Em entrevista ao Portal Comunique-se, Fábio Borges, correspondente da Rede TV em Los Angeles, fala sobre tecnologia, celebridades e jornalismo
A Rede TV está explorando os recursos de reportagens gravadas com câmeras que filmam em 360 graus. Coube ao correspondente em Los Angeles (EUA), Fábio Borges, ser o primeiro profissional da emissora a trabalhar com a tecnologia. Reconhecido pela cobertura que faz dos bastidores de Hollywood, o jornalista tem, desde o início do mês, feito uso da ferramenta, possibilitando ao telespectador acompanhar os mais diferentes ângulos de uma mesma notícia.
Com a nova tecnologia à disposição, Fábio Borges gravou uma série especial trazendo as principais atrações do Pier de Santa Mônica, um tradicional roteiro turístico da cidade localizada no estado da Califórnia. As reportagens produzidas com recursos em 360 graus estão disponíveis na web, podendo ser assistidas por meio da fan page da Rede TV e pelas páginas mantidas pelo correspondente internacional na blogosfera e no YouTube.
Em Los Angeles, o jornalista é o encarregado por cobrir os principais eventos que ocorrem na “capital mundial do entretenimento”. Com a maioria das reportagens voltada à indústria cinematográfica, ele é reconhecido por produzir conteúdos com temas mais leves e descontraídos. Com esse foco, já conseguiu entrevistar as mais diversas estrelas do meio artístico, como Bruce Willis, George Clooney, Sandra Bullock e Ben Kingsley. Além disso, é o encarregado por cobrir as festas do Oscar.
Profissional multifacetado, Fábio Borges atua como repórter, cinegrafista e produtor televisivo. Apesar de estar há anos baseado em Los Angeles, sua vida profissional não se resume a temas “hollywoodianos”. Na Rede TV, foi responsável por cobrir fatos marcantes na história recente do mundo, como a eleição do cardeal argentino Jorge Bergoglio como Papa Francisco, em 2013, e o terremoto que atingiu o Haiti, país mais pobre das Américas, em 2010. Também acompanhou in loco os mundiais de clubes da Fifa em 2011 e 2012, no Japão.
Com esse perfil no jornalismo, que soma passagem pela equipe de reportagem do ‘TV Fama’ e o início do contato com a produção em 360 graus, Fábio Borges conversa com a reportagem do Portal Comunique-se. Na entrevista, ele fala de como começou a gravar reportagens com o recurso tecnológico, lembra fases de sua carreira e relata, com exclusividade, quais os principais desafios de ser um dos poucos representantes da imprensa brasileira em Los Angeles.
Qual o principal objetivo da utilização da câmera 360º graus?
Interatividade. Ao assistir um vídeo gravado com essa tecnologia, o espectador tem controle total da direção da câmera e escolhe qual ângulo de uma cena quer assistir. Agora, o público decide o que é mais interessante.
Quais serão as principais mudanças em seu trabalho a partir do uso da tecnologia?
Sou repórter, produtor de TV e cinegrafista. Por isso, sempre presto muita atenção em relação à composição das imagens. O objetivo das minhas filmagens é ter enquadramentos perfeitos, com quantidade de luz adequada e movimentos suaves de câmera. Agora, levando em conta que todos os ângulos estão em cena, minha preocupação sobre a qualidade visual é muito maior. Quanto ao conteúdo, continuo produzindo pautas com histórias interessantes e em locais que agregam informação visual à notícia.
O que o recurso de 360 graus agrega na produção das reportagens?
Transparência. Ao assistir uma manifestação gravada em 360 graus, por exemplo, o espectador pode ver a quantidade de pessoas que está protestando. É uma vantagem sobre um equipamento de filmagem convencional, que registra somente o que está diante da lente. Sendo assim, a imagem que está atrás de uma câmera comum pode ser ignorada. Com uma câmera de 360 graus, os bastidores automaticamente fazem parte da reportagem.
Quais os ganhos para o público com a nova tecnologia?
É como se o público estivesse no local onde a imagem foi captada. Com isso, ele pode se sensibilizar mais com a reportagem, já que é capaz de olhar ao redor e ver todos os detalhes de uma cena. O público também consegue observar o trabalho das equipes de reportagem porque nada mais fica escondido atrás das câmeras.
Considerando a tecnologia da câmera algo inovador no jornalismo, você acredita que possa enfrentar dificuldades com o uso dela?
Essa é uma tecnologia que ainda está sendo desenvolvida. Por isso, há riscos de problemas técnicos. Testei diferentes câmeras de 360 graus e algumas delas tiveram falhas, como filmagens cortadas pela metade, erros ao fazer o upload dos vídeos, problemas de conexão e configuração de equipamentos. Porém, essa tecnologia está sendo aprimorada rapidamente. Acredito que em breve até mesmo os smartphones vão ser equipados com câmeras de 360 graus.
A interação que a tecnologia permite aos telespectadores altera a maneira como eles consomem a notícia?
Sim. Ao controlar a câmera, o espectador tem a possibilidade de ver detalhes de uma cena que até mesmo o repórter pode não ter percebido durante a gravação. O público tem a oportunidade de fazer sua própria investigação em uma cena de crime. Numa cobertura esportiva, ele pode ver um lance que passou despercebido pelo juiz. Mas a característica principal dessa tecnologia é a imersão no local onde a imagem foi captada. É como se o espectador fizesse parte da notícia, parte da história que é contada e do cenário que é mostrado.
Como você acredita que será a recepção das pessoas ao acompanharem um conteúdo jornalístico desta forma?
Todas as pessoas que eu mostrei a tecnologia tiveram reações parecidas. As expressões mais comuns foram “uau!”, “nossa”, “que legal”. Essa tecnologia pode ser usada com o smartphone, tablet ou computador. Mas a verdadeira experiência de 360 graus é quando alguém assiste às imagens com óculos de realidade virtual. Todos gostam! Quando experimentei a tecnologia, há alguns anos, fiquei encantado. Por isso, decidi integrar os vídeos em 360 graus nas minhas coberturas jornalísticas.
A escolha dos ângulos nas mãos de quem o assiste pode tirar o foco do assunto principal? Como você enxerga este ponto?
Na verdade, o foco no assunto principal é aumentado porque estamos acostumados a usar várias ferramentas de comunicação ao mesmo tempo. Atualmente, crianças já sabem usar um tablet antes mesmo de aprenderem a falar. Somos capazes de assistir televisão, escrever mensagens de texto ao celular e usar o computador, tudo ao mesmo tempo. Por isso, ao se deparar com a nova tecnologia de vídeos em 360 graus, o público instintivamente é capaz de controlar a câmera e prestar atenção no assunto principal. Além disso, por se tratar de uma tecnologia nova, as pessoas têm curiosidade de testá-la e, consequentemente, mantêm o foco.
Quais foram suas experiências com a nova tecnologia na gravação da série em Los Angeles?
A experiência positiva foi explorar ainda mais a criatividade. Essa é uma tecnologia nova, com conteúdos produzidos sem regras, sem formatos definidos. Isso dá a oportunidade de criarmos conteúdos de forma original, sem limitações. O maior desafio é o aprendizado dessa nova tecnologia. Como eu disse, não há muitas referências. Por isso, tem sido um trabalho de tentativas, erros, acertos e adaptação a essa inovadora ferramenta de comunicação.
Qual é sua expectativa para utilizá-la na cobertura dos grandes eventos em Hollywood?
Estou utilizando essa tecnologia em coberturas de pré-estreias de filmes em Hollywood. É muito gratificante oferecer ao espectador a oportunidade de se sentir como se estive comigo no tapete vermelho. Agora, ele pode observar a movimentação dos artistas, prestar atenção no trabalho dos repórteres e ver detalhes das estruturas montadas para receber os convidados.
A maioria dos correspondes brasileiros nos Estados Unidos fica em Nova York. Como é para você ficar distante dos colegas, estando do outro lado do país?
Ainda tenho contato com meus colegas e amigos jornalistas que moram em Nova York. A gente continua trocando informações e favores. Com a internet, o mundo ficou pequeno. Além disso, quando vou para Nova York, sempre me encontro com os colegas mais queridos.
Justamente pelo fato de estar em Los Angeles, você já conseguiu alguma notícia exclusiva, com outros correspondentes internacionais deixando Nova York às pressas?
Quando fui correspondente em Nova York, de 2009 a 2011, meu foco era a cobertura de notícias factuais. Em Los Angeles, onde estou desde 2011, minhas reportagens são focadas na indústria do cinema. Por isso, já fiz centenas de entrevistas com os maiores astros de Hollywood, muitas delas exclusivas, mas eu também continuo fazendo reportagens factuais. Creio ter sido o primeiro repórter brasileiro a chegar em San Bernardino [cidade da Califórnia], em dezembro de 2015, quando houve o tiroteio em massa provocado por terroristas que resultou na morte de 14 pessoas.
No geral, quais os principais benefícios e desafios de ser um dos poucos jornalistas brasileiros em Los Angeles?
O maior benefício é a produção de conteúdo diferenciado. O maior desafio é não contar com a parceria dos colegas brasileiros durante as coberturas jornalísticas.
Quem acompanha seu trabalho na Rede TV percebe que há uma “fuga” do padrão de correspondente internacional, com você se dedicando a temas mais leves e descontraídos. Por quais razões você passou a adotar esse estilo?
Acredito que o telejornalismo, em geral, deve ter um padrão de qualidade e não um padrão de formato. Por isso, uso uma linguagem informal para falar com o telespectador. Acredito que isso aproxima o público do repórter. Também me empenho para fazer reportagens de maneira artística, com atenção aos detalhes visuais. Sobre o conteúdo, sigo as regras básicas do jornalismo como apuração e imparcialidade.
Como são as conversas com a direção da emissora na formulação de pautas?
Quanto à minha relação com a direção da Rede TV, sinto-me privilegiado por ter autonomia para explorar a minha criatividade e agregá-la ao telejornalismo. Isso se deve ao superintendente de jornalismo e esportes da emissora, Franz Vacek. Ele já foi correspondente, conhece a nossa rotina e sabe que somos mais produtivos quando temos liberdade para criar.
Atualmente, você se vê trabalhando fora de Los Angeles?
Sempre fui apaixonado por cinema. Por isso, é uma grande satisfação fazer reportagens no maior polo cinematográfico do mundo. No entanto, sou movido por desafios e mudaria de cidade diante de um progresso na minha carreira.
*Com edição e supervisão de Anderson Scardoelli.
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