Como se equilibrando numa corda bamba, emissoras de televisão e rádio improvisaram suas coberturas para a tragédia da Cidade Imperial de Petrópolis, no Rio de Janeiro. Num mundo em que cada vez mais o consumidor exige posicionamentos e engajamentos das marcas de todos os segmentos, não basta apenas fazer o burocrático trabalho de cobertura nos seus espaços jornalísticos habituais. É preciso mais!
E se engana quem pensa que esse anseio da população veio na esteira das mídias sociais. Não é de hoje que o público cobra mais dos meios de comunicação. Muitos historiadores de mídia garantem que a Globo só se tornou efetivamente líder depois de promover ações de solidariedade em outras catástrofes ocorridas na década de 1960.
E ela e a Band foram as primeiras a irem além e se juntarem ao mutirão de marcas de todos os segmentos, entidades civis e influenciadores, lançando suas próprias campanhas de arrecadação ou de apoio a outras já existente. A Globo, por seu DNA. A Band, por carregar ainda de forma muito forte em sua estrutura o espírito e o dinamismo herdados de Ricardo Boechat.
No entanto, esse tipo de campanha tem que ser embasado com uma cobertura sóbria, ampla e bem estruturada. A linha é tênue entre a percepção da solidariedade e o sensacionalismo. O grande desafio é se fazer atuante saindo da “caixinha” do dia a dia. Isso sem causar as sensações de descaso numa cobertura rasa. Ou ainda, na outra ponta, dar a impressão de querer se aproveitar para garantir audiência. Esse tipo escorregão no tom é muito comum em programas que vivem de fomentar desgraças, como alguns policialescos de final de tarde.
A linha é tênue entre a percepção da solidariedade e o sensacionalismo
E ainda… ao contrário de outras atividades, a urgência desse factual faz com que as decisões precisem ser tomadas de imediato sem o conforto das pesquisas de comportamento, opinião e marketing que cada vez ganham mais relevância nas tomadas de decisões e planejamento nas empresas de comunicação.
Hoje esbanjamos tecnologia e facilidade de transmissão. Basta um celular, não só para captar, como para transmitir para suas sedes. Isso antes era literalmente um trabalho de engenharia, envolvendo uma imensa equipe.
No entanto, os estraves agora são outros. Não podemos esquecer que a maioria das redações sofre de esvaziamentos. Falta de pessoal, terceirizações, substituições dos experientes por estagiários e acúmulos de funções. Ou seja, para os gestores dessas equipes é cada vez mais difícil gerir os deslocamentos de funções, remanejamentos de escala e centralização de várias pessoas em torno de um único fato. Assim, fica complicado atender a um evento dessa proporção e não programado.
Nesses dois modelos de estações no Brasil, em praticamente nada muda se o meio é o rádio ou a televisão. Ambos aumentaram os canais exclusivamente de notícias. No entanto, até o radiofônico, que possuía uma atuação mais comunitária, está cada vez mais aprisionado em grades nacionais, apenas com janelas locais.
Começando pelas TVs abertas. Essas detêm a massa da audiência no pais. Por causa disso, seu comprometimento é muito maior com os espaços dos milionários patrocinadores nacionais. Elas nada mais são do que emissoras locais retransmitindo a sede. Ou seja: tecnicamente, esse desmembramento é bem mais fácil do que para as TVs pagas.
As pessoas que estão no epicentro das ações precisam não só de notícias, mas, principalmente, de serviço
Vale destacar que a relevância do assunto é para todo o país, mas o enfoque é outro. As pessoas que estão no epicentro das ações precisam não só de notícias, mas, principalmente, de serviço. E estes são desinteressantes para quem não está geograficamente na região atingida, como: trânsito, coleta de sangue, locais de atendimento médico, achados e perdidos, postos de arrecadação, identificação no IML…
O rádio, que fazia bem esse varejo da utilidade pública no vácuo do que a televisão deixava, vem seguindo o modelo da telinha e virando rede. Isso pode ser observado nas mais atuantes no segmento de notícias: CBN, BandNews e CNN Rádio. E mesmo os honrosos esforços das duas primeiras em se desvencilharem, em alguns momentos, de suas matrizes, não se compara com o poder de ação de uma estação eminentemente local.
Ficava nítido ao percorrer o dial o esforço de suas reduzidas equipes e a falta de estrutura para um grande evento. Na CBN e na BandNews FM, que já são locais em parte da manhã, havia um grande contraste com as demais faixas horárias do dia. Na CNN Rádio, apenas o aproveitamento dos repórteres da TV, que por demandarem mais por suas participações na telinha-mãe, não deixavam espaço para que pudessem dar sua segunda jornada no rádio do grupo. Isso apesar de contar com um dos nomes mais identificados com o público radiofônico carioca, Sidney Rezende. Quanto a programação de serviço, ele sequer existiu, pois sua transmissão é integralmente nacional.
As emissoras públicas da estatal EBC — históricas rádios MEC e Nacional — poderiam ter aproveitado da facilidade, agilidade e penetração inerentes ao veículo para derrubarem as grades em rede e investirem numa programação de serviços. Ressaltando que muitas regiões de Petrópolis ficaram sem luz, internet e celular. E o rádio dispensa esses recursos para ser captado, sendo um dos poucos meios de comunicação que poderiam ser acessados pelas pessoas atingidas.
Um fato que amenizou a cobertura mais generalizada é que, nos casos da Globo e da Record, os telejornais locais diurnos tiveram seus espaços aumentados nos últimos anos. O mesmo não se pode dizer do SBT e da Rede TV. A equipe carioca pouco prestigiada por Sílvio Santos luta com a visível falta de estrutura, investimento, pouco pessoal e espaço na programação. Já a segunda, nem temos o que falar.
A Globo se esforçou para abrir flashs na programação noturna, porém sem poder se aprofundar
Desde o primeiro dia da tragédia, a Globo se esforçou para abrir flashs na programação noturna, porém sem poder se aprofundar. Eram parcos 30 segundos conseguidos na negociação com o departamento de publicidade para ocupar com a “notícia extraordinária” a vaga de um comercial ou chamada cancelados durante os breaks da novela nobre ou do ‘Big Brother’.
A emissora líder, inegavelmente com mais recursos do que as demais, mobilizou as equipes dos RJs do estúdio para a transmissão direto da Serra. Mas se deu ao luxo de dispensar toda essa estrutura já montada para o decorrer da programação, não conseguindo se desvencilhar da rotina. No caso do início da tarde, acabava o ‘RJTV’ e continuava com o ‘Jornal Hoje’ com uma cobertura burocrática.
Se o tema estava aquecido junto ao público, elevando muito a audiência, e com estrutura já funcionando, por que jogar um balde de água fria? Não poderiam colocar o César Tralli num voo de 40 minutos para fazer o jornal in loco? Ou, se não fosse possível, aproveitar a Mariana Gross, que já tinha comandado o jornal local e que também é um rosto conhecido nacionalmente, tendo inclusive, recentemente, apresentado o ‘Fantástico’.
Só abrindo um parêntese aqui. O DNA do citado Jornal Hoje é eminentemente de serviço. Ele surgiu de um embrião da apresentadora Edna Savaget (mãe da atuante produtora e documentarista Luciana Savaget) e, por muitos anos, era justamente o que dava o ponta pé nas campanhas históricas realizadas pela sede global no Rio de Janeiro com os lendários Márcia Mendes, Marcos Hummel, Mariza Raja Gabáglia e Leda Nagle.
Nos dois dias seguintes, a programação com ‘Sessão da Tarde’ e reprises de novelas seguiram normalmente, produtos que poderiam ser facilmente suprimidos no Rio de Janeiro, como já fazem naturalmente quando tem partida de futebol regional.
A Band, com bem menos recursos e com apenas 30 minutos diários de jornalismo local, não conseguia derrubar a programação para improvisar uma atração comunitária
Enquanto isso, a Record Rio, que constantemente vence a Globo neste horário, desbobrava-se com o regional Tino Júnior para manter a prestação de serviço para o público fluminense. A Band, com bem menos recursos e com apenas 30 minutos diários de jornalismo local, não conseguia derrubar a programação para improvisar uma atração comunitária. E tentou superar esse problema com o lançamento de uma campanha de arrecadação e com a sua sucursal local da BandNews FM, numa sentida luta da competente equipe carioca para se desvencilhar da rede.
A direção não soube explorar as habilidades de sua principal estrela. O recém-contratado Fausto Silva se sai muito bem diante desse tipo de ação. Tanto que sempre abriu espaço em seu ‘Domingão’ global para os plantões de notícias e campanhas de arrecadação. Além do núcleo do programa ter tido uma equipe própria de factual, mantinha uma linha direta com o plantão do jornalismo.
Mesmo agora na Band a estrutura sendo outra e o programa diário e gravado, poderiam ter convocado o apresentador e abrir janelas ao vivo sobre o tema enxertado entre o material já produzido. Ou, na impossibilidade de usarem o próprio titular, escalarem os dois apresentadores coadjuvantes da atração: o filho João Guilherme Silva ou a experiente Anne Lottermann retirada justamente do jornalismo global e com reconhecida habilidade.
A TV Brasil poderia ter feito o diferencial, com um enfoque mais cidadão e de serviço, como se espera de uma emissora pública. No entanto, apesar do esforço de sua cada vez mais esvaziada equipe carioca, praticamente se restringiu a transmissão dos pronunciamentos das autoridades federais em visita ao município destruído três dias depois. E logo após os discursos políticos transmitidos, simplesmente desligou o link montado no palanque erguido em meio aos escombros. O mesmo aconteceu com emissoras de rádio do grupo estatal EBC. A Nacional carioca e a Rádio MEC, em nada lembravam suas história transmissões do passado.
Essas vivem uma verdadeira dicotomia. Se é bem mais simples derrubar a grade para um efeito extraordinário, como a tragédia de Petrópolis, possuem, em geral equipes próprias bem menores do que os canais abertos. Outro fator relevante é que tecnicamente são restritas a um único sinal emitido para todo o país via cabo ou satélite. Elas não possuem emissoras locais que possam gerir uma programação regional em caso de necessidade.
Necessita filtrar o que intrinsicamente interessa ao espectador de todo o país
Nelas, a curadoria do que vai ser transmitido precisa ser muito mais rigorosa, pois necessita filtrar o que intrinsicamente interessa ao espectador de todo o país, sobrando quase nenhum espaço para o serviço que a população local tanto demanda dos meios de comunicação nesse tipo de tragédia.
Como esse de evento gera muita audiência sazonal, todas se esforçaram para abrir para esse tipo de cobertura. Inegavelmente a líder do segmento, a Globo News, fez um trabalho mais completo, seguido pela CNN — que tem investido nas sucursais do Rio de Janeiro e de Brasília. Os poucos profissionais da caçula TV Jovem Pan News tentavam se desdobrar bravamente. Apesar do recente prometido investimento do grupo na BandNews TV, visivelmente eles ainda não chegaram, ficando o canal restrito a reprodução do do que foi produzido por sua rede aberta.
Um pouco mais de um ano após sua estreia, a Globo inaugurou o gênero, com a emblemática enchente de 1966 no Rio de Janeiro. Sua atitude ganhou a simpatia da população. Após isso, ela, que era uma das últimas no ranking de audiência, começou a crescer rumo à liderança.
Diga-se de passagem, foi privilegiada pelo acaso, assim como na emblemática transmissão do sequestro do ônibus 174, ocorrido em sua porta nos anos 2000. Com poucos equipamentos, não precisou deslocar suas equipes. Foi só ligar câmeras no terraço e em seus estúdios submersos. Sua sede, no nobre bairro do Jardim Botânico, foi inundada, problema não resolvido até hoje pelas autoridades cariocas.
Depois disso, repetiu essa “fórmula de sucesso” em várias outras catástrofes climáticas, assim como incêndios e a queda de um viaduto carioca. Mobilizou nessas campanhas históricas tanto a cobertura jornalística como campanhas de arrecadação simultâneas. Escalava suas estrelas da época como Dercy Gonçalves, Chacrinha, Hilton Gomes e seu elenco de atores.
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