequestradores, milicianos, traficantes, racistas, xenófobos, homofóbicos, incivilizados sem lei.

E da lei, lá no Espírito Santo, o que se pode esperar de um local onde uma fotógrafa é presa, algemada pelos pés, apenas porque exercia sua liberdade em um topless numa praia afastada? Pois aconteceu com Beatriz Coelho, que deve ter sido “denunciada” por algum desses fascistas e nazistas escancarados e sórdidos que têm saído dos esgotos, especialmente lá no Rio Grande do Sul, aterrorizando por onde podem, ao vivo, pela internet, em gangues. Beatriz, por outro lado, também pode ter sido vítima de outro horror, o religioso, de pessoas que se dizem beatas ou beatos de alguma religião que religião, ah, isso não é.

Enquanto tudo isso ocorre, jornais noticiam sim, mas agora pegaram mania de tudo ter percentual, números sem vida para tratarem de casos que afetam vidas. Também um dia após o outro ouvimos em percentuais os horrores que assistimos em vídeos coloridos registrados em algum canto, às vezes descobertos nos telefones até dos próprios monstros, que um dia, se Justiça houver, e como filha de Xangô posso preconizar, pagarão muito caro pelo todo mal que fazem, seja como for, e se não for na lei dos homens, será na da energia Suprema que tudo alcança.

Repito: se você é Gente, sabe muito bem do que estou falando. Temos mesmo de andar com fé, muita fé. E nunca parar de nos indignar.

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Marli Gonçalves

Jornalista formada pela FAAP, em 1979. Diretora da Brickmann&Associados Comunicação, B&A. Tem 40 anos de atuação na profissão, com passagens por vários veículos, entre eles Jornal da Tarde, Rádio Eldorado e revista Veja. Na B&A, além de assessoria de imprensa e consultoria de comunicação, especializou-se em gerenciamento de crises, ao lado de Carlos Brickmann, com quem trabalha desde 1996. Também é editora do Chumbo Gordo, site de informações da B&A. Mantém, ainda, o blog particular Marli Gonçalves (http://marligo.wordpress.com). Desde 2008, escreve semanalmente artigos e crônicas para inúmeros jornais e sites de todo o país sobre comportamento, feminismo, liberdade e imprensa. Entre suas atividades na área de consultoria, comunicação empresarial e relações públicas foi de 1994 a 1996 gerente de imprensa da multinacional AAB, Hill and Knowlton do Brasil (Grupo Standard, Ogilvy & Mather). Participou de várias publicações e veículos, entre eles, Singular & Plural, Revista Especial, Gallery Around (com Antonio Bivar), Jornal da Feira, Novidades Fotóptica, A-Z, Vogue. Na área política, foi assessora de Almino Affonso, quando vice-governador de São Paulo, e trabalhou em várias campanhas, entre elas, de Fernando Gabeira e Roberto Tripoli.

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