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Um panorama sobre a crise da mídia impressa no Brasil

“O jornalismo impresso, isso não acho que seja responsabilidade ou decorrência do governo Bolsonaro, está realmente em processo de extinção”. Retratando um cenário pessimista, a afirmação do professor universitário Carlos Eduardo Lins da Silva, em coluna na Rádio USP, ilustra o momento vivido pelos veículos de comunicação impressos no Brasil. Com o avanço dos meios digitais e da atuação da mídia no mundo online, esse tipo de jornalismo tem se tornado cada vez menos presente na vida dos brasileiros.

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O cenário ganhou ainda mais evidência no último ano, quando houve o encerramento de 12 veículos de comunicação brasileiros. A lista é composta majoritariamente por publicações impressas, que representaram 58% dos fechamentos de redações ou, em números absolutos, sete títulos que deixaram de ser publicados em papel.

O “obituário” de meios de comunicação voltados ao impresso conta com marcas de diversos estados, como Maranhão, São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Além da geografia, a diversidade nos encerramentos foi aparente no tamanho e no objetivo dos veículos, que eram locais, nacionais, focados em hard news ou especializados. Foram eles:

“O jornal se torna digital para que o leitor continue sendo o primeiro a saber do que acontece em seu bairro, em sua cidade e em todo o mundo. Em consonância com a tendência mundial no mundo das comunicações, a Folha [da Região] passa a apresentar um conteúdo mais robusto e imediato por meio do seu portal e ainda oferecerá o tradicional jornal diário de forma digital”, explicou a direção do jornal da região de Araçatuba, no interior de São Paulo, ao anunciar a sua digitalização completa — deixando, assim, de atuar na mídia impressa.

Em números

Segundo levantamento realizado por meio da plataforma Comunique-se 360, o número de veículos de comunicação brasileiros no meio digital é aproximadamente três vezes maior do que os tradicionais impressos. Entre jornais, revistas e jornais de bairro, são registradas 1.446 empresas, enquanto blogs e portais de notícias são 4.035.

Em comparação entre os anos de 2020 e 2021, a mídia impressa sofreu queda de 13,6% no número de exemplares no Brasil. Os dados, divulgados pelo Poder360, são parte de levantamento realizado pelo Instituto Verificador de Comunicação (IVC), que compara resultados de dezembro dos dois anos. A matéria aponta, ainda, que os jornais online tiveram crescimento de 6,4% no período. Para a análise, foram considerados: Folha de S. Paulo, O Globo, O Estado de S. Paulo, Super Notícia, Zero Hora, Valor Econômico, Correio Braziliense, Estado de Minas, A Tarde e O Povo.

Gráfico do Poder360 apresenta dados de grandes veículos de comunicação brasileiros. (Imagem: reprodução/Poder360).

Novos parâmetros

Em meio à crise, adaptações foram necessárias e se fizeram presentes em diversos exemplos. Parâmetros de circulação foram reduzidos e números que, antes, poderiam ser preocupantes, se tornaram motivo de comemoração.

Em dezembro de 2021, o jornal O Globo destacou a sua colocação de “maior jornal do país”. A publicação carioca considera a soma de dados registrados em suas plataformas digitais com o impresso, a chamada “circulação total”. Um mês antes, em novembro do ano passado, o resultado na categoria foi de um público de 373.009 (entre assinaturas digitais, impressas e as vendas avulsas), aumento de 14% com relação ao mesmo período de 2020.

Ao se considerar apenas o impresso, no entanto, O Globo teve a menor circulação dos últimos cinco anos. Até setembro de 2021, o volume era de 70.282 unidades, em comparação com 156.307 para a mesma categoria de análise, em 2016, segundo o levantamento do Poder360.

Case de sucesso do impresso para o digital

Em contraponto, a decisão por “rebaixamento” da publicação impressa em níveis editoriais, com relação à versão online, levou o Grupo Bandeirantes de Comunicação, junto ao Metro Internacional, a apresentarem um case de sucesso. Com o início da pandemia da Covid-19 no Brasil, em março de 2020, o jornal Metro suspendeu sua versão impressa (que distribuía gratuitamente 100 mil exemplares nas ruas da capital paulista) e assumiu uma versão digital.

(Imagem: divulgação).

A proposta inicial foi o envio de um simples PDF do jornal aos inscritos. Em poucas semanas, o modelo já contava com mais de 20 mil leitores registrados para receber o material diariamente. “Mas, enquanto a direção tentava, às cegas, tomar uma decisão sobre o futuro do negócio (fechar era a alternativa mais provável), resolvemos ‘sobreviver’”, conta a editora-chefe, Ivana Moreira, em entrevista dada no último ano.

A versão em PDF deu espaço a uma plataforma desenvolvida pela Page Suite, do Reino Unido. Com a novidade, o International News Media Association (Inma) passou a reconhecer o projeto brasileiro como motivo de inspiração para outras empresas e o site GX Press, da Austrália, enalteceu o trabalho do Metro.

Outros jornais também seguiram mudanças em suas já prestigiadas versões impressas nos últimos anos. É o caso da Gazeta do Povo, que alterou o seu modelo de negócio em 2017, passando do tradicional jornal impresso, ao digital, seguindo o formato “mobile first”. As assinaturas, que antes davam direito ao conteúdo no papel, agora referem-se às publicações online e, em 2021, chegaram à marca de 75 mil assinantes.

Fim do impresso também na esfera pública

Para além das empresas comerciais, instituições públicas também passaram a digitalizar sua comunicação. Desde 2017, o Diário Oficial da União (DOU), por exemplo, abandonou os papéis e assumiu apenas a sua versão online. As publicações eram feitas no papel há 155 anos, desde 1º de outubro de 1862, com edições diárias que costumavam ultrapassar a marca de 2 mil páginas.

Em maio do mesmo ano, o governo estadual de São Paulo anunciou a mesma medida. O Diário Oficial do Estado (DOE) passou a contar apenas com as publicações digitais do informativo. A iniciativa previa, na época, a redução de custos de R$ 6,3 milhões por ano e aproximadamente 34 toneladas de papel por mês.

Entre demissões e recuperações judiciais

Em meio à transição do público que antes consumia conteúdos físicos aos leitores digitais, grupos de comunicação que mantiveram sua essência no impresso sofreram efeitos financeiros. Grandes nomes que passaram à situação de recuperação judicial foram as editoras Abril e Três.

As duas empresas — que são responsáveis por publicações como a Veja (a qual segue na Abril e foi colocada como garantia de pagamento), a Exame (vendida ao banco BTG Pactual) e todas as variações da IstoÉ (que seguem na Editora Três) — têm dívidas milionárias. No último ano, ambas iniciaram leilões de alguns de seus prédios, com resultado definido para a Abril, no valor de R$ 118 milhões. No caso da Editora Três, as propostas foram abertas em dezembro e o leilão foi encerrado sem um valor arrematado.

Mais do que um problema empresarial, a possível “crise” nos meios de comunicação impressos afeta também os jornalistas. Com o encerramento de títulos ou diminuição das equipes de redação, profissionais foram demitidos no decorrer dos últimos anos.

Antigo prédio da Abril, em São Paulo. (Imagem: Antônio Milena/VEJA)

Como parte do processo de recuperação judicial, a Editora Abril foi também o local de demissões em massa na imprensa. Em 2018, ano em que a situação financeira do grupo de comunicação foi divulgada, 800 funcionários foram demitidos, junto ao anúncio de fechamento de 11 títulos.

Nos últimos cinco anos, milhares de jornalistas perderam seus empregos em decorrência de situações financeiras de veículos de comunicação atuantes na mídia impressa. Além dos funcionários da Abril, mais de 600 foram demitidos de jornais como O Globo, Extra, Folha e Agora. Apenas em 2016, o número de demissões na imprensa brasileira chegou a 500 (número, porém, que não se restringe a passaralhos do impresso).

Exemplo a ser seguido?

Em meio às dificuldades na imprensa, uma solução: a revista Piauí anunciou um novo modelo de gestão. A publicação, que segue com a sua versão impressa ativa, passou a contar com um novo fundo para sua manutenção, o Instituto Artigo 220, entidade sem fins lucrativos que terá doação de R$ 350 milhões feita pelo fundador do veículo de comunicação, o empresário João Moreira Salles.

Com a mudança, a revista conta com quatro fontes de renda: o fundo ligado ao instituto, assinaturas mensais, publicidade e a realização de eventos. Desde o anúncio do novo modelo, um “conselho de comando” foi instituído, sendo composto por sete pessoas, entre elas, o próprio Moreira Salles. O fundador, no entanto, avisa que pretende deixar a direção para que a revista seja independente.

“Aos 15 anos de existência, a piauí se apresenta com solidez institucional, estabilidade e independência. São graus de autonomia que tornam difícil acuá-la. Uma forma de enxergar essa mudança é tomar a revista como um bem público. Ela não é mais propriedade de ninguém. Pertence a si mesma, o que significa que pertence à sociedade. De modo que vão aqui dois pedidos: aos nossos repórteres, que façam bom uso dela; aos nossos leitores, que os apoiem comprando, assinando, lendo, ouvindo, comentando, elogiando (de preferência) e criticando (com moderação) a nova piauí de sempre”, escreveu João Moreira Salles, em texto publicado pela revista.

Caminho contrário: do online para o impresso

Enquanto veículos de comunicação de todo o mundo apostam em formas de se fazer cada vez mais presentes nos meios digitais, um jornal assumiu o caminho contrário. Nativo digital, baseado no Mato Grosso do Sul, o MidiaMax iniciou também a distribuição de jornais impressos, o MidiaMax Diário, em Campo Grande, capital de seu estado.

A iniciativa, no entanto, não se trata de mais uma fonte de renda por meio de assinaturas. Os exemplares são distribuídos gratuitamente nos terminais de ônibus da cidade e, para levar informação à população, conta com anúncios e investimento da própria empresa de comunicação. Em formato reduzido, é possível afirmar que a versão impressa do projeto serve, além de tudo, como uma forma de publicidade para a promoção do portal MidiaMax.

Mídia impressa no mundo

Mapa de jornais impressos fechados nos Estados Unidos, de 2014 a 2018. (Imagem: Universidade da Carolina do Norte).

Em diversos países, a diminuição no consumo de conteúdos jornalísticos impressos é uma realidade que assombra

veículos de comunicação. O movimento teve início há cerca de duas décadas, com a popularização da internet, e tem se intensificado nos últimos anos.

De acordo com o estudo The Expanding News Desert, da Universidade da Carolina do Norte, dos Estados Unidos, 1.800 jornais impressos foram fechados de 2014 a 2018. Uma versão mais recente do estudo aponta que apenas nos dois anos seguintes (até 2020), a circulação de jornais sofreu redução de 5 milhões de exemplares. O cenário desencadeou o fechamento de 300 veículos de comunicação e a demissão de cerca de 6 mil jornalistas espalhados pelo mundo.

Na Espanha, enquanto os impressos sofreram grandes perdas em números de vendas e de renda de publicidade, as assinaturas digitais se tornaram um modelo de negócio cada vez mais popular e rentável, de acordo com publicação do Instituto Reuters. Em dez meses, o jornal El País registrou a marca de 100 mil assinantes, o El Mundo contava com 60 mil pagantes em março de 2021 e o nativo digital elDiario.es chegou a 63 mil.

O Journal of Financial Economics alerta, ainda, que seja no impresso, online, ou por meio de rádio e TV, a manutenção de veículos de comunicação locais é importante para toda a sociedade. Um estudo publicado pela instituição, nos Estados Unidos, revela que o jornalismo local é um “monitor importante” sobre violações de diversos âmbitos e, quando esse tipo de jornal fecha, a corrupção corporativa aumenta.

Incentivo à digitalização

Em meio ao avanço da digitalização das notícias e redução no consumo de impressos, programas de incentivo à produção de jornalismo digital são lançados. Isso no Brasil e em outros países. É o caso de iniciativas financeiras e profissionalizantes bancadas por big techs como o Google e a Meta.

Por meio do ‘Acelerando a Transformação Digital’, a Meta, em parceria com entidades de jornalismo, oferece uma série de treinamentos, mentorias e fundos, com o objetivo de auxiliar startups e meios de comunicação digitais. Em edição mais recente, o programa conta com a parceria da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). A iniciativa faz parte do investimento de US$ 2,6 milhões da empresa para a imprensa brasileira.

Para o Google, o incentivo à produção de notícias para o ambiente digital ocorre por meio de projetos como o ‘Desafio de inovação do Google News’. Nele, 21 veículos de comunicação da América Latina foram selecionados para o fundo no valor que poderá chegar a US$ 250 mil para cada empresa. O dinheiro deverá ser usado para o desenvolvimento de propostas digitais.

Sobre o assunto, o professor Carlos Eduardo Lins da Silva afirma: para conter toda a crise, outras plataformas também deveriam criar iniciativas de apoio ao jornalismo. “Claro que é uma boa notícia. Qualquer coisa que se faça que ajude os jornais a encontrar uma saída para sua crise deve ser bem-vinda. Mas isso ainda é muito pouco comparado com aquilo que não só o Facebook [Meta], mas as outras plataformas de redes sociais deveriam fazer”, analisa em sua coluna para a Rádio USP.

Mas, independentemente de incentivos fomentados por big techs e outras grandes empresas, o jornalismo impresso no Brasil tem dado vez a projetos e a estratégias cada vez mais digitais — seja em decorrência da crise do “papel” ou de decisões que visem se adaptar aos novos públicos.

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Julia Renó

Jornalista. Natural de São José dos Campos (SP), onde vive atualmente, após temporadas em Campo Grande (MS). Formada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (MS) e voluntária da ONG Fraternidade sem Fronteiras, integrou o time de jornalistas do Grupo Comunique-se de julho de 2020 a abril de 2022.

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