“Claro que sim”, respondeu Martin Baron, editor-chefe do Washington Post, à última pergunta de sua entrevista para a Abraji, feita por telefone no último dia 7. “Acho que essa é mais uma questão de vontade. Se os jornalistas têm essa força de vontade e as organizações desejam fazer esse tipo de trabalho, investigações como a de Spotlight são possíveis”.
Martin Baron compartilhará suas impressões sobre jornalismo com os participantes do Congresso da Abraji. Sua presença está confirmada no painel de encerramento do evento, quando conversará com o professor Rosental Calmon Alves.
Para muitos jornalistas e estudantes da área, a resposta de Baron é um alento. Equipe investigativa do Boston Globe, “Spotlight” foi o time que pela primeira vez, em 2002, trouxe à luz o esquema de acobertamento de abuso sexual de menores por clérigos na Igreja Católica. As histórias, mais de 600 no jornal, tiveram repercussão no mundo inteiro, impulsionaram reformas na igreja e resultaram, catorze anos depois, na produção do filme “Spotlight – Segredos Revelados”, premiado em festivais de cinema e no Oscar.
“É um filme importante”, diz Martin Baron, que era editor no Globe e fez parte da investigação. “Mostra por que o jornalismo investigativo é necessário, o que é preciso para fazê-lo direito e quais impactos positivos ele pode ter.” O filme inspirou profissionais na imprensa a insistirem no trabalho e jovens a ingressar no jornalismo, desejando, talvez, se igualarem à equipe do Globe.
Há 41 anos na profissão, Baron estudou jornalismo e obteve MBA pela Lehigh University, na Pensilvânia. Passou pelas redações do Miami Herald, LA Times e New York Times, além do Boston Globe e Washington Post, onde entrou em 2013. Embora também tenha trabalhado como repórter, sua carreira se construiu, em grande parte, nos cargos de editor e editor-chefe. Hoje, supervisiona uma equipe de cerca de 650 jornalistas e já viu o WaPo ganhar dois prêmios Pulitzer. Os prêmios, aliás, não são seus primeiros: com Baron, o Globe ganhou seis Pulitzer – um deles, por Spotlight – e o Herald, mais um. O jornalista ainda foi considerado duas vezes “editor do ano” pela Editor & Publisher Magazine (2001) e National Press Foundation (2004). De certa forma, também são suas as estatuetas que “Spotlight” ganhou no Oscar em 2016.
Neste ano, Martin Baron marca presença no 12º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, realizado pela Abraji em São Paulo. Seu painel “A democracia morre na escuridão: a relevância do jornalismo investigativo em tempos estranhos” acontece no sábado, 1º de julho, no último horário do evento.
Martin Baron diz que foi na faculdade, com a produção de um jornal universitário, que descobriu o interesse pelas “histórias que as autoridades não queriam publicadas”. “Para mim, aquele era o maior propósito do jornalismo – o de fiscalizar instituições e pessoas poderosas”, conta. “Hoje eu reconheço que, se não fizemos isso, provavelmente ninguém fará.”
Graças à própria cultura política norte-americana, fundada sobre a liberdade de expressão e de imprensa, Baron acumulou uma série de projetos bem sucedidos na área (como Spotlight) e herdou habilidades de grandes jornalistas investigativos dos Estados Unidos. A discussão, no entanto, parece ter mudado: ele e outros profissionais do país têm se surpreendido com ataques à imprensa como os do presidente Donald Trump, que costuma tratá-los como “escória” e “lixo” e já impediu o próprio Washington Post de atuar. “Há um propósito nesses ataques de deslegitimar e desumanizar a imprensa, garantindo que o público não nos veja como veículos independentes, mas como partidos de oposição”, afirma Baron.
Outros problemas, embora não vivenciados nos Estados Unidos – violência, censura, ameaças – mostram que os desafios para o jornalismo investigativo não estão isolados num só lugar. “Alguns países enfrentam maiores dificuldades”, diz Baron. “Temos visto em muitos lugares o avanço do autoritarismo, e, sempre que os governos tomam esse rumo, sua primeira medida é restringir a imprensa. Vemos isso na Rússia, na China, Turquia, Venezuela, em todo o mundo.” Num contexto em que o financiamento de grandes histórias ainda é uma incógnita para os veículos de comunicação, a produção investigativa fica ainda mais comprometida.
Para Baron, é fundamental que, em momentos assim, o jornalismo investigativo cultive fontes independentes de informação e se mantenha persistente. “Minha expectativa é de que a imprensa continue fazendo seu trabalho, e continue o fazendo bem”, diz. “Que o faça, obviamente, com a devida cautela, mas, ao mesmo tempo, não se deixe intimidar. Quando jornalistas vivem num ambiente intimidador, é ainda mais importante que eles mostrem independência, coragem e disposição para defender os princípios necessários em uma democracia.”
“Ótimos trabalhos de jornalismo investigativo têm ganhado espaço”, continua. “Temos visto novos modelos de como ele deveria ser praticado – por exemplo, na cobertura do Panama Papers, que teve colaboração entre veículos de todo o mundo. Achei muito interessante.”
O 12º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo acontece nos dias 29 e 30 de junho e 1º de julho na Universidade Anhembi Morumbi, unidade Vila Olímpia, em São Paulo. Com mais de 60 painéis e oficinas, o evento dura das 9h às 17h30 nos três dias. As inscrições estão abertas até 26 de junho e podem ser feitas em congresso.abraji.org.br
Universidade Anhembi Morumbi
Rua Casa do Ator, 275, Vila Olímpia – São Paulo, SP
29 e 30 de junho e 1º de julho de 2017
Inscrições até 26 de junho em congresso.abraji.org.br
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