Calma, leitor ou leitora, estou falando do carinha que mora logo ali, em Bed-Stuy, bairro boca-quente do distrito nova-iorquino do Brooklyn. Até a mãe dele o odeia, ou ela não desceria a mão nele toda vez que a irmã dele faz alguma coisa errada e joga a culpa nele, como se já não bastasse a surra que ele leva na rua, inclusive na escola Corleone, onde ele é o único aluno negro e Greg, o melhor amigo dele.
Quando o neto mais velho de minha mãe comentava comigo cada um dos episódios da tão famosa série exibida nos Estados Unidos entre 2005 e 2009, que, para quem não sabe, é inspirada na vida do ator Chris Rock, eu também odiava o irmão da Tonya e do Drew. Mas porque eu não assistia a tudo o que acontecia de ruim com ele, como continuo quase não assistindo, a não ser quando a hora de passar roupa, um dos poucos momentos em que me sinto liberado para ver televisão, coincide com a da série.
São tão poucos os episódios a que já assisti, na Record, que eles não devem passar de 10% dos 88 que fazem parte da série. Alguns foram “Todo Mundo Odeia Comida de Ticket”, episódio da primeira temporada que mostra a vergonha que Rochelle tem de fazer compras com vale-refeição, “Todo Mundo Odeia os Inspetores”, episódio da segunda temporada de que gosto principalmente por causa da paciência do Julius para ouvir a Rochelle reclamar dos colegas de trabalho, e “Todo Mundo Odeia Garotas Altas e Magras”, episódio da quarta temporada em que a garota mais, como diz o Greg, desengonçada da escola acaba se tornando namorada do Chris.
Mas não são só as situações embaraçosas vividas pelo Chris, principalmente por ele ser gente como a gente – pobre e, pior, negro –, que me fizeram querer falar do seriado, a trilha sonora é uma atração à parte. Quase todas as, se não me engano, mais de 200 músicas que fazem fundo para as quatro temporadas do seriado são algumas das que eu, ou, melhor, meu alter ego, Edhson FM, curtia antes de frequentar danceteria, especialmente as que foram gravadas ou lançadas entre 1980 e 1985. São utilizadas músicas como:
Só para você ter uma ideia do que estou falando, eu estava na sétima série do ginásio, como à época se chamava o período da quinta à oitava séries do ensino fundamental, quando, em 1981, “Freeze Frame” fazia sucesso. Eu odiava quando, cantando “Atomic Dog”, dançando como um robô ou fazendo moonwalk, passo que nunca consegui aprender, o filho de um dos donos da padaria em que eu trabalhava contava como havia sido o baile no fim de semana.
No orwelliano 1984, quando “Caribbean Queen (No More Love on the Run”), de Billy Ocean, cantor do qual Tonya é fã, ganhou as pistas de dança do mundo todo e, por não ter familiaridade com o teclado da máquina de escrever, eu perdi o trabalho que eu achava que iria me ajudar a melhorar de vida, entrei em um curso de datilografia.
Na verdade, antes de 1985, até cheguei a frequentar danceterias, mas pagando caro, porque, sem ônibus para voltar para casa depois da meia-noite, eu era obrigado a não só ficar na casa noturna até o toca-discos ser desligado, as luzes serem acesas e o público se tocar ou ser tocado para fora, mas também precisar tomar vários copos de café e lavar o rosto várias vezes para conseguir trabalhar, como aconteceu em um sábado em que passei a noite em um clube barra-pesada no centro de Osasco.
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