Sem nenhuma autorização, profissionais de comunicação estão, cada vez mais, utilizando o conjunto de imagens da mídia com as quais mantiveram relacionamento em suas novas atividades. Isso é usurpação de trade dress, entre outras ilegalidades. E acontece quando marca, notoriedade e elementos de identificação de um veículo de comunicação são usados, propositalmente, mesmo de forma disfarçada, capaz de confundir o público. Sites, perfis nas redes sociais, canais no YouTube e hashtags são as ferramentas mais usadas nestas práticas.
O trade dress constitui a roupagem de um produto, de uma embalagem ou até de um estabelecimento, que, por sua originalidade e maneira de se distinguir, faz com que o público identifique imediatamente sua origem e o diferencie de outros concorrentes. Constitui, por isso, uma criação intelectual que desempenha a função de um sinal distintivo, e sua eventual reprodução ou imitação por terceiros é coibida pela Lei de Direitos Autorais, de Propriedade Industrial e pela Constituição Federal. O trade dress pode ser constituído por elementos que, combinados, compõem um conjunto apto a distinguir um produto ou serviço no mercado. Esse conceito abrange toda a imagem, impressão e percepção sensorial deixada pelo conjunto da obra, permitindo que o público identifique e reconheça facilmente o produto
O uso desautorizado da marca dos meios de comunicação assemelha-se com a cópia de ideias encontrada no comércio varejista, mas se difere em efeitos. Nos pontos de venda em centros comerciais, a cópia induz ao ato de visita, que pode ou não resultar numa compra, pois o consumidor tem a opção de buscar a marca original para satisfazer o desejo de aquisição. Essa opção não existe no aproveitamento ilegal do prestígio da marca de uma plataforma construída por revista, jornal, rádio e TV. O consumo se dá no ato de acesso e a fruição do conteúdo. Para isso, há confusão intencional de elementos de identificação do patrimônio imaterial que gera aproveitamento parasitário do prestígio da marca.
Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo – em decisão de primeiro grau – julgou caso no qual se constatou a utilização indevida de marcas de um dos maiores grupos de comunicação do país em blog e streaming de vídeo pela internet. De acordo com os autos, a intenção da processada foi dar maior credibilidade às suas opiniões, induzindo o público a crer que ainda, em alguma medida, falava como representante da marca copiada. A ré foi condenada a pagar vultosa multa por violação de ordem judicial, importante quantia como reparação por danos morais e indenização por danos materiais emergentes e lucros cessantes em quantia a ser liquidada por arbitramento.
Na legislação brasileira, o simples ato de usar sem autorização a marca de outrem já configura ilícito. Comete crime quem “reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imita-a de modo que possa induzir confusão” (artigo 189, inciso I do Código de Propriedade Industrial). Para entender uma das razões para que isso aconteça, Robert Krayenbuhl, em seu clássico sobre o direito das marcas, escreveu que as marcas possuem um campo magnético de atração de clientela dentro do qual é vedado a terceiros gravitarem. “Quanto mais notória, conhecida ou famosa for a marca, maior abrangência terá esse campo”.
Para lidar com essas questões, especialmente com a avalanche de modos permitidos pela conexão da rede mundial de computadores pela internet, a proteção à marca deve se valer dos princípios do direito marcário. O professor Dirceu Pereira de Santa Rosa demonstrou que “os nomes de domínio certamente desempenham função semelhante à de uma marca e que, na falta de um instituto que possa suprir a necessidade de combater atos nocivos às relações de consumo que possam advir do uso indevido dedomains na internet, deve ser utilizado o sistema que melhor se adequa a resolver estas questões, e que, no caso, é o Direito Marcário. Inclusive, em se tratando das leis americanas, esta tendência foi confirmada pela nova Lei de Diluição de Marcas, o “Antidilution Act”, em vigor desde 1º de janeiro de 1996, que prevê que o titular de uma marca pode reprimir quaisquer práticas que venham a diluir ou prejudicar o caráter distintivo e o valor de sua marca, inclusive se esta prática se der pela concessão de um domínio na internet. ”.
Assim, é patente que elementos padronizados, em conjunto, identificam e individualizam determinado produto ou serviço. E, por exercerem essa função distintiva, devem ter a sua integridade protegida da deslealdade e cobiça de terceiros.
Alexandre Fidalgo. Doutorando em direito na USP, Mestre em Direito pela PUC-SP, sócio do Fidalgo Advogados.