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Vivo: será que saberemos amá-la? Por Jean Caristina

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A Vivo lançou filme publicitário em que a família é constituída por dois pais. Mais uma marca que provoca reflexão sobre a liberdade sexual e mexe com as tradições de uma sociedade que precisa dialogar com o próprio tempo

A Vivo lançou filme publicitário para divulgação de seu plano familiar. O comercial retrata a história de uma menina que, após participar de uma competição de natação, comemora a conquista nos braços de seus dois pais.

A trilha sonora, uma versão de “Saber Amar”, dos Paralamas do Sucesso, garante leveza à produção.

Porém, é de se esperar que a Vivo seja castigada nas redes sociais por parcela de consumidores resistentes ao debate de gênero, muito embora tenha, com sutileza, transmitido uma irrefutável mensagem de amor.

O debate em torno das questões de gênero

O Brasil é um país interessante. Ao mesmo tempo em que politizamos questões absolutamente banais, por vezes somos lenientes com a barbárie política ou com a falência dos serviços públicos básicos.

Não bastasse, perdemos pouco a pouco a capacidade de estabelecer vínculos coerentes com a história. Vivemos apenas o presente, uma existência imediatista. O folclore, os costumes, as tradições, a cultura etnográfica e tantas outras marcas são apenas registros longínquos de uma sociedade que parece não ter existido. A existência já não se justifica na profundidade humana dos vínculos. Somos virtuais, meras conexões telemáticas.

O rompimento com o passado e a despolitização de temas interessantes à sociedade nos leva a viver um hiato de individualismo. Nossos poucos diálogos caracterizam-se mais pela imposição do que pela dialética. A negação do novo e do diferente é vista com desdém, com menosprezo ou, quando não, com violência.

O “eu acho” e o “eu penso” tornaram-se verdades absolutas ocultadas por avatares que assumem toda responsabilidade (ou nenhuma responsabilidade), descomprometidos com o debate e com a construção de entendimentos. Assim vamos, reinando absolutos em nossas ilhas, apesar de vivermos num arquipélago de divergências.

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(Imagem: Reprodução/Vivo/YouTube)

A discussão sobre gênero tem se colocado neste fogo cruzado. Se a família, a escola e a política já não são fóruns confiáveis para o estabelecimento do debate, foi a publicidade que se avocou da função de ser o veículo por meio do qual se estabelece o diálogo, seja por ser uma forma mais palatável de comunicação, seja porque as marcas gozam de credibilidade suficiente para serem os espelhos da sociedade.

“É de se esperar que a Vivo seja castigada nas redes sociais por parcela de consumidores resistentes ao debate de gênero”

Contudo, travestir-se desta responsabilidade significa correr o risco da crítica, especialmente daquela que, pela imperatividade com que é construída, situa-se no campo do chamado “discurso de ódio”, que refuta qualquer espécie de mudança, especialmente quanto à possibilidade de haver novas formatações de família.

Negar tal transformação é, a um só tempo, a negação do próprio passado, desconsiderando o movimento histórico que luta pelo reconhecimento das variadas formas de expressão de amor, e negação do futuro, ao desdizer a evolução da sexualidade e suas diferentes formas de manifestação. As críticas que comerciais como este provocam acabam se tornando palavras perdidas no tempo e no espaço, pois não se constroem sob fundamento histórico, nem reconhecem as transformações que batem às portas do futuro.

As propagandas que apresentam diferentes formas de relação afetiva estabelecem um diálogo com a sociedade, propondo o reconhecimento desses novos formatos. A resistência é óbvia. Grupos de interesses tendem a se posicionar contrários a elas, sob o argumento de serem impositivas e pretenderem uma desestruturação da família e da tradição. Algumas delas, é verdade, são excessivamente impositivas, não permitindo uma reflexão sobre nossos próprios julgamentos. Até que se encontre o equilíbrio, muitas marcas sofrerão as consequências de possíveis interpretações que a julguem como imperativas.

“A resistência quanto ao tema abordado pela Vivo tem menos a ver com o determinismo biológico, e mais com o construcionismo social”

A resistência quanto ao tema abordado pela Vivo tem menos a ver com o determinismo biológico, e mais com o construcionismo social, isto é, a defesa da divisão clássica homem-mulher serve ao estabelecimento de relações de poder, na qual a mulher, pela tradição patriarcal, subordina-se ao homem, que, por sua vez, mantém na unidade familiar uma posição hegemônica. Tal divisão é posta em xeque na medida em que a homossexualidade masculina implica certa renúncia a esta hegemonia. O contraponto é o movimento crescente de restauração da masculinidade, que se observa em algumas propagandas que têm foco no enaltecimento da virilidade e do orgulho heterossexual.

Questionamento inevitável: a publicidade, ao estabelecer este diálogo, o faz de modo desinteressado? Vale sempre lembrar que publicidade é comunicação com pretensão de gerar resultados econômicos. A opção pelo debate das diferentes concepções de família está ligada à sustentabilidade e à inclusão, a partir do reconhecimento de que a aceitação das diferenças torna as marcas mais flexíveis aos diferentes tipos de consumidores, e que, em médio e longo prazos, pode significar uma estratégia de sustentabilidade da própria empresa.

Por outro lado, os consumidores querem se sentir representados por marcas que respeitem as opções de seu público. O binômio demanda-oferta, em que a publicidade era mero instrumento de viabilização de consumo e redução de estoques, deu lugar a uma relação de representante-representado, que possibilita aos consumidores tornarem-se sujeitos ativos no processo de transformação. Exemplo disso são as marcas que gozam de credibilidade por seu respeito ao meio ambiente.

“Os consumidores querem se sentir representados por marcas que respeitem as opções de seu público”

Neste cenário, as marcas precisam ter especial atenção a todos os consumidores, sem que se admita exceção. Isso não significa o abandono das tradições culturais clássicas, nem um lançamento irresponsável à revolução dos costumes. Passado e presente devem dialogar na publicidade, que, de modo atemporal, deve demonstrar a possibilidade de se respeitarem todos os consumidores, sejam quais forem suas escolhas, politizando o que, de fato, merece ser posto em discussão: qual é, afinal, o gênero da palavra amor?

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Jean Caristina

Doutor e Mestre em Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Graduado em Direito pela Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Coordenador do curso de Direito da Universidade Nove de Julho (Uninove). Professor universitário, advogado e criador-articulista do site intervalolegal.com.br. Atua em relações jurídicas da publicidade, com foco no Direito do Consumidor e na proteção do direito constitucional da livre expressão e comunicação.

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