Dispor de infraestrutura planejada para solucionar adversidades do presente e antecipar as do futuro é o primeiro passo para construir um trânsito mais seguro, humano e inteligente, tríade que, entre muitas vantagens, garante qualidade de vida à população. E, para alcançar este patamar, não há outra escolha senão colocar o trânsito no centro das discussões e dos investimentos. Além de priorizar o tema, a administração pública precisa vislumbrá-lo de maneira sistêmica e com um norte bem definido, o que significa enxergar o trânsito como um organismo pulsante, e não tratar de suas deficiências apenas de maneira pontual.
Pense, por exemplo, no trajeto de um ônibus. Conhecer seu ponto de origem e de destino – informação acessível a qualquer pessoa, mas raramente aproveitada de maneira estratégica – permite identificar os trechos com maior número de usuários. Porém, mora nesta leitura um dado que, se interpretado corretamente, torna-se uma informação de peso e norteadora de ações concretas para melhoria da realidade. Não raro, a solução passa pela integração com outros modais, que neste caso poderia mesclar o uso do ônibus ao metrô nos pontos de maior fluxo, por exemplo. Este conceito de integração de modais também recebe o nome de interoperabilidade e rege o primeiro pilar de uma smart city.
Já o segundo pilar para manter uma smart city é a sustentabilidade, que aqui tem mais relação com a raiz do termo do que com parâmetros ambientais. É preciso sustentar a integração. De nada adianta colocá-la em prática sem que sejam comprovados seus benefícios para usuário e investidor. Tecnologias de trânsito vantajosas a estes dois públicos são o prenúncio de um sistema eficaz. O tripé se completa com conhecimento tecnológico. Identificada a deficiência e encontrada uma solução viável, é necessário conhecer o mecanismo que irá atar as duas pontas.
Na teoria, fazer com que os pilares de uma smart city saiam do papel parece tarefa simples. Porém, perceber como o Brasil está distante disso é suficiente para que se resgate a complexidade da missão. Mais assustador ainda é notar que tal distanciamento é compartilhado com outros grandes polos urbanos. Arrisco a dizer que atualmente não temos nenhuma referência completa de smart cities, mas cases isolados. Londres, com sua Zona de Máxima Restrição de Circulação – por falta de espaço para toda frota – é um exemplo disso. Curitiba, com canaletas exclusivas para ônibus expressos, é outro.
A grande questão é que, enquanto as empresas permanecerem aficionadas pelo protecionismo tecnológico, deixando de compartilhar seus dados e desafios, este cenário será perpetuado. Além de optarem por trilhar um caminho sozinhas, muitas empresas – sobretudo as que desenvolvem tecnologia para trânsito – não têm à disposição diretrizes que apontem padrões que o negócio deve seguir. De novo, a falta de padronização amplia os riscos de perda de informações relevantes, que poderiam gerar as mudanças que tanto ansiamos.
Ainda que esse breve retrato da realidade desanime, é preciso crer na transformação do trânsito. Compreender sua importância é um bom começo. A partir da máxima de que tempo é dinheiro, não podemos negar que o trânsito está intrinsicamente ligado aos ponteiros do relógio, o que o torna, indiscutivelmente, fator econômico. Reduzir o tempo gasto no trânsito significa dar às pessoas a chance de investirem em si mesmas, assim como aumentar a segurança no trânsito cria atmosfera de conforto e confiança. Com mais qualidade de vida, a população pensa, produz e convive melhor. A urgência em tratar de um tema como o trânsito depende, portanto, da prioridade dada à vida de cada usuário.
(*) Gerente de produtos da Perkons e membro da Comissão de Estudos de ITS da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
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