Um encontro e suas quatro formas de escrever

Porque, porquê, por que e por quê? Em artigo para o Portal Comunique-se, o revisor de textos Edson de Oliveira fala das quatro formas do encontro entre “por” e “que”

Nenhum encontro tem tantas formas de escrever do que o entre a preposição “por” e a conjunção “que”, conectivo este que apresenta o verbo na forma finita.

Ambas as palavras são mantidas separadas nas ORAÇÕES SUBORDINADAS SUBSTANTIVAS:

“Imagine POR QUE FUI CONVIDADO”,

“Adivinhe POR QUE NÃO CURTO ESTA MÚSICA”,

“Descobri POR QUE A LUZ ESTAVA APAGADA”,

“Você entende POR QUE FUI DORMIR CEDO?”,

“Ninguém disse POR QUE ELA PERDEU O CONTROLE”,

“A jornalista perguntou POR QUE AS OBRAS AINDA NÃO HAVIAM COMEÇADO”,

“Veja POR QUE A MAIORIA DOS BRASILEIROS NÃO GOSTA DE LER”,

“O aluno sabe POR QUE NÃO APRENDEU”,

“O cantor explicou POR QUE A GENTE SOMOS INÚTIL”,

“Isso mostra POR QUE O BRASIL NÃO É UM PAÍS SÉRIO”,

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e nas SUBORDINADAS ADJETIVAS:

“O dinheiro POR QUE VENDI A CASA acabou”,

“Todos sabemos os direitos POR QUE LUTAMOS”,

“Ciúme foi o motivo POR QUE ELES BRIGARAM”,

“O túnel POR QUE PASSAMOS existe há muitos anos”,

“Dormi no avião POR QUE FUI AO RIO”,

“Não sei a razão POR QUE DISCUTIMOS O ASSUNTO”,

são escritas separadas e com acento quando AMBAS AS PALAVRAS ENCERRAM FRASE:

“Parou POR QUÊ?”,

“Adivinhe POR QUÊ”,

“POR QUÊ?”,

“A jornalista perguntou POR QUÊ”,

“Você entende POR QUÊ?”,

são escritas juntas nas SUBORDINADAS ADVERBIAIS:

“Os alunos obtiveram um mau resultado PORQUE NÃO ESTUDARAM”,

“Dorme muito pouco PORQUE TRABALHA DEMAIS”,

“Acho que choveu ontem PORQUE O CHÃO ESTÁ MOLHADO”,

“Não irei ao cinema PORQUE ESTOU SEM DINHEIRO”,

e juntas e com acento quando AMBAS AS PALAVRAS ESTÃO SUBSTANTIVADAS:

“Ninguém entende O PORQUÊ de tanta confusão”,

“Existem MUITOS PORQUÊS para justificar esta atitude”,

“MEUS PORQUÊS só eu entendo”,

“ESTE PORQUÊ tem de ser grifado”,

“Ela sempre vem COM PORQUÊS”.

Por, não sei por que, nunca serem citadas com as substantivas (objetivas diretas), as objetivas indiretas e as completivas nominais, cujo verbo da oração desenvolvida está sempre no subjuntivo, como mostram as frases:

“Torço POR QUE MELHORE”,

“Os alunos anseiam POR QUE CHEGUEM AS FÉRIAS”,

“Ele estava ansioso POR QUE O ÔNIBUS NÃO DEMORASSE”,

“Ela estava aflita POR QUE A LUA DE MEL TERMINASSE LOGO”,

sempre acabam sendo confundidas com as adverbiais, razão por que, por exemplo, no “Dicionário de Questões Vernáculas”, do saudoso professor Napoleão Mendes de Almeida, a frase de Armando Salles de Oliveira “É a honra que nos compele a zelar PORQUE O BRASIL SOBREVIVA” aparece escrita com os dois conectivos juntos.

Sobre a lambança da forma “porque”, escreveu o ortodoxo gramático: “O ‘cur’, e principalmente o ‘quare’ do latim, palavra esta composta mas sempre escrita como se uma só, o ‘why’ do inglês (o Webster discrimina as três diferentes funções desse advérbio, entre as quais as de interrogativo), o ‘perché’ do italiano, o ‘porquoi’ do francês, o ‘warum’ do alemão são em dicionários e gramáticos consignados como advérbios, sem mais dificuldades de análise nem de ortografia.”.

Perdão, professor, pois, como a análise sintática mostra, a preposição está para o verbo ou outro termo da oração principal:

“É a honra que nos compele a ZELAR POR que o Brasil sobreviva”,

“Ela estava AFLITA POR que a lua de mel terminasse logo”,

assim como está para o verbo da subordinada adjetiva, tipo de oração em que a conjunção “que” funciona como pronome relativo (equivalente a “o qual”, “a qual” e seus respectivos plurais):

“Todos sabemos os direitos POR que LUTAMOS”.

Além disso, ao juntarem a preposição e a conjunção, os senhores e as senhoras que mandam e desmandam na caótica ortografia da língua portuguesa acabaram não só criando outra palavra (a conjunção “porque”), mas também a deixaram com cara de paroxítona, como “corte”, “forte”, “morte”, “norte”, “porte”, “sorte”, “torne” etc., pois, segundo uma das regras criadas por eles mesmos, são acentuadas as oxítonas terminadas em “e”, como “você”.

Na verdade, eles até acentuaram a forma junta, mas apenas quando ela está substantivada (“porquê”), como se a conjunção “porque” não tivesse o mesmo som do substantivo “porquê”, palavra esta sempre antecedida de artigo, pronome adjetivo, preposição etc.

Não menos incongruente é a acentuação da polivalente conjunção “que” quando ela aparece no fim da frase, como se o acento de uma palavra dependesse do lugar onde ela está.

Diferentemente do que a escola ensina, as quatro formas de escrever o encontro entre a preposição “por” e a conjunção “que” não têm nada a ver com causa, uma das relações estabelecidas pela preposição “por”.

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Edson de Oliveira

Revisor há mais de 20 anos, corrigindo principalmente legendas de vídeo, transcrição de áudio, textos jornalísticos e acadêmicos, é editor dos blogues “Café Elétrico” e “Blogue da Revisão”.

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